Aceitei o convite do Brasil de Fato Paraíba para fazer um breve relato da situação que estamos vivenciando aqui na Itália nos últimos dias. Eu me chamo Hermano Cavalcanti Leite Filho, tenho 24 anos, sou natural de João Pessoa e sou estudante do 8º período do curso de Relações Internacionais na UFPB.
Atualmente, estou realizando um intercâmbio estudantil na "Università degli studi di Roma Tor Vergata", cursando o curso de Global Governance. Fui o responsável pela elaboração do texto, junto comigo, minha namorada, Mirelle Lages Lucena, 23 anos, natural de São Luís do Maranhão, que também é da mesma universidade e faz o mesmo processo de intercâmbio.
Quem quiser conferir mais imagens e vídeos sobre o relato a seguir, pode ir no meu instagram @hermano_cavalcanti que lá tem mais fotos e vídeos da quarentena.
Em quarentena há dezenove dias, pude escolher entre ficar no país mais afetado pelo maior surto global, que a nossa geração já viveu, ou voltar para o Brasil e viver a vida normalmente enquanto espero passar essa "gripezinha", que chamam de Coronavírus. Preciso dizer qual das opções escolhi?
A Itália em meio à crise
A situação dramática pela qual a Itália passa nesse momento envolve uma série de fatores, e hoje podemos ver as consequências da falta de medidas preventivas que deveriam ser tomadas no momento certo.
No início da epidemia, a Itália driblou o isolamento social, na tentativa de não desacelerar sua economia. Enquanto alguns prefeitos e governadores buscavam tomar medidas de prevenção ao vírus, o premiê italiano, Giuseppe Conte, dava declarações na tentativa de amenizar a crise já em andamento.
Mas essa posição teve que ser abandonada, quando viu-se aumentar o número de óbitos dia após dia.
Um relato pessoal
No final de fevereiro, acompanhamos os números de casos nos noticiários. Parecia ser uma realidade distante pelo fato de estarmos em Roma, na região de Lazio, mais ao centro da Itália, longe da região mais afetada pelo vírus, a Lombardia, que fica ao norte do país.
Até então, as preocupações eram poucas e a cidade eterna continuava vivendo normalmente. Haviam recomendações para evitar aglomerações, e alguns locais públicos começaram a encerrar suas atividades antes do previsto, mas nada alarmante.
Ainda em fevereiro, nas farmácias já haviam cartazes que em letras grandes diziam "Acabaram as máscaras e o álcool em gel", e os produtos de limpeza começaram a reduzir timidamente suas quantidades nas prateleiras dos supermercados, comprados por aqueles mais prevenidos. Depois de muita procura, conseguimos encontrar, em uma perfumaria, dois minúsculos potes de álcool em gel, contendo humildes 30ml, no qual pagamos € 3,00 cada.
Em uma tarde de segunda-feira, nos reunimos com alguns amigos e fomos conhecer alguns lugares no centro histórico de Roma. Fomos a Fontana di Trevi, a Piazza di Spagna e ao Colossseum. Parecia ser um dia normal, quando vimos diminuir subitamente o número de pessoas nas ruas. Eram 8h da noite, e a Via Del Corso, uma das ruas mais famosas da cidade, encontrava-se completamente vazia.
Não era a Roma de antes
Ao chegarmos em casa entendemos o porquê. O premiê italiano, Giuseppe Conte, acabara de emitir um pronunciamento, ampliando a área de quarentena, que antes se concentrava na região da Lombardia, agora para toda Itália. As medidas prevêem restrições de movimentação de pessoas, e do funcionamento de estabelecimentos, serviços essenciais, como supermercados, hospitais e farmácias, por exemplo. As multas por desobediência das medidas da quarentena chegam até € 206,00 e em alguns casos podem levar à prisão. Não sabíamos o que esperar diante da situação.
No dia seguinte, fomos ao supermercado para garantir alimentos para os próximos dias. Algumas pessoas na fila esperando suas vezes de entrarem no estabelecimento, devido ao limite no número de pessoas dentro do supermercado como medida de precaução. Todos respeitando ao menos um metro de distância um do outro, alguns usavam máscaras e luvas, alguns aparentavam estarem mais preocupados, enquanto outros pareciam céticos com a situação.
Os italianos, em geral, se mostraram solidários diante da situação, cumprindo em grande medida o que recomenda a quarentena. Durante os primeiros dias do confinamento, pontualmente às 18h íamos para nossa varanda, sem entender muito bem do que se tratava, para ver os italianos manifestando suas estadias em casa.
Nas ruas o silêncio prevalece. Algumas poucas pessoas caminhando com seus cachorros, os supermercados com as filas de sempre, e a certeza de que ficará tudo bem e de que iremos superar isso.
E assim vem sendo o nosso dia-a-dia, indo ao supermercado uma vez na semana, acompanhando as notícias para nos mantermos informados da situação, acessando as redes sociais para manter contato com amigos e familiares, e assistindo às aulas online da universidade, que continuam seguindo o cronograma.
O que o Brasil pode aprender com tudo isso?
O Brasil está tendo o privilégio de aprender com a experiência italiana do que não fazer diante do enfrentamento ao vírus, mas está se mostrando um péssimo aluno. Subestimar a pandemia, e criar um contexto de polarização entre os níveis de governo e as autoridades competentes estão indo de encontro do que deveria ser um cenário coeso para a formulação de estratégias nacionais de combate à pandemia.
Apesar do triste cenário atual, o caso italiano demonstrou a capacidade do governo para implementar medidas de contenção, embora tarde demais, e evidenciou a pronta-resposta da sociedade em meio à crise e incertezas. O que vemos no Brasil é um incentivo socialmente irresponsável por parte do Presidente da República, que constantemente encoraja a população brasileira a retornar às atividades normalmente.
Embora o índice de mortalidade do vírus seja baixo, um grande número de infectados põe em xeque a estrutura e competência dos sistemas públicos de saúde para atender a demanda de pacientes. Reconhecendo a realidade do sistema público de saúde brasileiro, o desafio será imenso.
Enquanto que na Itália as crianças desenham mensagens como "ficará tudo bem" e estendem em suas janelas, no Brasil, as fake news circulam sem filtro nas redes sociais. Enquanto que na Itália, o inimigo é invisível e não escolhe suas vítimas, no Brasil…
Para mim, a letra do artista brasileiro Criolo nunca fez tanto sentido quanto agora, onde ele diz: "mudar o mundo do sofá da sala, postar no insta...", pois durante o isolamento em casa, tudo que consigo fazer no momento é compartilhar as impressões e experiências vivenciadas em um país arrasado por tudo isso.
*Relato feito por Hermano Cavalcanti Leite Filho e Mirelle Lages Lucena.
Edição: Heloisa de Sousa