O Prof. Ângelo Emílio Pessoa, do Departamento de História da UFPB, recebeu no ano passado, um maço com mais de 200 documentos históricos, e cerca de 700 páginas, da antiga Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP). O material foi encontrado nos arquivos da atual Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP).
A maioria dos documentos tem apenas uma ou duas folhas os quais trazem dados sobre a vida cotidiana da população, no período entre os séculos XVIII até o início do século XX.
“Estes documentos são do período imediatamente posterior à Independência do Brasil, ali por volta de 1824 - 1828, então têm informações muito interessantes sobre o processo de estruturação do Estado Imperial Brasileiro aqui na Paraíba, na Cidade da Parahyba e dos municípios circunvizinhos. Então há muitos assuntos referentes ao cotidiano e à estruturação do estado que essas informações estão aflorando lentamente”, explica o Professor Ângelo.
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Os arquivos estão sendo estudados por ele, juntamente com outros professores do curso de História e um grupo de alunos dos cursos de Arquivologia e Biblioteconomia. A equipe deu início ao processo de higienização, restauração, catalogação e transcrição do material.
Segundo o professor Ângelo, é um milagre esses documentos terem sobrevivido ao tempo, fungo, poeira, cupim, traças, armazenamento e manuseamento. O professor explica que, dos contornos do ano de 1800 para cá, aconteceram inúmeros fatos políticos e históricos como incêndios, mudança de local e fechamento das casas legislativas por consequência de Atos Institucionais de Governo (Ditadura Militar). “O período de Getúlio Vargas, por exemplo durou de oito a dez anos com a Câmara Municipal fechada”, comenta o professor Ângelo. Além das rasuras, a própria tinta utilizada na época continha chumbo, o que ocasionou ferrugem em vários papéis.
Parqeue Arruda Câmara - a Bica - foi um dos aguadeiros da cidade. Foto: Divulgação
A maior parte dos documentos são atas de despesas, também de aposentadorias, festas vencidas, aguadeiros, eleições, escolas de primeiras letras, problemas de pequenas causas, médicos da cidade, e ajuda de custo. “Tem tantas coisas para serem analisadas que a gente ainda não sabe o que vai achar lá. A História é como um quebra-cabeças e essas são pecinhas, muito valiosas.”
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Ao folhear os arquivos, percebemos a escrita com estilo da época, rebuscada, desenhadas com um verdadeiro primor caligráfico, diante de uma sociedade onde pouca gente era letrada. Há muitas abreviaturas também, tal qual escrita taquigráfica.
O Prof. Angelo conta que a equipe identificou situações curiosas. Uma delas é uma correspondência de 1825, enviada da cidade de Londres, na Inglaterra. Na documentação, havia uma tentativa de vender para a Câmara Municipal uma máquina que prometia restaurar vidas de pessoas afogadas.Foto: Divulgação
A Cidade da Parahyba comportava a João Pessoa de hoje, além de Cabedelo, Bayeux, Santa Rita, Lucena e Conde. Algumas delas eram apenas povoados, é o caso de Bayeux que era o povoado de Barreiras.
Em outro documento, foram verificados conflitos em relação à distribuição de água na Cidade da Parahyba. No material observado, há um registro que fala sobre uma cacimba de água que abastecia uma parte da cidade baixa. Esse reservatório teria sido apossado por um padre que, logo em seguida, passou a cobrar pelo abastecimento.
“Existe uma diversidade temáticas muito grande ligada ao dia a dia da cidade. Aparecem questões relacionadas às escolas de primeiras letras, saúde pública, transportes, estradas, condições de fornecimento de água e funcionamento do mercado” ressalta Ângelo Emílio.
Outro caso inusitado foi o de ladrões atuando na ponte de Gramame, na Zona Sul de João Pessoa, local de grande fluxo de veículos. “Essa ponte era fundamental, pois ligava a cidade ao Recife e por onde se transportavam muitas mercadorias. Então é de se supor que havia muitos roubos”, completa o historiador.
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Todo o acervo foi enviado para a Fundação Casa de José Américo, no Cabo Branco. De acordo com o professor Ângelo Emílio, o local possui estrutura adequada para que a equipe possa realizar os estudos com mais cautela.
Até o momento, foi empreendida, do ponto de vista técnico, a higienização, que serve para tirar a poeira acumulada. Os trabalhos ainda contarão com restauração, catalogação e transcrição dos documentos.
“A ideia, após todo o procedimento de recuperação do material, é produzir documentário, livros, artigos científicos, material didático e oficinas pedagógicas”, adianta o pesquisador.
Em seu aniversário, a atual cidade de João Pessoa ganhou, com esses arquivos, um “diário do cotidiano”, um tesouro, que conta suas estórias e modo de vida do passado. Parabéns, cidade de João Pessoa.
Edição: Cida Alves