A integridade do ecossistema diz muito sobre a saúde e o desenvolvimento humano, e vice-versa. As mudanças ambientais provocadas pela humanidade têm modificado a vida selvagem favorecendo o surgimento de hospedeiros, vetores e patógenos.
Especialistas dizem que o surgimento de zoonoses é o resultado diretos das transformações do meio ambiente, principalmente os desmatamentos que causam mudanças climáticas; os morcegos, por exemplo, perdem o habitat natural por conta do desmatamento e da expansão agrícola e entram em contato com outras espécies, resultando em mutações.
Conversamos com Marco Vidal que é biólogo e especialista em Conservação da Biodiversidade, além de Analista Ambiental do IBAMA. Ele fala sobre a consciência ecológica doméstica em tempos de pandemia, e analisa as reações da natureza frente à interferência humana no planeta.
Brasil de Fato: Por que essa pandemia apareceu neste momento histórico do mundo?
Marco Vidal: No que diz respeito à pandemia, a humanidade tem tido uma relação muito agressiva com a natureza. Esse vírus veio de um ambiente natural para algum animal próximo do homem, lá na China. E ele passou por algum processo, provavelmente uma mutação, e apareceu uma variedade bastante agressiva que afeta a nós humanos, causando todo esse esse momento que gente está vivendo no planeta.
Esse vírus veio da China, mas ele não existe só lá. Ele também está aqui no Brasil; existe coronavírus na nossa forma silvestre e à medida que nós avançamos sobre os ecossistemas brasileiros, especialmente sobre a Amazônia, é possível que outras doenças desse tipo, potencialmente geradoras de pandemias, venham a nos afligir no futuro, e num futuro bem próximo.
As pessoas que estão em casa podem contribuir para um mundo ecologicamente melhor, ou seja, contribuir com o pensamento ecológico a partir de casa, a partir do ambiente doméstico?
M.V: Bom, nesse momento, especificamente, todo mundo está se adaptando a um novo tempo. A gente viu que temos que ter um cuidado diferenciado com as embalagens; acho fundamental que façamos a separação do lixo, do lixo orgânico como cascas e restos de comida, e alguma coisa que eventualmente a gente perca, e separar do lixo seco para facilitar a vida dos recicladores, porque eles são fundamentais, hoje em dia, para a nossa sociedade.
É uma pena que as empresas não cumpram o papel previsto em lei que é a logística reversa: se a empresa lucrou, ganhou dinheiro vendendo aquele produto dentro de uma caixa, dentro de uma garrafa plástica, ela tem de ser responsável, também, para que o resíduo da venda daquele produto não contamine o meio ambiente. Isso está previsto em lei, mas infelizmente não é cumprido. Mas se a gente fizer um trabalho direito de separação do lixo na nossa casa, a gente já vai estar fazendo um bom papel.
É muito importante também nesse momento que a gente pense na questão do descarte dos EPIs que estamos usando, que são máscaras e luvas. A gente também tem que ter muito cuidado no sentido não contaminar outras pessoas, como os catadores e os lixeiros que trabalham na Prefeitura Municipal ou os terceirizados.
E também com os funcionários de condomínio que tratam e manipulam o lixo. Então não custa nada uma máscara descartada ser colocada dentro de um saquinho, ou um aviso, ou mesmo isolada para que ninguém, eventualmente, venha a se contaminar.
Por que a gente deve fazer boas práticas em casa servindo de exemplo para crianças e adolescentes? É esse o método certo, a partir dos pais, que a consciência ecológica brota e se desenvolve?
M.V: É fundamental que a gente dê o exemplo em casa para os nossos filhos, não só na questão do trato com as questões ambientais, mas em tudo na vida: combater o racismo, gastos financeiros responsáveis, o cuidado que a gente tem que ter com o outro, com os irmãos humanos, e com as outras formas de vida do planeta.
Mas o que eu tenho visto atualmente, especialmente para as gerações mais velhas como a minha - eu tenho 56 anos - é que há muita criança que absorveu o conhecimento, ou em programas educativos ou na própria formação escolar, e faz os pais mudarem de comportamento em relação ao meio ambiente. É muito comum ver crianças falando para os pais, ‘pai não jogue lixo pela janela do carro, joga lixo no local adequado’. Então eu acho que eles podem aprender com a gente, através do nosso bom exemplo, mas também a gente pode aprender com com as crianças, com os jovens. Eles estão muito antenados com o que está acontecendo e eu acho que existe uma tomada de consciência de que o planeta é para eles.
Qual o futuro que a gente pode esperar após essa pandemia, o futuro que a gente gostaria que acontecesse no mundo? Será que as pessoas vão se conscientizar de que o planeta está cansado, está colapsando?
M.V: Realmente o planeta está colapsando. A gente já usa mais recursos naturais do que o planeta pode fornecer. Podemos ver isto claramente com a questão dos pescados. Cada vez mais tem menos peixe, camarão no mar tá ficando cada vez mais difícil. Os rios, então, nem se fala; tratamos muito mal a água, jogamos muitos resíduos, especialmente resíduos industriais, resíduos da mineração. O mundo pós pandemia ainda é uma incógnita. O que é certo é que bilhões de pessoas vão ficar à margem de um estado de bem-estar social que deveria ser para todos. Então eu acho que vai ser um tempo de muito exercício de tolerância; a gente vai ter que praticar muito a questão da solidariedade. As cidades, os municípios, têm um papel fundamental nisso. Vão ter que ser organizar na criação de moedas comunitárias locais onde possam trocar coisas básicas como iluminação pública, alimentos e acesso a saneamento básico por serviços, por trabalhos comunitários. O que está pintando por aí é um mundo que não precisa de sete ou oito bilhões de pessoas. Infelizmente lamentamos muito as mortes, mas figurativamente falando, parece que o mundo está dando uma sacudida para se livrar dos excessos.
Edição: Heloisa de Sousa