Paraíba

Coluna

A Árvore da Violência

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"Deve-se evitar cair na armadilha do 'bandido bom é bandido morto' " - Charge: Latuff e D'Incao
O mundo não é um filme de mocinhos e bandidos

Marielle Franco não defendia bandido. Marcelo Freixo não defende bandido. O PSOL, o PT, o PDT não defendem bandido. Quem defende os Direitos Humanos não defende bandido. As esquerdas não defendem bandido. Ocorre que há dois modos de enxergar a violência urbana:

1) A primeira afirma que o problema é do indivíduo. O bandido nasce como tal, algo determinístico e imutável. Por alguma razão metafísica, sobrenatural, saberá Deus, aquela pessoa está fadada a ser um delinquente, um marginal. Essa pessoa, supostamente, representa o mal e, como "nós" somos o bem, convém eliminá-lo. Bandido bom é bandido morto. Note-se que esta visão se parece um pouco com as histórias de super-heróis.

2) A segunda interpretação defende que o problema da violência urbana é social, não individual. É um problema coletivo. Segundo essa perspectiva, a violência urbana tem raízes na realidade social em que se vive. Nenhum ser humano nasce mau (aliás, por que Deus colocaria no mundo um ser-humano mau?). De acordo com essa corrente, o problema da violência urbana diminuiria se se atacassem as causas sociais da bandidagem. E as origens da bandidagem são, basicamente, a desigualdade e a injustiça sociais. Seis pessoas (pessoas, não estados, não empresas) detêm o mesmo patrimônio que metade da população do Brasil (mais de cem milhões de pessoas). Se nós fossemos capazes de construir uma sociedade mais justa, por meio de políticas públicas (coletivas, portanto) inteligentes e eficazes, a violência urbana diminuiria automaticamente. Os "bandidos" nem pensariam em ser bandidos.

Partamos para a metáfora clássica. Imaginemos que a violência urbana seja uma árvore. A violência urbana é algo que nós não queremos, de modo que nós temos que acabar com essa árvore. Qual seria a melhor maneira de acabar com essa árvore?

1) Cortando suas folhas e galhos o máximo que puder.

2) Cortando as suas RAÍZES.

Não adianta podar, a árvore não vai morrer assim. O mal tem que ser eliminado pela raiz. É só isso o que dizem os defendem os Direitos Humanos e a maior parte da esquerda. Trata-se somente de defender a segunda opção como combate à violência urbana. Deve-se evitar cair na armadilha do “bandido bom é bandido morto” e, pior ainda, “quem defende bandido também o é”. Ao contrário do que quer crer a indústria cultural norte-americana, o mundo não é um filme de mocinhos e bandidos. É um intrincado e complexo sistema de relações humanas que exige soluções inteligentes e não-simplistas.

Não há vencedores na guerra entre mocinhos e bandidos à qual frequentemente se tenta reduzir o problema da violência urbana. Somos todos perdedores no meio de uma guerra insana onde o verdadeiro vilão não é nenhum lado nem outro. Somos todos vítimas de um sistema injusto e desumano. Como disse Marcelo Yuka em seu verso genial, nessa guerra, também morre quem atira.

*Mozart Grisi Correia Pontes é diplomata.

 

As opiniões expressadas pelo autor não necessariamente coincidem com a posição do Ministério das Relações Exteriores.

Edição: Heloisa de Sousa