A criação do NEPEC/UFCG abre um espaço de cunho acadêmico no território do semiárido
O debate étnico-racial no Cariri Paraibano: encontros e trajetórias de pesquisa
Por Wagner Berto dos Santos Diniz*; Rosana de Medeiros Silva**; Wallace Gomes Ferreira Souza***
No último dia 09 de janeiro, desse que promete ser desafiador, o ano de 2021, a Lei 10.639/03 chegou a sua maior idade, completou 18 anos. Junto do registro dessa maior idade da lei, é fundamental anotar ainda que estamos resistindo a pandemia da COVID-19 e aos descalabros de uma política nacional negacionista, anticientífica e genocida, que atinge principalmente o povo preto das periferias e aprofunda o estado de vulnerabilidade social no campo e na cidade. Há de se registrar ainda, que a lei 10.639/03 é fruto das lutas históricas do movimento social negro e representa um marco na luta antirracista no Brasil. A pauta da educação antirracista assume um lugar de centralidade na luta social, pois os movimentos sociais negros acumulam a compreensão que a educação é instrumento transformador nas vidas do povo preto brasileiro (GOMES, 2008) e, sobretudo, da própria dinâmica social, marcada por desigualdades, no qual os “marcadores” cor e raça aparecem nas estatísticas da pobreza, dando contorno e forma ao racismo estrutural.
Tendo como pano de fundo os 18 anos da Lei 10.639/03 e a necessidade de seguirmos resistindo a toda forma de opressão e exclusão, neste escrito, gostaríamos de contar uma breve história de luta antirracista. E como toda história possui, pelo menos, dois marcadores - o tempo e o espaço, vamos começar apresentando a você que está lendo esse breve texto, um pouco do lugar de onde falamos e realizamos as pesquisas em torno das questões étnico-raciais, particularmente, nos últimos seis anos no cariri paraibano (ver imagem de localização abaixo) e quais as estratégias utilizadas.
Este recorte, deve-se a criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Etnicidade e Cultura-NEPEC, vinculado a Unidade Acadêmica de Ciências Sociais do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido-CDSA, da Universidade Federal de Campina Grande-UFCG, que está no município de Sumé-PB, localizado na mesorregião da Borborema, especificamente, na microrregião do cariri ocidental, cuja página institucional está no seguinte link: https://www.cdsa.ufcg.edu.br/index.php/unidade-academica-de-ciencias-sociais-uac-s/nucleo-de-estudo-e-pesquisa-em-etnicidade-e-cultura-nepec
A luta antirracista e as ações educativas tornadas obrigatórias pela Lei 10.639/03 devem estar presentes no cotidiano da militância social e acadêmica, tendo desdobramentos em muitos espaços. No caso particular, estamos tratando do ambiente universitário e sua necessária articulação com o território que o envolve e os sujeitos que nele habitam. Para tanto, o NEPEC/UFCG busca congregar interessados em estudos e pesquisas que tenham como eixo principal as reflexões acerca das comunidades quilombolas, comunidades de terreiro, povos indígenas/originários, comunidades ciganas e povos do campo do semiárido. A criação do NEPEC/UFCG abre um espaço de cunho acadêmico no território do semiárido para as pesquisas sobre a questão étnico-racial, etnogênese, relações sociais e etnicidade de povos originários e comunidades tradicionais, bem como as formas pelas quais estes coletivos sociais experimentam e praticam seus territórios, suas religiosidades e se organizam politicamente em busca dos seus direitos sociais e epistêmicos.
O marco de início das atividades do NEPEC/UFCG no cariri paraibano foi o ano de 2015 com as pesquisas nas comunidades remanescentes de quilombo Área de Verão, Sussuarana e Vila Teimosa no município de Livramento-PB, que até então eram as únicas comunidades que já possuíam o certificado de auto reconhecimento emitido pela Fundação Cultural Palmares no cariri. A pesquisa em Livramento-PB resultou em dois trabalhos monográficos: 1) “Antropologia e Direito: realidades fundiárias nas comunidades quilombolas de Livramento-PB” (DINIZ, 2018); 2) “Memórias de velhos no quilombo de Vila Teimosa” (SILVA, 2018). Em 2016, iniciamos trabalho de campo no município de Serra Branca-PB nas comunidades Cantinho, Lagoinha e Ligeiro de Baixo, impulsionado por relatos orais na região que identificavam essas comunidades como reconhecidamente localidades ocupadas por pessoas negras. Devido a extensão do trabalho de campo em Serra Branca, que ainda não foi concluído por se tratar de três comunidades, elegemos inicialmente a comunidade de Lagoinha para aprofundar a pesquisa, que resultou no trabalho monográfico intitulado “Meu barro é de Lagoinha: trajetórias de vida e experiências cotidianas das mulheres quilombolas” (MEDEIROS SILVA, 2018). Já em 2019, iniciamos uma ação de extensão/pesquisa na Comunidade Quilombola Cacimba Nova no Município de São João do Tigre.
O objetivo dessa ação na comunidade Cacimba Nova, foi trabalhar com contação de histórias a partir das memórias dos morados sobre a origem e o processo de ocupação do território no qual a comunidade está inserida. Um material fruto dessa atividade foi um curta metragem produzido pelos membros do NEPEC/UFCG dentre eles, Josiel Alves e Edneide Elisbão, que são da Comunidade Cacimba Nova. O vídeo, um curta, está disponível no canal do youtube do núcleo através do link - https://www.youtube.com/watch?v=FuEmvUJLfY8.
Para além das pesquisas de campo desde sua institucionalização, o NEPEC/UFCG realiza no mês de novembro o Seminário Novembro Negro no Cariri Paraibano-SNNCP, em alusão ao novembro de luta antirracista, bem como ao Dia Nacional da Consciência Negra instituído pela Lei 10.639/03, celebrada em 20 de novembro. Ao longo dos anos SNNCP tem colocado em pauta a luta antirracista e a importância da história e cultura africana e afro-brasileira para o território do semiárido através das atividades que inspiram a luta, resistência e principalmente contribuindo com abertura do espaço acadêmico para as vozes do povo negro desse espaço-território que historicamente tem sido os sujeitos silenciados.
Dentro da programação do evento temos: mesas redondas para debater temas relacionados a questões fundamentais a luta antirracista; o ‘Cine Quitéria’ que leva o nome de Dona Quitéria (in memoriam), mulher negra quilombola, matriarca da família da Comunidade Quilombola do Ligeiro de Baixo - Serra Branca/PB, e referência na produção louça do cariri paraibano. O Cine Quitéria exibe curtas-metragens, documentários, objetivando romper com as barreiras imposta na indústria cinematografia, expandindo e refletindo sobre a diversidade de narrativas do povo preto no audiovisual; o Prêmio Acotirene que já está na sua terceira edição, busca homenagear lutadoras/lutadores que em suas trajetórias ao longo de suas caminhadas tem contribuiu de forma inestimável para a representação do povo negro; Lançamento de livros e para finalizar o SNNCP é realizada a última atividade nomeada de xirê, em referência ao termo Yoruba que significa roda/encontro, realizado com o público presente e tendo caráter festivo, momento de interação, troca de experiências entre as comunidades quilombolas da região do cariri e de outras partes da Paraíba, comunidade acadêmica e demais participantes.
Com o início da pandemia da Covid-19 (março/2020) e a suspensão das atividades presenciais, o NEPEC/UFCG passou a realizar seus encontros através de plataformas digitais. Até novembro/2020, estivemos dedicados em planejar a VI versão do Seminário Novembro Negro no Cariri Paraibano, cujo tema escolhido foi ‘Ancestralidade, condições de vidas, e projeto social de futuro para o povo negro’, que teve suas atividades transmitidas por meio do canal do grupo no YouTube - https://www.youtube.com/channel/UChFzkpcWQ9uggQKuV8WyJPA -, excepcionalmente no ano passado, fizemos o evento durante quatro dias intercalados, aberto ao público, contamos com a participação de pessoas de diversas regiões do país. Se você tem interesse em assistir o evento, todo o material está disponível no canal youtube.
O canal do youtube conjuntamente com a Revista Cadernos de Ciências Sociais - http://revistas.ufcg.edu.br/cadernos-ciencias-sociais/index.php/CCS/index - são estratégias adotadas para divulgar, democratizar e ampliar o alcance dos debates promovidos pelo NEPEC/UFCG. Outra ação no meio virtual/digital a partir do canal, foi a série ‘Diário de Campo em tempos de Pandemia’, com o contexto pandêmico os integrantes do Núcleo realizaram conexão com as comunidades quilombolas e outros agentes sociais, trazendo através dos relatos orais, suas experiências, desejos, sentimentos e fatos do cotidiano, resultando em vídeos publicados no canal do Núcleo. Na mesma linha de estratégica da produção dos vídeos, o Núcleo também fez o lançamento no ano de 2020 do PODCAST ‘Um Sorriso Negro’ - https://anchor.fm/umsorrisonegro -, ocupando assim, mais esse espaço das mídias digitais. O podcast busca compartilhar informações sobre a população preta, dando visibilidade as suas demandas sociais, suas reflexões políticas, produção intelectual e cultural.
Nos despedimos dos/as leitores/as após essa breve apresentação do NEPEC/UFCG e de suas ações acadêmicas, registrando que devemos lutar diariamente a partir dos espaços sociais que ocupamos, fortalecendo redes intelectuais, de cuidado, afetos, portanto, redes sociopolíticas, sobretudo, em contexto em que somos desmerecidos, menosprezados, silenciados, mortos e mutilados por uma tecnologia de exercício do poder chamada racismo. Como nos lembra bell hooks (2019) a luta antirracista é uma luta de todas e todos.
REFERÊNCIAS
DINIZ, Wagner Berto dos Santos. Antropologia e Direito: realidade fundiária nas Comunidades Quilombolas em Livramento – PB. Monografia (Graduação em Ciências Sociais). Unidade Acadêmica de Ciências Sociais-UACIS/CDSA, Universidade Federal de Campina Grande. Sumé-PB, 2018.
GOMES, Nilma Lino. A questão racial na escola: desafios colocados pela implementação da Lei 10.639/03 In: MOREIRA, Antônio Flávio; CANDAU, Vera Maria (Orgs.). Multiculturalismo: Diferenças Culturais e Práticas Pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 2008.
HOOKS, bell. Ergue a voz: pensar como feminista, pensar como negra. São Paulo: Elefante, 2019.
MEDEIROS SILVA, Rosana de. Meu barro é de Lagoinha: trajetórias de vida e experiências cotidianas de mulheres quilombolas. Monografia (Graduação em Ciências Sociais). Unidade Acadêmica de Ciências Sociais-UACIS/CDSA, Universidade Federal de Campina Grande. Sumé-PB, 2018.
SILVA, Jéssica Kallyne Arruda. Memória de velhos no quilombo Vila Teimosa. Monografia (Graduação em Ciências Sociais). Unidade Acadêmica de Ciências Sociais-UACIS/CDSA, Universidade Federal de Campina Grande. Sumé-PB, 2018.
* Membro do NEPEC/UFCG, graduado em Ciências Sociais e mestrando em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia – ProfSocio/CDSA/UFCG.
** Membro do NEPEC/UFCG, graduada em Ciências Sociais e mestranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia – ProfSocio/CDSA/UFCG.
*** Coordenador do NEPE/UFCG, Doutor em Ciências Sociais, docente da área de Antropologia da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais – UACIS/CDSA/UFCG e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – ProfSocio/CDSA/UFCG.
Edição: Heloisa de Sousa