Tem se tornado cada vez mais comum se deparar com um personagem que chama atenção no Centro de João Pessoa: os chineses. Apesar de uma aparente integração com o entorno, perceptível aos olhares menos atentos, a escolha pelo Centro da capital não está vinculada à nenhum outro fator se não por ainda ser um dos principais setores comerciais e de serviço da cidade. Nesse contexto, quais os desdobramentos da presença chinesa em João Pessoa e por que é importante acompanhar esse processo de ocupação?
Os imigrantes chineses chegam principalmente da região metropolitana de Xangai objetivando trabalhar no comércio local com a venda de produtos “importados”, conhecidos pelos seus baixos custos ao consumidor. Atualmente, 41 estabelecimentos chineses ocupam as ruas entre a Duque de Caxias e a Santo Elias. Desses, 11 se dedicam ao comércio de roupas e acessórios, 24 à produtos importados variados e seis oferecem serviços de alimentação.
Os estabelecimentos se adaptam aos lotes estreitos e profundos, típicos do Centro Histórico de João Pessoa. Alguns deixam claro através das cores, nomes das lojas, letreiros e decoração os produtos que vendem e de onde são. Outros buscam não se identificar como chineses e mantém o padrão estético local, se adaptando ao contexto onde estão inseridos. Porém, apesar dessa tentativa, pode-se observar que o empreendimento seja de um grupo chinês devido aos traços étnicos dos responsáveis que trabalham operando o caixa e outros setores administrativos.
Por terem deixado sua origem e para que consigam firmar minimamente vínculos sociais com o novo território, esses imigrantes precisam se integrar por meio de relações de assimilação, aceitação e pertencimento. No entanto, apesar do convívio cotidiano entre chineses e pessoenses, o que se verifica na prática é sua aglomeração em grupos e a resistência por maiores interações com o restante da população.
Geralmente, os contatos mais frequentes acontecem entre o proprietário chinês e os funcionários de sua loja. Esses trabalhadores quase sempre são brasileiros, pois são quem os ajudam na comunicação com os clientes. Relatos desses vendedores apontam o que já se vem observando nas últimas décadas, tanto economicamente como socialmente.
Muitos lojistas da região afirmam que a desleal disputa do mercado em função dos baixos preços dos produtos chineses está alterando gradativamente a dinâmica e a identidade do Centro da cidade. Quem passa por aquela área pode observar que antigos estabelecimentos, há muito tempo em funcionamento, ou repassaram o ponto ou fecharam seus comércios. Essa realidade não se restringe à João Pessoa e a mudança de dinâmica também pode ser observada em diversas cidades de grande e médio porte do Brasil, como Recife, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro.
A insurgência do tema das migrações nos círculos políticos e nos tópicos de notícias mostram que quando se trata do alto índice de migração internacional é inevitável abordar o seu impacto na vida cotidiana das cidades. O processo de imigração raramente é uma ação simples e individual em que uma pessoa decide se mudar em busca de uma vida melhor, deixar para trás suas raízes no seu lugar de origem e rapidamente se adaptar e ser aceito no novo país.
Portanto, pode-se dizer que a presença dos chineses em João Pessoa acaba trazendo ônus e bônus ao contexto em que se inserem. Ao mesmo tempo em que fomentam a economia local gerando novos empregos, estimulam a concorrência desleal com o comércio existente. Embora estejam no Centro da cidade morando e trabalhando, nem sempre interagem com a população local, deixando de criar vínculos sociais. Apesar de locar imóveis antigos que a tempos se encontravam em estado de degradação, adaptando-os para novos comércios, causam danos irreversíveis ao patrimônio edificado, pois muitas das reformas descumprem o exigido pelo órgão de preservação patrimonial.
Esses são alguns dos desdobramentos da pequena Xangai em formação no Centro Histórico de João Pessoa. O cenário que se descortina requer atenção redobrada, não só por parte das autoridades patrimoniais, como também por parte do poder público municipal, que deve agir de modo a promover políticas de inclusão e de acolhimento, bem como de controle do uso e ocupação do solo.
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*Marcela Dimenstein é arquiteta e urbanista, doutoranda e pesquisadora das migrações internacionais na contemporaneidade pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN, mestre pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFPB, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP) e do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ).
**Pedro Rossi é mestre em Teoria e História da Arquitetura pela Escola Técnica Superior de Arquitetura de Barcelona da Universidade Politécnica da Catalunha (ETSAB/UPC), professor e coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP), presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil na Paraíba (IAB.pb) e articulador do Núcleo PB do projeto BrCidades.
Edição: Heloisa de Sousa