Paraíba

Coluna

Memória de Mulheres afro-diaspóricas: o encontro Nacional de Mulheres Negras

Delegação Paraibana no Encontro Nacional das Mulheres Negras – 30 Anos, ocorrido em Goiás, 2018, Brasil. - Acervo: MMN PB, 2018
23 de agosto [...] Dia Internacional para Relembrar o Tráfico de Escravos e sua Abolição

Memória de Mulheres afro-diaspóricas: o encontro Nacional de Mulheres Negras 30 Anos e o arvoredo pelo Bem Viver

 

Por Maria Luzitana Santos (Luz Santos)*

 

Um meio ambiente com vasta exuberância de flora e fauna são características históricas do território brasileiro, tanto quanto milhares de corpos sequestrados de África contracenando com a redutibilidade da cultura indígena. Último país a abolir oficialmente a escravidão, no Brasil a corporalidade negra ainda convive com uma noção de democracia e humanidade que, no contexto do neoliberalismo/colonialidade, nega condições equânimes de cidadania e atuação às mulheres negras como “sujeitas” históricas.

Esse contexto gera distanciamento dos corpos negros às esferas de alta decisão e promove, por exemplo, iniquidades quanto ao acesso e permanência às políticas educacionais. Tal cenário reitera a significação do dia 23 de agosto como marco histórico o Dia Internacional para Relembrar o Tráfico de Escravos e sua Abolição, data instituída pela UNESCO ao fazer menção à diversidade das memórias, culturas e representações. As memórias brevemente narradas a seguir encontram fundamento nos discursos acadêmicos de Sueli Carneiro, no que se refere ao debate sobre condições para manutenção de pessoas escravizadas, o que municia nosso olhar para a luta de mulheres Afro-diaspóricas.

Dado o período de crise sanitária e pandemia causada pelo COVID-19, em recente Live promovida pela Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), as “difusas” palavras de Nilma Bentes – uma das idealizadoras da Marcha das Mulheres Negras - rememoraram o I Encontro das Mulheres Negras Brasileiras reforçando o significado ancestral das palavras de Jurema Werneck – nossos passos vêm de longe! Decorridos mais de 30 anos, o encontro ocorrido em 1988 figura como uma árvore cujas raízes se espraiam. A despeito da invisibilidade de gênero, do racismo e do genocídio, no decorrer desse período, como raízes mulheres negras têm protagonizado ações políticas em todo território latino americano e caribenho. Em 2015, estas raízes protagonizaram a Marcha das Mulheres Negras – contra o racismo e a violência e pelo Bem Viver.

Das diversificadas ações que essas fortes raízes têm protagonizado, a chegada ao Encontro Nacional das Mulheres Negras – 30 Anos chancelou o ano de 2018. Cerca de mil mulheres negras reuniram-se em Goiás e legaram memória ao ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, nos limites da Lei 10.639/2003 e 11.645/2008, elementos para uma Educação Antirracista.

Na Paraíba, raízes como o Fórum Paraibano de Juventude Negra (FOJUNE), a Articulação de Negras Jovens Feministas (ANJF), a Bamidelê – Organização de Mulheres Negras na Paraíba, Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba, Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria, Organizações Comunitárias, representação da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), articuladas à Rede de Mulheres Negras do Nordeste construíram e organizaram a Agenda Afro-Feminista com atividades ampliadas que fortaleceu e levou o Movimento de Mulheres Negras na Paraíba (MMN PB) ao Encontro Nacional das Mulheres Negras – 30 Anos 2018. A agenda contou também com a participação e organização de outras entidades como: Mulheres Negras Quilombolas, Cunhã Coletivo Feminista, Instituto Elizabete Teixeira, Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e Mulheres de partidos políticos (PT, PSB, Rede, PMN), dentre outras organizações.

Da Agenda Afro-Feminista é importante destacar: Plenária de adesão Paraibana; Assembleias; inúmeras reuniões; Cortejo - denúncia, poesia e força no centro de João Pessoa; Cine Afro-Feminista; Shows; Ayeye Dudu – 20ª Edição do 25 de Julho na Paraíba  – integrado ao “Julho das Pretas”, idealizado pelo Odara – Instituto de Mulher Negra da Bahia. Este evento contou com Feira Preta, atividades para crianças, Aula Pública de História; atividades artísticas; Ciranda com Mulheres de Caiana dos Crioulos e o Lançamento oficial do Encontro Nacional de Mulheres Negras + 30 Anos seguido da Conferência: Branquitude e Mulheres Negras, proferida pela intelectual negra Aparecida Bento (CEERT-SP); II Encontro Estadual de Mulheres Negras na Paraíba com Feira Preta e Encontro de Mulheres Negras do Nordeste ocorrido em Recife/PE foram algumas das ações organizadas e co-organizadas por mulheres negras na Paraíba em suas subjetividades – trabalhadoras domésticas, periféricas, donas de casa, desempregadas, micro empreendedoras, sindicalistas, capoeiristas, mulheres negras na política, lésbicas, trans, professoras, estudantes, pesquisadoras, da saúde, da cultura, influenciadoras digitais, comunicólogas, artistas, arte-educadoras, de terreiro, quilombolas, ativistas, da cidade e do campo, dentre tantas.


Ayeye Dudu – 20ª Edição do 25 de Julho de 2018. / Acervo: MMN PB, 2018.


20ª Edição do 25 de Julho de 2018. / Acervo: MMN PB, 2018.

 

O Bem Viver e práticas de irmandade constituíram o tronco arbóreo massivo do Movimento de Mulheres Negras da Paraíba para articulações políticas, no desafio ao patriarcado e ao neofascismo, na afirmação cultural e da negritude, na ocupação de espaços, no enfrentamento ao racismo das violências. Nossa trajetória provoca, afronta e inspirou a delegação que representou o MMN PB no Encontro Nacional das Mulheres Negras – 30 Anos.

Em meio às zonas áridas e estações secas marcadas pelas desigualdades econômicas, sociais das políticas neoliberais, muitas são as jovens folhas que têm sido arrancadas desse frondoso arvoredo seja pelo genocídio ou pelo Feminicídio imbricados ao racismo estrutural. Na transcendência do espaço-tempo, o Movimento de Mulheres Negras na Paraíba, em consonância com mulheres negras no Nordeste, integram esse arvoredo com alcance em redes latino-americanas e no Caribe. O sombreiro desta árvore se estende para toda a sociedade na encruzilha em que operam o avanço do neofascismo e a economia de mercado contrária às vidas de grupos hipossuficientes – crianças, mulheres, homens negros e indígenas. As fortes raízes de nossas lutas nos levaram ao Encontro Nacional das Mulheres Negras – 30 Anos 2018. Espaço para reafirmação da agência na riqueza dos nossos afetos, a partir das diferenças que nos constitui mulheres negras.

Guiadas pela ancestralidade, Mulheres Negras Paraibanas fortalecem o tronco da existência. Práticas de autocuidado, compartilhamento de saberes e a reflexão em cada processo fundamentam a disposição para a luta. Lutamos pelo direito dos nossos filhos/as andarem livremente, pelo fim do genocídio da população negra, pela autonomia e respeito dos nossos corpos, pelo reconhecimento e valorização profissional, pelo trabalho com dignidade, por nossa irmandade, pelo direito de ocuparmos espaços sociais e políticos de poder, pelo fortalecimento de nossas ações coletivas orientadas pelo Bem Viver.

Em Pretuguês, Mulheres Negras Paraibanas legam à sociedade brasileira um enorme sombreiro que se traduz, por exemplo, em denúncias baseadas no Estatuto da Igualdade Racial, no monitoramento de políticas de ações afirmativas e em práticas de Educação Antirracista. Em rede constituímos um grande baobá político cuja reflexão se faz a partir da própria Marcha, estruturada em fortes raízes que se espraiam pelo Bem Viver bradando que #VidasNegrasImportam.

 

*Professora Adjunta do Departamento do Centro de Ciências Aplicadas e Educação UFPB/CCAE/DCSA, ativista no movimento de mulheres negras na Paraíba, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiros e Indígenas / NEABI-CCHLA / UFPB e Doutoranda em Educação pela UFRGS.

Edição: Maria Franco