Não restam dúvidas que são tempos difíceis para os movimentos sociais e os coletivos da sociedade civil. De Norte a Sul, o empenho do Governo Federal e de outras esferas e escalas do poder público em desmantelar a organização popular tem assolado sobremaneira o país. Contudo, há mobilização e muita resistência. Agora, o momento é de fazer com que todas essas histórias sejam reverberadas. A Paraíba tem algumas e uma delas quem protagoniza é a comunidade tradicional ribeirinha do Porto do Capim, que recentemente construiu em torno de sua luta uma rede de apoio tão forte ao ponto de frear o trator “revitalizador” da Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP).
Em junho, em nome do polêmico projeto urbano “Parque Ecológico Sanhauá”, a PMJP demoliu um conjunto de casas no setor da Vila Nassau, parte integrante do território do Porto do Capim, situado no Centro Histórico de João Pessoa. À época, a ação tensionou ainda mais a delicada situação existente entre a comunidade e o poder público municipal. No entanto, não foi a truculenta postura da Prefeitura que impediu a comunidade de se organizar e transformar os escombros deixados pela equipe da Secretaria de Desenvolvimento Urbano em um local hoje chamado de “Praça da Resistência”.
Os entulhos e o lixo deram lugar à um área cívica, apropriada para manifestações culturais e feiras de alimentos, algo que já é comum na região. Nos últimos dias 29, 30 e 31 de agosto, a Praça da Resistência foi inaugurada e se tornou o palco principal do I Seminário de Apoio às Comunidades Tradicionais. O evento teve como objetivo estruturar um grupo de apoio ao Porto do Capim e debater a situação de violação dos direitos promovidas pelo poder público municipal. De acordo com Rossana Holanda, moradora e uma das lideranças do coletivo Porto do Capim em Ação, essa rede vem acompanhando a luta da comunidade, que resolveu fazer um movimento que promovesse a defesa do seu território para além das organizações comunitárias locais e mostrar que a população de João Pessoa se preocupa com esse espaço.
A mobilização das lideranças do Porto do Capim chamou atenção do Congresso Nacional. O Deputado Federal Frei Anastácio (PT/PB) entrou com requerimento na Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal (CDHM) e levou em diligência uma expedição com outros parlamentares para conhecer de perto a situação dos conflitos que envolvem o Porto do Capim. Durante a visita, a CDHM organizou uma audiência pública sobre o tema, atividade que integrou o Seminário de Apoio às Comunidades Tradicionais e contou com a participação de representantes do Ministério Público Federal, das Defensorias Públicas do Estado e da União, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Universidade Federal da Paraíba.
É preciso deixar o pessimismo para dias melhores
Assentada desde meados da década de 1940, aquela população vem sofrendo há quase 80 anos com o descaso do poder público. Desde o começo do último conflito, iniciado em março deste ano com a emissão de notificações de desocupação a serem cumpridas em 48h e que poderiam atingir mais de 170 famílias, a resistência do Porto do Capim tem conseguido barrar as ações mais contundentes por parte da Prefeitura de João Pessoa. Ainda que alguns moradores tenham cedido às pressões da gestão municipal, trocando a demolição de suas casas por temporários e irrisórios auxílios moradia ou por unidades habitacionais em conjuntos populares distantes do seu contexto social, não fosse a mobilização comunitária o território já teria sido totalmente destruído e as tradições históricas ribeirinhas apagadas.
O exemplo da organização e da mobilização das lideranças do Porto do Capim é um respiro em meio ao período de turbulência política que o país atravessa. Com efeito, não há como dissociar dessa história a relevância das mulheres - jovens, mães, negras ou indígenas -, que são quem protagonizam a resistência no país. São as muitas Dandaras que não se permitem invisibilizar por nenhum “homem de família” e são quem realmente disputam as narrativas frente aos discursos impostos pelo hegemônico poder dominante, branco e masculino.
A mobilização das mulheres do Porto do Capim afasta qualquer projeção de derrota e na luta contra os privilégios, às injustiças e à opressão, ancorada no pensamento do Bispo Pedro Casaldáliga, é otimista nos tempos difíceis e prefere deixar o pessimismo para dias melhores. A reconquista da democracia é possível e o segredo está com o povo no poder. Pare, olhe e escute. O Porto do Capim resiste!
*Pedro Rossi é arquiteto e urbanista, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil na Paraíba, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo do IESP e articulador do Núcleo PB do projeto BR Cidades.
Edição: Heloisa de Sousa