“Eu vou pegar minha viola / Eu sou um negro cantador / A negra canta, deita e rola / É na senzala do senhor / Vou toca fogo no engenho meu pai / Aonde o negro apanhou / Mas canta aí, negro Nagô”
A música chama-se Quilombo Axé, de autoria do Mestre Zumbi Bahia e lindamente cantada pelo Afoxé Oyá Alaxé (PE). Forte e arrebatadora, a letra convoca à resistência e conscientização da negritude sobre o seu papel na sociedade pós abolição. Quase um hino, a canção afirma, no final, que “13 de Maio não é dia de negro”. Conversamos com alguns/as artistas paraibanas/os, que têm uma produção no contexto da questão racial para saber por que a data não é comemorada pelos negros e negras do país.
Escurinho - músico e ator - "Em se tratando do dia 13 de Maio, um dia para se comemorar a libertação dos escravos, eu gostaria de dizer que, como homem preto, descendente de africano, descendente de um povo que foi escravizado, não tenho nada a comemorar. A escravidão, a gente sabe que foi um crime; os estados que usaram desse crime para explorar a humanidade, para construir suas riquezas nunca repararam esse mal, e quando eles trataram de libertar os escravos, cometeram outro crime porque colocaram na rua pessoas sem condições nenhuma, pessoas que trabalharam a vida inteira para enricá-los, mas sem direito trabalhista nenhum, sem direito à moradia, saúde, segurança e uma vida digna, e resultou nisso aí, uma sociedade desigual. Então não temos nada o que comemorar no 13 de Maio".
Nathalia Bellar - cantora e compositora - "O Dia 13 de Maio não é dia de negro porque, apesar de passados mais de 130 anos da abolição da escravidão no Brasil, essa é uma chaga que permanece aberta no coração da humanidade até hoje. Afinal, será que os nossos negros realmente são livres? Apesar de esse decreto ter sido assinado há tantos anos atrás, é preciso lembrar que são mais de 300 anos anos de vidas ceifadas. E esses mesmos negros que foram libertos não tiveram direitos básicos à moradia, à educação, à alimentação, e ficaram à mercê da marginalidade, como são e estão até hoje, dentro das piores estatísticas, as mais assombrosas do nosso país. A luta por essa liberdade, portanto, continua."
Elon - músico e compositor - "Dia 13 de Maio, dia da abolição da escravatura, não é dia de preto porque, na real, todos os dias são dias de pretos. Dias de luta constante que corre no sangue brasileiro. 132 anos depois, ainda nos recuperamos de um processo traumático de quase 400 anos em que os negros foram arrancados de sua terra, nas condições sub-humanas dos navios negreiros, para servirem ao trabalho escravo no Brasil. A Princesa Isabel não foi a salvadora da história, nem o mercado que pressionava o mundo na época. A liberdade negra só foi alcançada graças a muitos movimentos de resistência que estouraram no Brasil de Zumbi, Dandara, Ganga Zumba, e ainda explode no Brasil de Marielles e Amarildos. Viva os negros, viva as negras e viva o povo brasileiro!"
Acilino Madeira - poeta e compositor - "O 13 de Maio não é o Dia do Negro porque o Dia do Negro é 20 de Novembro, Dia da consciência Negra. Existem várias pistas e caminhos que nos levam a pensar e repensar que a escravidão no Brasil ainda permeia a sociedade. Basta você compreender pelo viés da literatura, e aí você tem Machado de Assis, Rodolfo Teófilo, Joaquim Nabuco, e por último, Eliana Alves Cruz, quando escreve o livro Água de Barrela, recentemente, agora em 2018, uma escritora carioca da mais fina literatura vai dizer que essa escravidão, ainda hoje, permeia a sociedade brasileira. Os movimentos novos e velhos, movimentos sociais, sempre disseram isso. E se que você quiser saber a chaga desta escravidão, do sofrimento do povo negro, basta você ver o que está acontecendo agora com pandemia da Covid-19, que veio justamente para desvelar, de uma forma perversa, o que acontece com as populações menos favorecidas do Brasil, que na verdade são populações negras."
Dandara Alves- cantora, compositora e sambista - "A abolição aconteceu nessa data só no papel porque o povo escravo não foi recolocado na sociedade e inserido de uma maneira justa, e a prova disso é que até hoje o povo negro tem seus direitos negados, é violentado e falta acesso aos direitos básicos para essa população. O dia 13 é uma data para a gente repensar o que poderia ter sido feito e que até hoje não foi feito, e como a gente pode, hoje, procurar modos de remediar essa chaga, porque não há outro meio para que a equidade exista. A gente se depara com figuras dizendo que não tem que ter cota. Poxa, tu quer dizer para uma pessoa negra o que é justiça racial? E, morando no Rio de Janeiro, vendo a diferença gritante do povo do asfalto com o povo da favela, que em sua imensa e esmagadora maioria, é negro, que são descendentes de outros negros, que foram empurrados para essas favelas por falta de opção que essa abolição trouxe. Falar de abolição e de anistia são dois folclores sociais e culturais brasileiros."
Adelyah Gomes - instrutora de dança afro - "13 de Maio não é dia de negra, não é dia de negro porque a lei que foi assinada no ano de 1888, que oficialmente extinguiu a escravidão no Brasil, não se efetivou de fato. Ela se eximiu de incluir socialmente e economicamente as negras e negros, deixando-os à margem e à própria sorte. A Lei Áurea só existiu no papel. Não foi assinada por vontade ou por bondade de Isabel, mas porque já existia uma organização de movimentos do povo negro; já existiam rebeliões nas senzalas. A formação dos quilombos, as revoltas, como a revolta dos Mlês, a Balaiada, a Sabinada. As negras e negros já protagonizavam essa luta e essa resistência contra a escravidão. Então 13 de maio é uma data para a gente denunciar esse racismo que persiste em nossa sociedade, e ela nos serve para relembrar que é preciso continuar lutando pela inclusão social e econômica nesse país, que hoje concentra o maior número de população negra fora do continente africano."
Ceceu Mc - músico, rapper - "Rapaziada, falar do dia 13 de Maio, o dia da consciência negra é para eles, porque para nós, não é não, mano. A gente sabe muito bem que foi jogada política e o dia 13 de maio, uma grande farsa. Eles dizem que nós somos inclusos na sociedade, mas esse 13 de maio foi só uma forma que eles encontraram pra esconder um racismo que está enraizado nesse povo, pra esconder as atrocidades feitas com o nosso povo, para esconder o maior sequestro da história de África. Se você for comparar o que aconteceu no passado com o que acontece hoje, é a mesma coisa, só que de uma forma um pouco distorcida. A maior população presa nas cadeias é negra. Dentro da favela hoje, quem mais morre, é o povo negroo. Porque o policial confundiu um simples guarda-chuva com fuzil. E o padrão de beleza imposto pela sociedade é a branquinha do cabelo liso, cabelo bom. O preto do cabelo crespo é o negro do cabelo ruim, do beiço de mula. Porque o nosso é o ruim, e o deles é o bom. Porque o Candomblé hoje é uma coisa do diabo, é uma coisa maligna. Eles dizem que é o mal porque é cultura negra, mano, porque é uma coisa que está enraizada no nosso povo, tá ligado? Nunca aconteceu a inclusão, mano. Nunca aconteceu a abolição, ainda sofremos racismo, ainda somos tirados, ainda somos vistos com muito preconceito. Zumbi vive, e esse dia 13 é somente uma mentira, uma farsa, uma jogada política."
Fernanda Ferreira - atriz - "Dizer que o 13 de Maio não é dia de negro não quer dizer que não seja um dia das pessoas negras não se orgulharem da sua luta, sua história e ancestralidade, porque a liberdade veio para o nosso povo por nossas próprias mãos. A historiografia mais atual, brasileira, já reconhece que quando houve a abolição jurídica em 1888, a maioria da população negra no Brasil já era alforriada ou já vivia por suas próprias custas. E o 13 de Maio representa o dia em que a luta de milhares de pessoas negras, dos quilombos e cidades, fizeram com que um sistema, altamente rentável para a população branca, para as elites brancas deste país, tiveram de se curvar e aceitar a abolição jurídica. Então o 13 de Maio só aconteceu porque milhões de pretas e pretos se organizaram, cada um à sua forma, para sobreviver e resistir a um sistema que desumanizava, seviciava e humilhava esse povo."
Edição: Heloisa de Sousa