O setor cultural da Paraíba vem demonstrando profundo antagonismo frente ao comportamento da Secretaria de Cultura diante da pandemia. Os agentes culturais apontam morosidade, desorganização, apatia e arrogância como elementos presentes na relação entre o Secretário de Cultura, Damião Ramos, com a categoria.
A cultura foi o primeiro setor a parar na quarentena e será o último a sair, deixando a cadeia produtiva pauperizada e pedindo socorro.
Após grande mobilização e sensibilização de parlamentares, duas importantes leis foram aprovadas: a primeira, estadual, Lei Zabé da Loca, de autoria da deputada estadual Estela Bezerra (PSB) e Dep. Jeová Campos (PSB), levará a artistas, produtores e Casas de Cultura, auxílio emergencial no valor de R$ 600.
A outra é federal, Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, de autoria da Deputada Federal Benedita da Silva (PT-RJ), que irá investir 68 milhões de reais na Paraíba, exclusivamente para o setor da Cultura.
A Lei Aldir Blanc estabelece que, para acessar o benefício, é necessário o cadastramento dos trabalhadores da cultura (artistas, produtores e casas de cultura). Para isso já existe uma plataforma nacional disponível chamada Mapas Culturais. Implementada há cerca de seis anos, foi desenvolvida pelo Instituto Tim, na época, junto com o Ministério da Cultura, e é a principal base de informações e indicadores do Ministério da Cultura.
Na Paraíba a ferramenta encontra-se bastante desatualizada. A Secult já havia divulgado aos agentes culturais que este seria o mecanismo usado para que todos pudessem acessar o benefício.
Imediatamente os Fóruns (música, teatro, dança, audiovisual, etc) começaram uma campanha urgente de cadastro para que as pessoas não perdessem tempo. O Fórum de Cultura Popular, por exemplo, começou rapidamente a cadastrar os mestres, novos e antigos e os brincantes.
No entanto, no início desta semana (29/06), começou a circular a notícia de que a plataforma não seria mais utilizada. Alexandre Santos, do Fórum de Produtores e Observatório de Políticas Culturais conta a situação:
“Nós soubemos que a Secult não vai mais utilizar a plataforma Mapas Culturais e que a Codata está desenvolvendo uma nova plataforma, mas que ainda não está pronta. Tem uma intenção, tem uma primeira estrutura, pois a Secult provocou a Codata. Porém, outros estados já estão muito a frente, orientando municípios e com as ferramentas já desenvolvidas desde que perceberam que a lei seria sancionada. É um retrabalho que atrasa a Secult, os municípios e a própria sociedade civil".
A Lei Aldir Blanc prevê que tanto o Governo Estadual quantos os municípios possam utilizar suas próprias plataformas, seus cadastros estaduais ou cadastros municipais. No entanto, pela demora da Secult em apresentar planos, os municípios se adiantaram, e alguns já estão aplicando formulários. É o caso de Cabedelo, Bananeiras, Cajazeiras, Campina Grande, Maturéia e Conde.
A preocupação do setor é de que esses cadastros que estão sendo realizados de forma autônoma pelos municípios não tenham valor por não se adequarem à nova plataforma.
“É provável que não haja alinhamento com o cadastro estadual porque a Secult não orientou ninguém de como deveria ser. Então é possível que haja necessidade de retrabalho já que não tem alinhamento, e a Secult está comendo mosca”, afirma Alexandre.
Ele teme que a esta altura do campeonato, a nova plataforma venha para “zerar” o processo: “Isso pode gerar um descompasso, pode gerar um atraso no cadastramento”, conclui.
Segundo Dina Faria, produtora cultural, o governo está “correndo atrás” de fazer o cadastramento da cadeia produtiva sem ouvir o Conselho Estadual de Cultura, órgão consultivo e deliberativo da área.
“Já não se tem reunião desde o final do ano passado, o que é um descumprimento do Regimento Interno dado que as reuniões teriam que ser mensais. Não está sequer fazendo webconferências para ouvir o setor e os vários segmentos e saber qual a melhor forma de implementar a Lei Aldir Blanc. Não existe outra palavra, é uma vergonha essa atitude por parte do Governo do Estado porque não investe na cultura, mas mal ou bem, é a cultura que faz agora uma injeção de R$ 68 milhões em estado e municípios. Nunca antes na história isso aconteceu”.
Dina destaca que Damião Ramos, Secretário de Cultura, em conversa com Severino Bibiu, Conselheiro Estadual, alegou saber fazer tudo, que a equipe sabe fazer tudo, e ainda desligou o telefone de forma ríspida.
“Todos preocupados diante de um cenário em que os órgãos culturais seguem sem transparência, não passam segurança alguma de se planejam ou o que planejam, e se fecham para o diálogo até mesmo com as instâncias oficiais, como o Conselho”, relata Alexandre Santos.
Dina aproveita para destacar que há uma batalha antiga com o governo do estado com relação à aplicação dos recursos. “Estamos há cinco anos sem execução do FIC - Fundo de Incentivo à Cultura, além da aplicação de apenas R$ 3 milhões, quando deveriam ser R$ 15 milhões. A gente está falando de uma dívida histórica gigantesca nos últimos dez anos”.
Não é um setor pequeno
A Paraíba tem cerca de 8,54% (quase 334 mil paraibanos) da população empregada na área de Economia Criativa, sendo o 4º estado da federação com trabalhadores na área da cultura, porém é o penúltimo em termos de rendimento, o que demonstra uma defasagem na geração de renda no setor.
Segundo o Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil – Edição 2019, realizado pelo Firjan/Senai, em termos de participação relativa, Acre (16,1%) e Paraíba (15,6%) foram os estados com maior percentual de trabalhadores criativos atuando na área – mais do que o dobro da média nacional (7,7%).
“É muito triste quando a gente olha para os dados da cultura global e vê a cultura responsável por um crescimento do PIB muito acima da média internacional, inclusive, e demonstra que por parte do Estado não existe qualquer tipo de investimento no setor que poderia ser um dos setores de alavancagem econômica”, destaca Dina.
Dos R$ 68 milhões que virão da Lei Aldir Blanc, quase R$ 37 milhões vão para o Fundo de Incentivo à Cultura. “Nós queremos saber efetivamente como é que esse dinheiro vai ser implementado, como é que ele vai chegar, quando ele vai chegar na mão das pessoas que realmente estão necessitando, e os 20% que tem que ser atrelados a editais, que é cota mínima, que tem que ir para editais, chamadas públicas e prêmios, como é que o estado vai fazer essa operação porque é urgentíssimo que, neste momento, e considerando o volume de recursos que está vindo, que se façam editais pensando numa perspectiva futura e numa perspectiva de fomento e desenvolvimento do setor”, reitera ela.
A reportagem do Jornal Brasil de Fato Paraíba procurou o secretário Damião Ramos nos dois telefones disponibilizados por sua assessoria, mas ele não nos respondeu.
Edição: Cida Alves