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Maternância/Ensino remoto: a “nova” face da desigualdade no acesso à Educação Básica

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Reprodução - Foto: Guilherme Baffi
As mães negras, já marcadas por todas as desigualdades, encontram-se em ainda maior vulnerabilidade

Por Gabriela Carreiro*

O Censo Escolar, principal instrumento de coleta de informações da educação básica brasileira, coordenado pelo Inep, aponta que em 2019 o número de alunas e alunos matriculados na educação básica atingia 47.874.246. É importante ressaltar que este número aponta uma queda de 1,2% no  número de matrículas levando em conta o ano letivo anterior. Uma coisa é certa, a educação escolar de 2019 foi intrinsecamente distinta da atual realidade educacional das nossas crianças e jovens.

O acesso à educação remota é mais uma exclusão para essas crianças, reforçando essa ferida que sempre esteve supurando mas que agora não cessa de sagrar e escorrer.

O número de pesquisas acadêmicas, formulários de coletas de informações em torno da realidade das mulheres mães e a sobrecarga de trabalhos (na maioria deles, não remunerados) no atual contexto de pandemia, tem chamado atenção para as condições físicas, emocionais e materiais enfrentadas pelas mães. Uma vez que na divisão das demandas do cuidado são as mulheres mães se encontram em realidades de exaustão mental e física, assumindo cada vez mais funções do cuidado material e emocional das crianças, das/dos idosos e da família. 

Cuidar significa responsabilizar-se, dedicar-se ao outro/outra, mas quando esse outro é uma criança em fase escolar, esse cuidado se desdobra em um cuidado pedagógico e que necessita de adequadas condições físicas, materiais, emocionais e até intelectuais. Sentar com nossas filhas e filhos para acompanhar as aulas remotas e fazer tarefas de casa não é uma realidade possível para todas as famílias. Há determinantes sociais que precisam ser levados em conta, quando pressupomos uma “condição igualitária” de aprendizagem para todas as crianças e jovens.

No contexto de pandemia, onde a crise política, moral e sanitária definem nossa realidade, precisamos enfatizar (e até implorar) que creches e escolas permaneçam fechadas como condição de preservação da vida das crianças e de toda comunidade. A fragilidade emocional que o contexto impele junto ao adoecimento de familiares e a sobrecarga nas demandas do cuidado, tem sido assuntos recorrente entre as mulheres mães da Coletiva Pachamamá. Os relatos das vivências de cada uma dessas mães coincidem entre si: o desemprego, o trabalho doméstico não remunerado, o isolamento que agrava ainda mais a invisibilidades dessas realidades, somadas ao aumento das situações de violências doméstica, são agravantes que tensionam nossos cotidianos.

Atravessadas pelo contexto do medo, da ansiedade e do vigilante cuidado, nós mães percebemos em nossas crianças um misto de sentimentos abruptos que precisam ser dialogados, entendidos. Mas como fazer isso? Como convencer nossas crianças a não ir na casa da/do coleguinha? Como convencer que a Escola está fechada e a professora vai aparecer na tela do celular para uma “aulinha”? Como transformar a casa em espaço de aprendizagem escolar?

O âmbito escolar é fundamental no desenvolvimento social, motor, psicológico e cognitivo das crianças. Ali se aprende e se ensina geracionalmente os saberes que perpassam nossas culturas. A casa, o lar, é também espaço educativo mas não cumpre a função pedagógica que a escola assume na formação humana de cada criança. Se na escola as desigualdades inferem distintas formas e condições do aprender, ao deslocarmos os espaços de aprendizagens para as casas, os lares, essas desigualdades ficaram mais evidentes e reforçadas.

As 47.874.246 crianças e jovens matriculados na educação básica tem acesso à internet, computador ou smartphone para assistir e realizar as atividades escolares? O contexto pandemônico desvelou o que sempre esteve em carne viva no nosso país. As mulheres, especialmente as mulheres mães negras, já marcadas por todas as desigualdades de raça, gênero e classe, encontram-se em situações de absurda vulnerabilidade social, emocional e material. 

Segundo pesquisa realizada pelo IBGE, em 2018 o Brasil contava com 11 milhões de mães solo, dessas, 61% são mães negras. A precarização no acesso às condições básicas de saúde, alimentação e saneamento é uma realidade colonial no nosso país que atravessa a vida dessas mulheres e de suas filhas e filhos. O acesso à educação remota é mais uma exclusão para essas crianças, reforçando essa ferida que sempre esteve supurando mas que agora não cessa de sagrar e escorrer.

*Gabriela da Nóbrega Carreiro é mãe de Ceci, integrante da Coletiva de Mães Pachamamá. Graduada em Filosofia e Mestra e Doutoranda em Educação pela UFPB. Pesquisadora da área de Educação e gênero e de Processos de ensino-aprendizagem na Educação Básica.

 

 

Edição: Cida Alves