Paraíba

ARTIGO

Vidas tão descartáveis quanto embalagens

Em tempos de uberização, a vida dos trabalhadores são tão descartáveis quanto as embalagens das comidas que entregam

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Reprodução - Foto

Sábado, quase meia noite e ouvi um grito vindo lá de fora. Intuição nunca falha, era a voz de minha mãe. Desci para ver o que tinha ocorrido e lá estavam ela e minha irmã, socorrendo um rapaz que levara uma queda de moto. Fui até lá ver o que tinha acontecido. O rapaz estirado no chão gemendo de dor, a pequena moto, a caixa da Ifood ao lado. Alguns amigos dele chegaram, o SAMU já tinha sido acionado. Mas... Quem era aquele rapaz? Um trabalhador de onde?

O lanche na caixa não vai essa noite encontrar com alguém que com certeza deve estar ansioso e pouco preocupado se o rapaz não irá porque caiu e quase perde a vida; a lanchonete não vai parar e amanhã uma placa de "procura-se entregador" logo será exibida; a empresa Ifood não vai indenizar o trabalhador porque afinal, entregadores não têm vínculo empregatício com a tão grande plataforma digital.

O entregador disse à minha irmã: "e não era carteira assinada, acabou meu emprego"... Talvez ele mesmo não saiba que não te "vínculo de trabalho", mas de uma coisa ele sabe: que é descartável, assim como sua vida o é diante desse grande monopólio que chega a todo mundo, mas não é emprego de ninguém.

Voltamos. Ele estava rodeado de amigos que irão lhe ajudar. Pagamos seu telefone para saber depois como ele está. Não pudemos fazer muito pelo rapaz, mas esperamos que logo ele esteja bem. Mas, no país da informalidade exacerbada e cada vez mais raro uma carteira assinada, a gente sabe pra onde ele será obrigado a voltar.


Foto: Reprodução

*Jéssica Juliana (Assistente Social) - Texto de 01/03/20, postado originalmente no Facebook, como reflexão sobre a realidade.
 

Edição: Cida Alves