A pandemia mundial de covid19 tem assumido centralidade nas agendas governamentais, na grande mídia e na economia, mas também nos espaços de trabalho, nas comunidades e na sociedade em geral, por mais que variem as perspectivas. Tem gerado debates diversos, até mesmo antagônicos, acerca do isolamento social, do papel do Estado, do direito a políticas de garantias de renda mínima, da importância do Sistema Único de Saúde, da ciência e das universidades, especialmente as públicas. Posicionamentos sobre alguns grupos sociais, tipificado como vulneráveis, têm pautado a relação entre o coronavírus e a proteção social no campo da saúde: pessoas envelhecidas, diabéticas, gestantes, com quadro ou histórico de doenças respiratórias ou outras comorbidades. Em alguns momentos, a questão etária e das possíveis vulnerabilidades são indicativos para definição das modalidades de isolamento social a serem adotadas, quer seja isolamento vertical (para um determinado grupo, como pessoas idosas) ou horizontal (sem especificação de grupos e destinado a todos).
Um segmento invisível aos olhos da sociedade e que exige atenção nesta pandemia é o das pessoas encarceradas: homens e mulheres em privação de liberdade, seja cumprindo pena ou aguardando sentença judicial. No país, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, um total de 748.009 pessoas formam a população carcerária (dez/2019), estando quase a metade em regime fechado. Há, segundo dados do Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen – dez/2019), um “déficit” de 312.925 vagas no Brasil no sistema carcerário. Isso revela um amontoado de pessoas vivendo em locais em sua maioria precários, insalubres, expostos a uma série de riscos, especialmente em termos de saúde. E obviamente não será a construção de mais presídios que resolverá a questão carcerária no país.
Apesar da Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentar uma série de ações para evitar e prevenir a proliferação da covid19 no sistema carcerário brasileiro, a exemplo da reavaliação de prisões provisórias ou a concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto ou aplicação de pena de prisão domiciliar para determinadas situações, a realidade de lotação das unidades prisionais tende a favorecer a proliferação do vírus. Inclusive, a Lei de Execução Penal (7.210/1984) garante o direito à assistência à saúde à população carcerária, seja preventiva ou curativa. Há carências, por exemplo, de recursos humanos na área de saúde ou no acesso a medicamentos e itens de higiene. Além disso, servidores da Justiça, advogados, trabalhadores de unidades penitenciárias e visitantes também podem se expor ao vírus. Dados do Infopen de 2017 revelaram que apenas 66,7% das pessoas presas se encontram em unidade prisional com estrutura de atendimento à saúde. Isso revela grande desafio ao combate ao coronavírus.
Na Paraíba, a realidade também é preocupante. O Estado tinha, conforme os dados do Infopen de 2017, uma população carcerária de 12.124 pessoas para 7.892 vagas em 80 tipos de estabelecimentos penais – o que revela uma superlotação das estruturas. Ainda, 4.636 dessas pessoas estavam aprisionadas sem condenação. Ocupava o 16º lugar em massa aprisionada no país e o 4º no Nordeste, atrás de Pernambuco, Ceará e Bahia. Apenas 61,75% dessa população estava em unidades prisionais com acesso a estruturas e serviços de saúde.
Entidades de direitos humanos, da criminologia crítica e de movimentos antipunitivistas têm exigido ao Ministério da Justiça o cumprimento da recomendação do CNJ como estratégia de minorar os impactos da pandemia nas estruturas carcerárias. A adoção destas medidas garante não somente o direito à saúde, mas identificar, notificar e tratar os casos de covid19 das pessoas encarceradas.
Para além da prevenção e do tratamento, a garantia dos direitos sociais e humanos e da vida desta população se torna primordial como intervenção imediata; e o desencarceramento como medida estratégica necessária cujo horizonte deve ser a responsabilização para construção de novas formas de lidar com a questão criminal.
* Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Professor do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Coordenou o Projeto de Extensão “Assistência Jurídica e Acompanhamento Sociofamiliar aos Apenados da Colônia Penal Agrícola de Sousa-PB” (2017-2019). E-mail: [email protected]
Edição: Heloisa de Sousa