"O ponto de partida de qualquer novo projeto alternativo de nação terá que ser, inevitavelmente, o aumento da participação e do poder do povo nos centros de decisão do país" - Celso Furtado
*Por Matheus Guimarães
Por que o Brasil é assim? Em 2020, essa pergunta tem incomodado (e até angustiado) todas as pessoas que se preocupam com o nosso país. Contudo, essa não é uma questão nova. Há várias gerações, inúmeros pensadores e pensadoras têm se mobilizado em torno dessa pergunta. Um deles foi um paraibano, nascido no sertão, na cidade de Pombal, há exatos cem anos. Celso Furtado. A partir de sua vivência, logo percebeu que uma das respostas para essa pergunta passava por compreender a desigualdade.
Ainda na juventude percebeu que o Brasil era marcado por uma profunda desigualdade social, em que alguns poucos concentravam riqueza e exibiam seus bens luxuosos, enquanto outros não tinham água para beber. Essa desigualdade também se expressava regionalmente, onde certas áreas se desenvolviam economicamente e outras não, obrigando inúmeros brasileiros a migrarem e se sentirem estrangeiros em seu próprio país, esperando um dia descansar feliz, como nos versos de Luiz Gonzaga.
Essa desigualdade não pode ser explicada de forma isolada. Furtado olhou para nossa história e percebeu que ela vinha de longe e também se dava do Brasil em relação ao mundo. Boa parte de nossa riqueza era produzida por trabalhadores e trabalhadoras, mas não ficava aqui. O povo brasileiro não se beneficiava disso. Nosso país e nosso povo serviam para gerar riqueza para outros. O mesmo também acontecia na América Latina. Ao elaborar seu pensamento, Celso Furtado se tornou um dos pensadores mais influentes e respeitados no Brasil e no mundo.
Mas não adiantava apenas compreender o Brasil. Era necessário transformá-lo. Quase toda sua vida foi dedicada aos estudos e à política, assumindo importantes cargos no Brasil e no mundo, pensando instituições e políticas públicas que permitissem a redução de nossas desigualdades e pobreza, transformando o Brasil em um país desenvolvido e autônomo voltado para o seu povo. Para Celso Furtado, era fundamental combater a desigualdade e desenvolver o nosso país. A democracia era o principal caminho, com a participação popular nos destinos da nação.
Na verdade, são coisas inseparáveis: desenvolver o Brasil, distribuir nossa riqueza e fazer o povo participar ativamente das decisões de nosso país. O povo brasileiro tem direito a viver dignamente, com emprego, renda, saúde, educação. Isso fará o Brasil se desenvolver.
Exatamente por isso ele foi um dos primeiros a ser cassados pela ditadura militar que se estabeleceu no Brasil em 1964 e que construiu uma política oposta ao que defendia Celso Furtado, concentrando renda e excluindo o povo, além de aprofundar as desigualdades regionais.
Em julho de 2020, Celso Furtado completaria cem anos. Continuamos convivendo com os fantasmas do autoritarismo, da desigualdade e pobreza extremas. Mas temos os livros de Celso Furtado. Sua obra nunca esteve tão atual. Ler seus escritos nos ajuda a compreender nosso país e o mundo.
Devemos compreender o Brasil para transformá-lo em um lugar mais justo, igualitário, onde o povo tenha o direito de viver em paz. No seu centenário, Celso Furtado permanece vivo em suas ideias, na potência esperançosa de construção de um país melhor e no exemplo de uma vida dedicada ao povo brasileiro.
Edição: Cida Alves