A Devastadora Trajetória de Bolsonaro Como Governante Ganha Um Formato Teatral No Novo Livro-Peça de Ikaro Maxx: BozzonarUbu
Conheça, nesta entrevista, esta sátira distópica hiper-realista, excêntrica, cômica e crítica, que retrata o cenário político brasileiro dos últimos anos de maneira ironicamente fiel: como um grande espetáculo de teatro.
Enquanto o ultra-conservadorismo de direita avança em suas ofensivas contra as artes, a cultura e a educação de nosso país, artistas independentes lutam para manter a inspiração artística viva e utilizam suas obras como armas antifascistas.
Foi essa a empreitada mais recente de Ikaro Maxx, filósofo, escritor, editor e idealizador da editora provokeATIVA, lançou no dia 26 de junho desse ano o livro BozzonarUbu, confira a entrevista concedida ao Brasil de Fato PB:
Brasil de Fato PB: Se pudesses adentrar a história de seu próprio livro enquanto protagonista, tal como o fez o garoto Bastian na “História Sem Fim” de Michael Ende, o que farias para mudar a situação do “Plazil”?
Ikaro Max: Bem, creio que essa talvez fosse uma questão irrespondível ou, no caso, a peça teria sido escrita de outra maneira. Por que digo isso? Bem, quando você acessa o texto você percebe que o formato dos diálogos, bem como os conteúdos e dinâmicas internas, fazem referência a uma formatação fechada, de solidez e sordidez fascistóides. (E tudo o que vou falar aqui já é meio que um spoiler de crítica literária, provavelmente...)
As elites deste país - as principais responsáveis pela invenção e manutenção contínua desse sistema de escravidão, truculência e ignorância S.A. - sempre foram conservadoras e sabem bem o valor e estima deste bem imaterial e espiritual.
Porque o protagonista desta peça é essa figura que representa a gulodice nepotista que tem causado essa dispepsia necropolítica... essa prisão de ventre nacional, cara. O protagonista não possui nenhum nível de autoconsciência, saca? Em momentos do texto faço referência ao "não-pensamento" do BozzonarUbu que é uma espécie de não-filosofia, de não-dialética, de redução fisiológica a estatuto de simulacro de "pessoa" com síndrome narcísica de Imperador romano, saca? Durante toda a peça-texto não é permitida o surgimento de NENHUMA dissidência em termos de postura, discurso e nada... entende? O BozzonarUbu manipula tudo e monopoliza o espaço da performance e absolutamente tudo gira em torno dele, mesmo as tramóias nas quais ele não toma parte direta!
Sua pergunta é complexa e meio que me leva a revelar esses detalhes que estão esparramados na estrutura da obra e que deveriam ser colhidos mesmo pela atenção do leitor... "Ué, mas, cadê os personagens antagonistas?" BINGO! Em que ditadura é permitida a existência de personagens e protagonistas dissidentes ao regime? Entende? É uma sacada que bem... por mais terrível... em termos de articulação e construção de obra refletem com - desculpa a falta de modéstia aqui - certa genialidade as formas caóticas com as quais Bolsonaro (ou BozzonarUbU, na peça) tem criado todo tipo de circuitos, desvios, vai-e-vem, cortinas de fumaça... que levam à confusão geral e à inoperância de uma oposição concreta de fato!
Nesse sentido, há um nível de expertise aí no modo de dispor o tabuleiro que anda confundindo até os teóricos e articulistas políticos mais experientes... há "intencionalidade" na confusão principalmente porque com ela generalizada ganha-se tempo e nubla-se o foco para que determinados projetos e acontecimentos, na calada da noite, escalem à luz e se concretizem como norma na realidade vivida. (o tal "passar a boiada...")
Desculpa, se aparentemente tergiversei ou fugi da questão... mas, se eu "fosse" o protagonista, talvez a coisa fosse para um lado mais como o discurso final de "O Grande Ditador" do Chaplin, lembra? Mas, eu não queria escrever algo que "redimisse" o Bolsonaro, pô!
BdF/PB: Enquanto escritor independente no Brasil, qual seu recado para aqueles que compartilham do sonho de viver da arte da palavra?
Ikaro Max: Estou nesse mundão das letras há muitos anos e nunca procurei cair sob efeito de nenhuma ilusão em particular. É foda quando a gente olha para esse país gigantesco, diverso e multifacetado como é, ainda se encontrar séculos e séculos atrasados quando se trata de conhecimentos, saberes e práticas libertadoras.
As elites deste país - as principais responsáveis pela invenção e manutenção contínua desse sistema de escravidão, truculência e ignorância S.A. - sempre foram conservadoras e sabem bem o valor e estima deste bem imaterial e espiritual. Não que eles saibam ao ponto de cultivar em si mesmos essa elevação! Muito pelo contrário, embora exista uma parte sim bastante ilustrada... grande parte é mesmo burra, débil e ignorante, sem extremamente cafona e sem gosto algum.
...certa genialidade as formas caóticas com as quais Bolsonaro (ou BozzonarUbU, na peça) tem criado todo tipo de circuitos, desvios, vai-e-vem, cortinas de fumaça... que levam à confusão geral e à inoperância de uma oposição concreta de fato!
As classes médias é que sempre tiveram boa parte do protagonismo no que chamamos dinâmicas culturais, movimentos e etc. No entanto, boa parte dos instrumentos criados e mobilizados por essa classe ainda respondem a certos valores e comportamentos de massa, de rebanho, refletem também certo nível de mediocridade imperante e certas afetações por parte de setores dessa classe. Essas afetação a gente encontra nas clássicas panelinhas que se formam... de norte a sul... em todo lugar. Grupinhos que se fecham e se cultuam como iluminados e "os outros", os de fora... o que devemos ignorar.
Bem... eu sempre acabei fazendo parte destes "outros"... em primeiro lugar porque eu nunca gostei de missa! Heheheh. Nunca gostei de rezar missas, de me ajoelhar pra padres ou pra qualquer coisa do tipo (seja qual padre, especialista ou doutor for!)... acho desprezível e fake.
Cada dia é uma loucura nova. Se você está pronto para isso saiba que estará no lado selvagem da trincheira da vida.
O que me deu uma liberdade impensável! E que irrita alguns meios e parte desses grupelhos... rss... tenho certeza! Mas, não posso evitar... e não quero com isso incentivar um individualismo ou egoísmo vazio, não se trata disso. Fui me pondo à prova na realidade com pequenas publicações... nada muito pomposo. Vendia de mão em mão ou no muito conversava com alguém de algum ponto de venda e tentava colocar por lá.
Sempre tive uma ética de independência muito forte e o tipo de literatura, texto, escrita, performance que vivo e escrevo não se encontra dentro de limites postos pela expectativa comercial, entende? Acho que o importante é que isso é o que explode com maior espontaneidade vindo de mim... e simplesmente calar isso, mutilar e pôr de um jeito que não traga a força da verdade do vivido então é algo que me deixa desconfortável. Até já tive uma ou outra tentação de fazer algo "pop" em termos de literatura, mas acho que não o faria sob a minha assinatura... porque sinto que não soaria legítimo, mas como uma experiência... e como experiência eu me permito abrir para novos personagens, tramas e idéias, desde que isso não mitigue e destrua os meus vôos livres!
E parte desse espírito de independência e liberdade, dessa coisa de polemizar e criar confusão e beleza está sintetizada na editora que criei, a _provokeATIVA. Caminhamos lentos e tudo, mas caminhamos! Temos nossa independência criativa e nos validamos e legitimamos a partir de nossos sonhos, volúpias e desejos mais profundos e íntimos - somos a favor da subversão do presente para a criação de uma nova vida, uma nova era intensa, bela e cheia de sentido. Não queremos sobreviver meramente ou nos submeter a uma vida mutilada, esmagada em que somos submetidos a uma forma que raramente se parece com a forma humana autêntica.
Se você quer viver disso... se prepare para a fome, para a luxúria, para a solidão... se prepare para se desdobrar em mil e se aniquilar para entregar coisas no prazo. Se prepare para dormir pouco e mal e, às vezes, até sem poder comprar aquele sushi que você está sonhando em comer às 2 horas da manhã.
Se você quer ser um escritor ou um poeta ou um artista em tempo integral, então, os "sacrifícios" são ainda maiores... muitas vezes até seus relacionamentos naufragam... mulheres, homens, amigos, cachorros vão embora ou você os abandona em certo ponto da vida. És capazes de levar uma vida estagnada ou sentes que as mudanças te jogam no flow das mutações líricas? Você as aceita e as vive e as transfigura? ótimo! Você está pronto para a guerra... e nessa guerra todos perdem, inclusive você. Mas, você perde sendo você mesmo e não um simulacro de ordem algorítmica que eles querem que você seja. O que é bom e autêntico.
Cada dia é uma loucura nova. Se você está pronto para isso saiba que estará no lado selvagem da trincheira da vida. Caso contrário, nem comece. Vista sua melhor roupa e vá ao funeral dos seus sonhos. Tenha uma vida sossegada com a família. Pague contas, não se atrase, entregue seus relatórios, faça suas entregas. Viver é está sempre fazendo escolhas. O melhor é que você esteja pronto para fazê-las e seguir adiante. Não importa como.
Há "intencionalidade" na confusão principalmente porque com ela generalizada ganha-se tempo e nubla-se o foco para que determinados projetos e acontecimentos, na calada da noite, escalem à luz e se concretizem
BdF/PB: Como você sintetizaria o livro-peça BozzonarUbu em 7 palavras?
Ikaro Max: "Isso + Acontece + Quando + Idiotas + Tomam + O + Poder" “Fascismo; Distopia; Necropolítica; Conspiração; Controle; Farsa e Idiotice. Esclarecimento para evitar confusões sobre temporalidade e versões do mesmo texto: 1ª versão da peça faz parte do livro "A Arte da Subversão" lançado em Maio/2019 pela Editora Cintra/ARC Edições na coleção "O Amor Pelas Palavras" do editor, poeta, ensaísta e tradutor Floriano Martins. (Este livro encontra-se na Amazon para compra - versão PDF Kindle e Capa Comum); 2ª versão (modificada) é essa que virou PDF Kindle (207 pgs.) e está disponível para compra na Amazon; 3ª versão (diferente da segunda, vem com memes, reescritas e procedimentos narrativos aplicados, posfácio, foto da autora, etc) é a versão Capa Comum (livro impresso em tamanho 15,24 x 22,86cm, 373 g., com 248 páginas.
Edição: Cida Alves