Paraíba

SOCIOEDUCAÇÃO

Governo do Estado e TJPB criam grupos reflexivos para agressores de mulheres

Equipes dos Creas de todo o estado receberão capacitação a partir de setembro. Mov de mulheres recebe ação com cautela

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Centro de reabilitação para homens agressores em Blumenau foi pioneiro no país. Em Campina Grande, Papo de Homem já funciona há três anos - Foto: Reprodução

O Governo da Paraíba, através da Secretarias de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh), em convênio com o Tribunal de Justiça da Paraíba, dará início a um treinamento da rede de Creas para implementar os Grupos Reflexivos no estado. A ação tem como foco os agressores de mulheres os quais terão acompanhamento obrigatório em grupos de apoio e em programas de recuperação e reeducação acerca da violência doméstica.

O projeto ‘Trabalhando com Homens Autores de Violência Doméstica Contra Mulheres’, irá capacitar equipes dos Centros Estaduais de Referência de Assistência Social (Creas) Regionais - hoje com 26 polos - a partir de setembro deste ano, pela internet. 
Os principais temas do treinamento são: Violência Doméstica; Lei Maria da Penha; Gênero; Direito das Mulheres; O que é Ser Homem e Masculinidades. 

Se os homens se encontram para ‘pensar’ sobre a ação violenta, estão pensando, não apenas a violência, mas uma "cultura" patriarcal e machista

Graziela Queiroga, juíza e Coordenadora da Mulher do TJPB, afirma que a ideia é que a formação seja estendida também aos Creas municipais: “Com a alteração na Lei Maria da Penha, que possibilitou aos juízes determinar que homens agressores possam participar de grupos reflexivos, dentro das medidas protetivas, vislumbramos a possibilidade de um convênio, contando com a participação das duas secretarias e a união de profissionais e que a realidade possa chegar a todas as comarcas do Estado. O projeto já está bem delineado e com as tratativas bastante adiantadas”, explica ela.


Juiza Graziela Queiroga / Foto: Arquivo Pessoal

No dia 03 de abril foi sancionada, pelo presidente Jair Bolsonaro, a lei 13.984/20, que altera a lei Maria da Penha (11.340/06), a qual determina que agressores de mulheres podem ser  obrigados a frequentar centros de reeducação e receber acompanhamento psicossocial por ordem do juiz. A nova lei, no entanto, destaca que a reeducação não livra o cumprimento da pena, no final do processo, contra o agressor.

O projeto piloto “Papo de Homem”, em vigor há três anos em Campina Grande, já vinha hasteando esta bandeira. Coordenado pelo juiz Antônio Gonçalves Ribeiro Júnior, do Juizado de Violência Doméstica da Comarca e um dos gestores da Coordenadoria da Mulher do TJPB, o projeto teve reincidência zero de agressão por homens que participaram dos grupos, na região.

Não adianta formar esses grupos tentando melhorar o agressor sem combater, por exemplo, dentro das escolas, a educação que põe em xeque o debate sobre o patriarcado e o machismo

Para a psicóloga Vera Lima, que já atuou no Centro de Referência da Mulher, em João Pessoa, a iniciativa é positiva: “Toda ação que venha colaborar para mudar o cenário de violência e feminicídio que a gente está vivendo no Brasil e na Paraíba é bem-vinda. Convidar o homem à refletir sobre a sua existência na sociedade é uma prática extremamente positiva e também desafiadora porque essa reflexão é um convite à desconstrução”, explica ela.

Vera observa que a proposta é desconstruir o paradigma de homem que a cultura vem fortalecendo e que a maioria dos agressores á apenas punida pela lei, e não desconstrói o seu fazer.

“Se os homens se encontram para ‘pensar’ sobre a ação violenta, estão pensando, não apenas a violência, mas uma "cultura" patriarcal e machista que o tempo todo justifica sua ação. E eu acredito na práxis freiriana de refletir a ação. Ressignificar a inserção do indivíduo no contexto social e familiar. E eu acho que seria importante também a reflexão com a família com os filhos porque, de certo modo, envolve todo o núcleo familiar.”

Live: Debatendo sobre a masculinidade (tóxica) e a violência de gênero - Debatedores: Rogério Rodrigues Lucas de Oliveira - Promotor de Justiça - MPPB Benedito Medrado - Professor doutor da UFPE Ana Raquel Torres - Professora doutora da UFPB João Wesley Domingues - Coordenador de grupos reflexivos para homens no TJDF / 17/08/2020

Movimento de Mulheres e profissionais da área vêem estratégia com cautela

A deputada estadual Cida Ramos (PSB) que também é Presidenta da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI do Feminicídio na Paraíba, pondera que os Grupos Reflexivos para homens é mais uma estratégia no enfrentamento à violência contra as mulheres: “No entanto, esses mecanismos são acessórios à política de proteção das mulheres vítimas de violência”.

Cida comenta que a punição é fundamental e faz-se importante que a justiça investigue e apure o feminicídio e a violência doméstica: “É necessário que a sociedade compreenda que a violência gera uma punição. Vivemos numa cultura que nos leva à barbárie, e para mudar isso é necessário que a gente estabeleça a proteção, faça com que as mulheres tenham autonomia, emprego e renda, proteção para as crianças e coloque os serviços e ações para isso acontecer”, destaca ela.

Serão tratados como doentes? 

Uma das preocupações que circundam o tema é de que as defesas jurídicas masculinas possam pedir abrandamento de pena alegando patologias. “O fato de tratar como doença não pode ser resposta para a agressão e não pode eliminar a punição”, comenta Cida Ramos. 

Para a professora Elisângela Inácio, do Departamento de Assistência Social da UFPB, não se pode considerar que a violência seja um distúrbio ou um transtorno do agressor. 


Da esq - Elis Inácio, Cida Ramos e Vera Lima / Foto: Reprodução

“A violência é uma construção social e histórica. Não adianta formar esses grupos tentando melhorar o agressor sem combater, por exemplo, dentro das escolas, a educação que põe em xeque o debate sobre o patriarcado e o machismo, que são aspectos culturais que continuam influenciando a sociedade”, argumenta ela.

É importante cobrar que os grupos reflexivos não usem verbas e recursos oriundos das Políticas para as Mulheres. “A fatia de recursos já é mínima para atender as mulheres em situação de violência. A gente tem um número insuficiente de Casas Abrigos e Centros de Referência. Então são recursos que devem ser destinados para esses serviços em potencial. Essas verbas têm que ser extraídas da política de saúde para homens”, afirma Elis.

Atentas às estratégias

Elis alerta que a lógica do governo atual é trazer a discussão junto à perspectiva conservadora e fundamentalista, inclusive com um Ministério da Família à serviço.

“Temos visto muitas manifestações caindo na rede de filhos e filhas da burguesia praticando racismo e, para não serem presos, as famílias estão adotando o discurso da doença mental. E é por isso que a gente tem que insistir que esses grupos levem para a sala profissionais de todas as áreas, psicólogos e assistentes sociais”, defende ela. 

Por que não fazer discussão de gênero nas escolas?

A pergunta que se faz é por que em vez de apagar o fogo não se conscientiza sobre as queimaduras e suas consequências? “É contraditório que a ministra e governo se opunham ao debate de gênero nas escolas, mas desejem e congratulem os grupos reflexivos. Precisamos fazer a discussão de gênero”.


Documentário: O Silencio dos Homens  / Foto
 


 

Edição: Maria Franco