Por Ricardson Dias*
Na última semana, aprendi mais uma lição nessa caminhada como Conselheiro Tutelar. Sou advogado e, por isso, muitas vezes me pego em uma encruzilhada entre o que diz a lei e o que eu ouço das famílias. Domingo, véspera de feriado, recebo um chamado de uma maternidade, pois uma adolescente grávida recebeu alta hospitalar, mas a família não quer retirá-la da instituição.
A princípio eu, Conselheiro Tutelar, não vejo, na lei, um motivo para minha atuação, pois o atendimento da demanda de saúde não foi negado e, diante da alta, eu não tenho capacidade de contestar a decisão do profissional da saúde. Porém meu telefone não para de tocar e percebo que a família está desesperada.
Vou até a maternidade e, novamente, me deparo com a leitura da lei e vejo que não há nada a ser feito. O profissional responsável me explica que seguiu todos os protocolos e não há motivo para não dar alta. Do outro lado, escuto o relato da família da paciente, uma adolescente de 16 anos com mais de nove meses de gestação, histórico de epilepsia, hipertensa e com infecção urinária.
Sem muito o que fazer diante do que diz a lei e os protocolos, digo para irmos a uma outra maternidade para uma segunda opinião. A partir daí, pensando já estar extrapolando minhas atribuições, conduzo a adolescente e sua família a um outro serviço obstétrico e, lá, ela é avaliada e mandada às pressas para o bloco cirúrgico.
Chego em casa e recebo a notícia de que a gestante que atendi se tornou mãe e que, contrariando os protocolos e a letra fria da lei, hoje ajudei a resguardar o direito à vida e à saúde de uma adolescente e de uma criança inocente que chega ao mundo resguardada e protegida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela leitura humanizada desse órgão tão importante que é o Conselho Tutelar.
Hoje novamente me pergunto o que teria acontecido se o Conselho Tutelar não estivesse aberto nos fins de semana e feriado? O que teria acontecido se os protocolos médicos do SUS, como repetidamente me falou a pessoa responsável no hospital, tivesse sido seguido à risca? Que protocolos são esses que não consideram os princípios da proteção integral e prioridade absoluta na garantia dos direitos de crianças e adolescentes?
Mais um dia de plantão. Mais um dia de aprendizado. Mais um dia em que percebo a importância de enxergar, na lei, as pessoas a quem elas se destinam. A letra da lei tem que parar de ser chamada de fria, pois ela visa proteger corações que batem quentes e fortes no peito de seres vivos.
*Ricardson Dias é Conselheiro Tutelar - Região Sul de João Pessoa-PB
Edição: Cida Alves