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Coluna

Pandemia e a Fome: A agricultura familiar brasileira

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Apesar dos ataques, a agricultura familiar segue resistindo. - MST
O governo federal fortalece o agronegócio em detrimento da agricultura familiar.

A pandemia agravou as vulnerabilidades sociais e econômicas de uma parcela significativa da população brasileira e, com a ausência de programas eficientes de apoio emergencial, parte da população ficou desamparada frente às dificuldades que surgiram do período da crise sanitária no Brasil. Com mais de 6 milhões de casos positivos de COVID-19 e 160 mil mortes, o país ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de casos pela doença. A disseminação do coronavírus entre as comunidades indígenas e ribeirinhas e o impacto significativo dos bloqueios à circulação na renda das famílias dependentes da agricultura familiar expuseram o abandono e as fragilidades socioeconômicas dessa população. 

De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) a pandemia alterou as dinâmicas da fome, aumentando a sua concentração nos grandes centros urbanos. No entanto, isso não isentou a população rural - principalmente a parcela responsável pela agricultura familiar - de enfrentar desafios durante esse período. Em decorrência da quarentena, muitas feiras livres, local de venda da produção de muitas famílias, foram suspensas ou tiveram o fluxo de consumidores drasticamente reduzido, dificultando a comercialização dos produtos agrícolas. Os pequenos agricultores e trabalhadores rurais fazem parte de um dos grupos mais impactados pela pandemia, mas não contam com muitos programas de apoio, em virtude do descaso do Governo Federal brasileiro. 

Nesse cenário, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) tem trabalhado com a distribuição de alimentos no Brasil. O MST é o principal, mas não o único, agente de oposição frente aos desmontes e descaso com as políticas de favorecimento e proteção da Agricultura Familiar.  Segundo o movimento, já foram feitas doações de 40 toneladas de alimentos para a população urbana periférica no Paraná bem como em outros estados brasileiros. Doações também foram feitas para grupos de indígenas no Mato Grosso do Sul, onde mais de 1.000 famílias receberam cestas básicas.  Além disso, o MST vem atuando também em outros países da América Latina, como a Venezuela e o Haiti.

Apesar da precariedade no apoio à agricultura familiar brasileira, no final de junho, o projeto de lei 1.194/2020 foi aprovado pelo Senado e pela Câmara de Deputados, resguardando aos estabelecimentos dedicados ao fornecimento de alimentos e refeições a capacidade de doar, de maneira gratuita, os excedentes não comercializados e ainda próprios para consumo humano. Além disso, a lei busca garantir a renda e a distribuição de alimentos da população mais vulnerável por meio da compra de produtos da agricultura familiar pelo PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) do Governo Federal durante o período de calamidade pública. Essa ação governamental visava reduzir os impactos da fome, no entanto, por não serem compreendidos entre os beneficiários do Auxílio Emergencial, os pequenos agricultores seguiram desamparados principalmente pelo atraso da aprovação do PL 735/2020. 

Esse projeto de lei, de 24 de agosto, visa pagar cinco parcelas de R$ 600 aos agricultores e cinco parcelas de R$ 1.200 às mulheres agricultoras chefes de família, além de assegurar a criação de um plano de ajuda financeira para facilitar o acesso à água e para a construção de cisternas. Políticas para renegociação de dívidas e criação de linhas de crédito, visando manter a produção e diminuir a insegurança alimentar, também estão incluídas. Contudo, apesar da pressão e das manifestações realizadas no país, o Presidente Jair Bolsonaro, ao sancionar a lei, vetou 17 dos 20 artigos em 25 de agosto. Essa omissão do presidente com a vulnerabilidade dessa parcela da população no momento atual demonstra o descaso do poder público com os pequenos agricultores, responsáveis por 70% da alimentação brasileira. O veto do presidente, dentre outras propostas, anulou os artigos mais relevantes, dentre eles: a proposta do auxílio emergencial de R$ 600, os recursos para compras públicas pelo PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e a possibilidade de negociação de dívidas, adiamento de financiamentos, e das linhas de crédito emergenciais.

 A falta de estrutura na rede de saúde dos estados e as dificuldades de locomoção até as comunidades mais distantes prejudicaram de forma expressiva a chegada do atendimento às comunidades ribeirinhas e indígenas. Os bloqueios à circulação deixaram as cidades do interior isoladas, parte da população que trabalhava em cidades maiores ficou desempregada e precisou retornar para as cidades ribeirinhas, a exemplo da comunidade do rio Arapiuns, na cidade de Santarém no estado do Pará. Entretanto, ao passo que a situação piorou nas cidades urbanas, o medo de importar os casos para as comunidades ribeirinhas levou à proibição à chegada de novos visitantes, bem como do trânsito de barcos dos não moradores. No Pará, na região do Médio Xingu, as famílias ribeirinhas relataram passar dificuldades para comprar alimentos como arroz e café. Isto ocasionou uma substituição nos alimentos consumidos pela comunidade, que, por necessidade, voltou a incorporar alimentos naturais da área, substituindo os industrializados, trocando, por exemplo, o óleo de soja pelo de babaçu. Além disso, o aumento expressivo da presença de garimpeiros e campos de exploração ilegal de madeira afeta diretamente a população da região, como mostrado no caso dos Yanomami. 

 A pandemia exacerbou o projeto de governo que tem dominado políticas brasileiras. Durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, o agronegócio é extremamente favorecido em detrimento da proteção ambiental e da agricultura familiar. Desde a substituição do termo agricultor familiar para pequenos e médios agricultores (o que por si só já representa um apagamento da identidade de uma parcela da população) até a negação de direitos e auxílios básicos, principalmente em meio a um momento de crise nunca visto anteriormente. Nesse cenário, as atitudes recentes do governo brasileiro reforçam a necessidade de repensar a dinâmica de produção agrícola do país. O ataque à agricultura familiar está sendo instaurado como uma das diretrizes do governo, sendo esse um fato inaceitável e extremamente preocupante, tanto para o futuro da agricultura familiar brasileira quanto da garantia da Segurança Alimentar e Nutricional.

 

Por: Ellen Maria Oliveira Chaves, Marcelly Thaís Marques Ribeiro, e Paola Aparecida Azevedo de Souza

Edição: Henrique Medeiros