Em cerca de 30 anos, o aumento de pessoas presas no Brasil subiu de 90 mil, em 1990, para mais de 800 mil em 2019 – um acréscimo de quase 900%. O alerta é do pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Gênesis Cavalcanti, por meio de sua dissertação “A crise estrutural do capital e o grande encarceramento: o caso brasileiro”, realizada no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (PPGDH).
De acordo com Gênesis Cavalcanti, que coordena o Laboratório de Pesquisa e Extensão em Subjetividade e Segurança Pública (Lapsus) da UFPB, esse fato não se deu pelo aumento de crimes, mas pelo olhar de políticas punitivas.“O surgimento do Estado neoliberal, fundado na competição e na responsabilidade individual sem limites, entendia que os delitos seriam realizados após uma escolha racional do indivíduo, que determinaria sua conduta a partir do risco ou da recompensa”, explica.
Para o pesquisador, que também é professor do curso de Direito da UFPB, passou-se a punir atos que não eram criminalizados, direcionados especialmente às populações negras e pobres: “Nossa história, marcada pela completa inferiorização dos povos negro e indígena, foi o que possibilitou o controle e a punição deles. Da escravidão ao hiperencarceramento em condições indignas de sobrevivência. Esta é a realidade que a elite do país impõe aos grupos sociais marginalizados no Brasil”, enfatiza Gênesis.
Conforme dados apontados por ele, apesar de ricos, pobres, brancos e negros cometerem crimes, os processados criminalmente e os encarcerados são, em maioria, de classe baixa e negros. “Seguimos a mesma lógica dos países capitalistas centrais, principalmente os Estados Unidos, no modo de lidar com os grupos sociais indesejáveis ao sistema capitalista: encarceramento”, argumenta.
Gênesis afirma que cada sistema de produção exerce influência nas formas de punir, e o neoliberalismo, imposto em resposta à crise estrutural do capital, tem gerado efeitos diretos nas ações de vigilância e extermínio dos excluídos. “As políticas criminais surgidas no contexto neoliberal não encontraram resistências na realidade marginal latino-americana, especialmente no Brasil – nem mesmo nos períodos em que estavam no poder governos progressistas”, atesta.
A tendência é de que haja um acréscimo dessa realidade, diante da conjuntura política realizada atualmente no Brasil. “A vida política atual é marcada por discursos autoritários e pautas antidemocráticas. O projeto 'anticrime', que se tornou lei (13.964/2019), deve intensificar a situação de hiperencarceramento, colocando a prisão como o centro da questão criminal”.
Guerra às drogas
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2017, a quantidade total de pessoas presas por tráfico de drogas no Brasil era de mais de 176 mil, representando quase 30% da população carcerária. Pesquisas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) revelam que o número total de presos aumentou 96% desde o início da vigência da Lei 11.343/2006 – conhecida como a Lei Antidrogas.
Diante desse cenário, Gênesis Cavalcanti acredita que a política antidrogas no Brasil é uma das principais causas pelo aumento da população carcerária no país. “A ‘guerra às drogas’, apesar de não diminuir o número crescente de usuários, o que se compreende como o seu fracasso (em relação à função oficialmente declarada), está sendo exitosa no aprisionamento de milhares de brasileiros (sua real função)”, acentua o estudioso.
Gênesis Cavalcanti ressalta que há um enfoque político atribuído ao tráfico de drogas, ilustrando-o como um mal que se espalha pelas comunidades e que aumenta o número de ações criminosas.
“Isso forja o traficante como o maior inimigo da sociedade: um ser violento, armado e cruel. A esmagadora maioria das pessoas presas por tráfico de drogas é formada por jovens negros, desarmados, com pequenas quantidades e que atuam como varejistas, extremamente vulneráveis à repressão policial”, reforça o pesquisador.
Enquanto houver a criminalização, não será possível a concretização das políticas de saúde pública para combater o vício em entorpecentes, “seja porque o proibicionismo acarreta a falta, ou a dificuldade, de informação sobre as substâncias, seus efeitos e como se dá seu consumo, seja porque seus usuários ainda continuam sendo criminalizados (apesar de não penalizados)”.
O pesquisador acredita ainda que descriminalizar o uso de drogas é algo urgente. "Não se trata de estimular o consumo de substâncias, nem desconsiderar a dependência de determinados tóxicos, sejam os legalizados ou não. O proibicionismo é, em verdade, uma decisão política que se mantém pelo fato de ser financeiramente interessante para a classe dominante”, arremata ele.
Edição de Redação-Bdf PB sobre texto de Jonas Lucas Vieira | Ascom/UFPB