O fechamento da economia, a diminuição da renda e as demissões fomentaram a assimetria
Por Ellen Maria Oliveira Chaves; Marcelly Thaís Marques Ribeiro e Paola Aparecida Azevedo de Souza
A velocidade de contágio da COVID-19 alarmou todo o mundo. Após o surto de casos na Ásia, a Europa foi o segundo continente a ser amplamente afetado pela pandemia. A Itália, por exemplo, passou meses sendo notícia nos jornais internacionais devido à ausência de leitos hospitalares. O continente conseguiu por um curto período de tempo conter o número de infecções. Contudo, nos dois últimos meses as autoridades de saúde passaram a registrar um aumento exponencial no número de casos nos países europeus. No Reino Unido, isso aconteceu após a flexibilização de algumas medidas de isolamento, como o retorno das aulas nas universidades britânicas, impactando, sobretudo, a população jovem.
O avanço do vírus promoveu não só uma crise de saúde, como também um aumento na fome e na insegurança alimentar e nutricional globais. Se a pandemia expôs as vulnerabilidades dos países que já enfrentam altos índices de extrema pobreza, notamos que ela explora a desigualdade social, que também é uma realidade em países desenvolvidos, como no Reino Unido. Em meio às implicações economicamente negativas e ao isolamento social, a população britânica sofreu grandes alterações na frequência de sua alimentação.
De acordo com a Food Foundation, em abril, cerca de 1,5 milhão de pessoas passaram pelo menos um dia sem comer no Reino Unido. Dados da Food Standards Agency (FSA) também mostram que outra consequência dos primeiros meses de quarentena obrigatória foram as milhões de pessoas que buscaram comida em bancos de alimentos. Entre a população de baixa renda, uma em cada dez pessoas precisava recorrer aos bancos para conseguir comer em junho. Isso resultou em um aumento de 89% na procura por cestas básicas na The Trussell Trust, a maior rede de bancos de alimentos do Reino Unido.
O fechamento da economia, a diminuição da renda e principalmente as demissões fomentaram as assimetrias econômicas do país. A pesquisa da FSA também destaca que, em maio, além de uma média de uma em cada seis pessoas estar em insegurança alimentar, as mais afetadas foram as famílias com crianças e jovens de 16 a 24 anos. Por isso, aumentou o risco de desnutrição e obesidade na população. É que, com o aumento do preço dos alimentos, muitas famílias preferem diminuir a qualidade da alimentação com dietas altamente restritivas em nutrientes e até mesmo pulando refeições. Cerca de 8 milhões de adultos confirmaram reduzir ou pular refeições para diminuirr os custos com a alimentação antes da pandemia, e esse número mais que dobrou nos últimos meses. Segundo dados divulgados pela Feeding Britain e o laboratório de pesquisa sobre Vida Saudável da Universidade Northumbria, um em cada quatro adultos afirmou ter dificuldades financeiras para comprar comida, mesmo tentando comprar alimentos mais baratos no mercado.
Outro fator preocupante em relação aos hábitos alimentares durante a pandemia foi o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, como os fast foods. O crescimento da população com sobrepeso gerou uma enorme preocupação ao governo. Estudos apontam que mais de 60% da população adulta está acima do peso e que uma em cada três crianças na faixa etária de 10 a 11 anos também está fora do peso ideal (com sobrepeso ou obesidade). Diante desses dados e da publicação de uma pesquisa divulgada em julho pelo Ministério da Saúde britânico, que comprovou o risco de morte até 40% maior entre as pessoas obesas infectadas pelo coronavírus, o governo decidiu promover uma campanha de incentivo à alimentação saudável e à prática de exercícios físicos. Algumas das medidas propostas foram a limitação de anúncios de fast-food, o detalhamento das calorias nos cardápios e a ampliação de serviços de saúde pública com o objetivo de diminuir o sedentarismo e a obesidade na população britânica, como andar de bicicleta, por exemplo.
O Direito Humano à Alimentação Adequada é um direito básico e, mesmo assim, a quinta maior economia global não é capaz de garantir alimentos nutritivos e suficientes para a sua população em tempos de crise. Os dados levantados pelas instituições britânicas apenas fortalecem a necessidade de repensar as dinâmicas do sistema agroalimentar e as estruturas de combate à fome no capitalismo contemporâneo.
-Acesse o blog www.fomeri.org do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais para acompanhar as principais notícias e relatórios de organizações internacionais sobre como a pandemia afeta a segurança alimentar e nutricional pelo mundo
*O Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB é formado por: Prof. Thiago Lima; Ellen Maria Oliveira Chaves; Marcelly Thaís Marques Ribeiro; Paola Aparecida Azevedo de Souza
Edição: Cida Alves