Mais uma semana de racismo escancarado na Paraíba. Esta semana, a professora Ivonildes Fonseca foi vítima de racismo proferido por uma colega da mesma instituição, em áudio que circula nas redes sociais. A agressora é a professora Francinete Fernandes de Sousa, do curso de Pedagogia, Centro de Humanidades (CH) da UEPB, que emitiu ofensas racistas e misóginas contra as professoras Célia Regina e Ivonildes Fonseca, ambas da chapa vitoriosa na eleição para a Reitoria da instituição.
No aúdio, Francinete, que chegou a se aliar a uma chapa opositora, analisa o resultado da eleição e, inconformada, diz que o resultado é ideológico, e partiu para agressões racistas e misóginas contra as colegas.
O Jornal Brasil de Fato conseguiu uma entrevista exclusiva com a professora Ivonildes. “Eu só vou dar essa entrevista porque é para o Brasil de Fato, que eu conheço a e até já escrevi para esse jornal. E se for necessário escreverei mais”.
Ivonildes Fonseca é professora da UEPB (Campus 3, em Guarabira), é integrante da Bamidelê (Organização de Mulheres Negras na Paraíba) e também do NEABI (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da UEPB).
Ela destaca que decidiu entrar para o pleito no último momento porque “o que apontava era muito ruim, um retrocesso, a política neoliberal dentro da universidade”.
Brasil de Fato: Professora, a senhora sabe o que motivou as declarações racistas no áudio da prof. Francinete Fernandes?
Prof.Ivonildes Fonseca: O que aconteceu é o seguinte. Nós entramos em campanha para o cargo de Reitoria, e eu faço parte de uma chapa que venceu, a chapa 2, juntamente com a professora Célia Regina. E logo após o resultado da votação, chegou a mim este áudio da professora agredindo a Universidade e agredindo a professora Célia Regina que foi votada para Reitora, e agredindo a mim que fui votada para vice-Reitora.
Durante a campanha toda, a professora (Francinete) veio proferindo vários insultos, inclusive direcionados à minha pessoa, e até querendo que eu fizesse coisas no Centro de Humanidades que não era nem da minha competência, tipo calçar uma rua na BR.
Então ela achou um terreno próspero e férti para insultos porque eu e a professora Célia nunca insultamos ninguém na campanha.
E ela foi se achando cada vez mais forte e chegou ao ponto de fazer esse áudio muito danoso à instituição UEPB, à pessoa da professora Célia e à minha pessoa. E foram várias agressões que ela cometeu. Eu e a professora Célia resolvemos acatar posições pedagógicas, medidas pedagógicas. Então, a situação é outra. A instituição irá tomar providências sobre sobre a posição da professora.
BdF: Qual o impacto subjetivo das declarações para a senhora enquanto indivíduo?
Prof.Ivonildes Fonseca: Pessoalmente, eu cresci nesse ambiente racista, porque o Brasil é racista. Então esse fato que aconteceu agora com essa professora reforça o que a gente vem mostrando o tempo inteiro - que esse país é um país racista. Então eu cresci nesse ambiente. Lógico que quando eu era criança não existia a palavra racismo, mas tinha outros conceitos, outros tipos de ofensas e humilhações. E eu cresci com isso, mas ainda me surpreendo muito, me ofende, me choca muito.
Quando escutei o áudio, eu fiquei a manhã inteira, parecia que eu tinha tomado uma surra muito forte. Toda quebrada, o corpo, do tamanho da ofensa. Então a gente fica com aquele fantasma na cabeça. Porque partiu de uma professora Doutora, e ela estudou tanto para quê?
Então, a gente fica colocando muito em cheque assim, o que é que está acontecendo dentro das escolas e da Universidade. O que essa mulher está passando para suas turmas? Então é muito triste. Põe a gente numa depressão, por um lado. E por outro lado, compõe a gente mais forte para enfrentar esse monstro que existe no país chamado racismo.
E trabalhar para que a gente tenha medidas no país que possam alterar essa situação.
BdF: Quais medidas a senhora pretende tomar?
Prof.Ivonildes Fonseca: Eu tenho uma posição muito firme com relação às situações que ocorrem dentro da instituições de ensino. Eu acredito que nenhuma ocorrência, dentro do ambiente de ensino, compete à polícia tomar providências. A não ser que seja um caso de polícia, que a gente não possa resolver.
Racismo é crime. Mas o que a gente sabe é que se for levar para as mãos da polícia, iria se descaracterizar o crime de racismo e iriam colocar como injúria racial onde a pessoa paga uma fiança de 300 contos e tudo bem. Então, acredito que ações pedagógicas no combate ao racismo, neste caso, são mais eficazes. Eu estou na direção do Centro de Humanidades de Guarabira onde vários casos ocorreram. E em todos eles, sempre resolvemos dentro da instituição as nossas questões.
BdF: A sociedade costuma mitificar a Universidade como se fosse um espaço neutro, que não existe racismo, homofobia ou racismo. Eu queria que a senhora falasse um pouco disso.
Prof.Ivonildes Fonseca: Não existe posição neutra, nem por parte das pessoas, nem por parte das instituições. O que ocorre é que a universidade tem uma força maior porque é um espaço de muita credibilidade na sociedade. E se tem pessoas que se manifestam com comportamentos machistas, misóginos ou racistas, então algumas estudantes vão entender que aquela pessoa tá se manifestando com propriedade.
O que é importante é que a universidade, hoje no Brasil, principalmente as Universidades públicas, estão sendo frequentada por filhas e filhos de trabalhadoras/es. E pelas próprias trabalhadoras porque a Universidade não é espaço só de jovem e adolescente, é também de pessoas adultas que têm suas famílias e que estão estudando.
E a maioria desses estudantes e professores/as têm uma visão prática emancipatória do ser humano. A Universidade não é neutra. Dentro dela temos disputas ideológicas. E eu estou nessa disputa, estou em diversas ações dentro dela para poder enfrentar essa realidade difícil.
BdF: O presidente Bolsonaro, a maior autoridade do país, estimula o racismo e outras formas de agressão aos povos. Da mesma maneira essa professora, que é uma autoridade, legitima preconceitos. A senhora acredita que ela tem que ser exemplarmente punida na forma da lei?
Prof.Ivonildes Fonseca: Eu não posso dizer que eu desacredito da lei porque a lei é uma construção social. Ela é feita depois que os fatos acontecem para punir os possíveis fatos criminosos. Mas a Lei do Racismo 7.716/89, o que existe é uma interpretação que comumente jogam para a injúria racial. Eu já fui para a delegacia e fiquei muito frustrada. Então eu acho que existem outros tipos de punição que são mais eficazes. Eu também acredito na diversidade, acho até que vai haver pessoas que vão aplaudir ela, mas eu não vi nenhum grupo apoiando as palavras dela. Também acredito que a sociedade é heterogênea. Mas temos que ver que a maioria está querendo caminhar para a emancipação humana.
Ela alega que foi tomada por uma coisa, que estava fora de si e externou uma coisa involuntariamente. Vai ter gente dizendo coitadinha, pediu perdão. E eu já estive nessa situação em que não houve fiança e não teve nenhum desdobramento.
BdF: Já houve alguma ação pública para o fato?
Prof.Ivonildes Fonseca: Da nossa parte ainda não porque estamos fechando o processo eleitoral. É um momento delicado. O Reitor fez uma nota esta semana dizendo que ela vai ser punida pela Universidade. Mas da nossa parte não.
BdF: Na sua opinião, como a gente elimina o racismo da sociedade?
Prof.Ivonildes Fonseca: A gente tem que ampliar a sua compreensão. A ciência no século XIX moldou o tipo da pessoa negra como pessoa doente mental, que nasce com índole perversa, que já nasce para cometer crimes, e de lá para cá, a gente não teve mudança da mentalidade.
Para a gente ter medidas eficazes de combate ao racismo, a gente tem que mudar essa realidade social, porque isso povoa a cabeça das pessoas. Recentemente uma jurista condenou um homem negro e justificou que é porque a raça dele é assim mesmo, e que é por isso que ele faz essas coisas. Então, isso está muito comum. As nossas religiões ainda são tidas como religião de pessoas doentes e diabólicas. Então tem que mudar essa mentalidade. E quando a gente começou a mudar isso, veio o golpe, a prisão de Lula a deposição de Dilma. Essa destruição, agora, está intrínseca.
Edição: Maria Franco