Uma carta publicada no dia 07 de janeiro pelo Fórum de Artistas Pretas e Pretos na Paraíba revela indignação das entidades com relação à “postura arbitrária da Secult PB na interpretação de restrições a artistas”, em especial, no caso da poetisa marginal do movimento hip hop Mc'Hirlla (Hirllaice Pereira da Silva). A carta contesta a ambiguidade de orientações da Secult à artista, que é mulher preta e mãe de periferia.
Ela não recebeu o subsídio do edital 09/2020 Rosa Cagliani até o momento, mas já havia entrado em contato enviando vários e-mails para a comissão, sem receber nenhuma resposta a respeito do problema. No entanto, no dia 05 de Janeiro houve uma comunicação do setor financeiro informando que o nome da Mc’Hirlla não estava na lista de pagamentos por conta de “acúmulo de recurso no mesmo CPF”.
No texto são questionadas as orientações passadas pela Secult e afirma-se que a poetisa procedeu corretamente nas inscrições para os subsídios da Lei Aldir Blanc. A carta também levanta o debate sobre a burocracia, principalmente para a população negra e periférica que sofre com os efeitos da pandemia e se vê excluída dos processos dos editais, no que consideram Racismo Institucional.
Leia a seguir a carta na íntegra.
CARTA-DENÚCIA RACISMO INSTITUCIONAL E ESTRUTURAL NA CONDUÇÃO DA APLICABILIDADE DA LEI ALDIR BLANC PELA SECULT-PB
O Fórum de Artistas Pretas e Pretos na PB, em defesa da Cultura e Educação na perspectiva AFROCENTRADA, composta por artistas, grupos, trabalhadores, coletivos culturais de diversos segmentos vem manifestar indignação com relação às decisões arbitrárias adotadas pela SECULT- PB naquilo que tange à interpretação de restrição para o recebimento em duplicidade e acúmulo dos recursos da LAB com base no artigo 9° parágrafo 1° do Decreto Federal 10.464/2020.
A título de exemplo, dentre outros disparates, trazemos ao vosso conhecimento o caso da poetisa marginal, Mc e produtora cultural do Movimento Hip Hop, Mc'Hirlla (Hirllaice Pereira da Silva), mulher Preta, mãe, da favela de Muçumagro, que injustamente teve seu acesso ao recurso na LAB negado. Hirlla foi classificada no edital 03/2020 Fernanda Benvenutty, referente a credenciamento de propostas culturais e artísticas e no edital 09/2020 Rosa Cagliani, referente a premiação.
De acordo com o vídeo “Plantão Tira-Dúvidas” produzido pela própria SECULT-PB, haveria a possibilidade de se inscrever nos dois editais. O vídeo na íntegra não se encontra mais disponível na plataforma do Youtube, porém é possível verificar o trecho em que a gestão apresenta tal possibilidade por meio do endereço eletrônico https://youtu.be/qlIsxWZ5dEc . Nos dois editais em questão e na minuta de contrato do edital 03/2020, não há texto impeditivo, tanto que a classificação foi efetuada e o nome da mesma está na DOU Nº 17.262 do dia 16 de dezembro de 2020.
Entretanto, o pagamento da premiação não foi efetuado, e desde o dia 31 de dezembro, a mesma tentou contato enviando vários e-mails para a comissão do edital 09/2020 Rosa Cagliani, pois até aquele momento não havia sido feita nenhuma comunicação de tal problema. Apenas no dia 05 de janeiro, houve resposta do setor financeiro informando que o nome dela não estava na lista de pagamentos mesmo constando como classificada no edital. A justificativa apresentada à artista foi de ACÚMULO DE RECURSOS EM UM MESMO CPF.
Vale salientar que os valores dos editais são irrisórios, sendo o 03/2020 de R$ 2.000 mil na categoria que ela passou, mas que com os descontos dos impostos (incluindo da nota fiscal avulsa) restou apenas R$ 1.680 mil e o do edital 09/2020 que receberia um valor de R$ 5.000 mil, apenas
restariam cerca de R$ 4.494,36 mil. Segundo o parágrafo 1º do Art. 9 do decreto federal Nº 10.464, “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão desempenhar, em conjunto, esforços para evitar que os recursos aplicados se concentrem nos mesmos beneficiários, na mesma região geográfica ou em um número restrito de trabalhadores da cultura ou de instituições culturais." Como é possível perceber, o texto em nenhum momento faz alusão ao fato de uma pessoa ser contemplada em dois editais diferentes e com propostas diferentes.
O que houve foi uma interpretação equivocada do entendimento de "evitar que os recursos aplicados se concentrem nos mesmos beneficiários". A Mc'Hirlla não teve nem a chance de escolher qual premiação gostaria de receber, pois não havia resultado do edital de maior valor. Foi persuadida via e-mail, a fazer uma escolha sem saber qual resultado se daria. E como decidir sem ter a segurança de recebimento? Como pedir a alguém em vulnerabilidade social que escolha entre o que tem na mão e a incerteza? O fato é que Mc'Hirlla é trabalhadora da cultura PERIFÉRICA, do Movimento Hip Hop, e esses auxílios e a própria Lei Aldir Blanc vieram justamente para amenizar a situação vivida por ela e outres durante a Pandemia do Covid19, que ainda estamos enfrentando e nem sabemos quando irá findar.
Defendemos que a lógica adotada pela SECULT-PB na elaboração das regras de acesso ao recurso da LAB não levam em consideração a realidade des artistas e trabalhadores Pretes/Negres da cultura no Estado da Paraíba. Deste modo, configuram RACISMO INSTITUCIONAL, uma vez que exclui e ignora condições reais e objetivas de Artistas periféricas como MC’HIRLLA.
Tal postura da SECULT-PB contribui para a manutenção das desigualdades na condição de oportunidade inerente ao RACISMO ESTRUTURAL, pois não observa que dentre es contemplades, obtiveram maior chance de acesso ao recurso e em mais de um edital aqueles que NÃO se enquadram nas condições de vulnerabilidade social, principalmente por haver a possibilidade de uso por uma mesma pessoa com CPF/CNPJ/MEI de um mesmo titular para acessar esses recursos.
Para além disso, antes do editais serem lançados a SECULT-PB fez uma reunião voltada aos integrantes do Movimento Hip Hop onde foi constatado que dentro do Movimento Hip Hop poucos são es artistes que possuem CNPJ/MEI por haver dificuldades tanto de informações como, principalmente, financeiras. Ou seja, a SECULT-PB estava ciente das limitações da classe artística periférica, onde a maioria de seus integrantes são pessoas Pretas e Faveladas.
Esta carta vem trazer à luz o quão o Racismo Estrutural é violento e faz com que pessoas negras e periféricas estejam sempre a margem, sem possibilidade de acesso em equidade de condições em relação às pessoas brancas e não periféricas. O Estado da Paraíba declarou com orgulho que "Ao todo, foram beneficiadas 2.012 propostas apresentadas por artistas, produtores, grupos, coletivos e manifestações culturais, incluindo a renda emergencial, representando um investimento de R$ 17.223.000,00". Porém, nosso Estado recebeu um total de R$ 36.164.540,30, onde cerca de R$18.941.540,30 será devolvido ao Governo Federal.
Ou seja, MAIS DA METADE do recurso que foi recebido pelo Estado não chegou nas mãos daqueles que mais precisavam, nós, trabalhadores da cultura Negres/Pretes. Contrariando o objetivo pelo qual a Lei Aldir Blanc foi criada, a SECULT-PB vem fazendo questão e trazendo dificuldades onde não existe para impedir que um Preta, Favelada, Mãe de Família Monoparental com dois filhos, receba o recurso do edital 09/2020 no valor IRRISÓRIO de R$ 5.000 mil. Temos a certeza que os nomes das mulheres homenageadas não estão sendo honrados com essa atitude, principalmente pelas Pretas, Faveladas e Mães.
Em honra a essas mulheres, pedimos que o recurso seja pago, já que a MC’HIRLLA está classificada como consta no DOU anteriormente citado. Não calaremos mais uma Preta! Não calaremos mais uma mulher! Não calaremos mais uma Mãe! João Pessoa 07 de janeiro de 2021.
Assinam a carta: Fórum de Artistas Pretas e Pretos na PB, Fórum dos Fóruns PB, Fórum de Teatro João Pessoa PB, Fórum dos Cocos de Roda, Cirandas e Mazurcas Tradicionais da Paraíba, Movimento Hip Hop da Paraíba, Movimento Hip Hop João Pessoa, Encontro de Batalhas, Dus Timbus, Batalha da Br, Batalha da Lagoa, Batalha da Paz , Sagrada Gang da Sul, Articulação LUTA!, Slam Subversivo, Slam da Paz, Slam das Pretas no Espaço Lusófono, Projeto Batalha do Pedregal, Campina Grande PB, Slam da Balbúrdia, Campina Grande PB, GE Produções, PDA, Cristomaika, ACRAA Associação Cultural Anjo Azul, Beleza Black Norma Góes, Associação de Mulheres do Porto do Capim, Coletivo de jovens Garças do Sanhauá, Ibeji Ateliê, Fórum de Mulheres Em Luta da UFPB, Ponto de Cultura Maracastelo, Coletiva Aroeira de Povos de Terreiro, NENN/Núcleo de Estudantes Negras e Negros do CCAE/UFPB - Ateliê Multicultural Elioenai Gomes -CM Escurinho, Alabê, Alujá, Pantarrei Cia de Teatro e Dança, Movimento de Mulheres Negras PB, Pachamamá Coletiva de Mães JP, DALE! PRODUÇÕES CULTURAIS, Organização de Mulheres Negras BAMIDELÊ, Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas NEABI, CCHLA UFPB, Movimento de Mulheres Negras na Paraiba, MMNPB, Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas NEABI-UEPB/CAMPUS GUARABIRA, Flor da Parahyba, Movimento LGBT+ Santa Rita-PB, Movimento Juventude Santa Rita-PB, Movimento Marcial Santa Rita-PB, Associação Maracatu de Nação Pé de Elefante, Coletivo De Ponta a Ponta, Casulo Preto, Grupo de Mulheres Lésbica e Bissexuais Maria Quitéria, Centro Acadêmico de História Eduardo Galeano, Campus I UEPB, Associação Raizes da Cultura, Assorac Campina Grande PB, Programa Nordeste D´Versos, Projeto de Bibliotecas Comunitárias de Campina Grande, PROBICG, Grupo de Estudos Coco Acauã
Edição: Maria Franco