Há exatamente 01 ano, no dia 26 de março de 2020, era confirmado o primeiro paciente com Covid-19 no Brasil, um homem de 61 anos que retornara da Itália. Atualmente, já são mais de 250 mil mortos e presenciamos o momento mais tenebroso da pandemia: ontem tivemos a pior média diária de mortes no Brasil (1.541 óbitos). No início de janeiro, atingíamos a triste marca de 200 mil mortos e, de lá para cá, em pouco mais de 45 dias, já se foram mais de 50 mil vidas. Isso demostra, cabalmente, a gravidade do momento, cuja responsabilidade do governo federal é inquestionável.
Visando enfrentar a disseminação de fake news e desinformação (inclusive por parte do presidente da República) que alimentam um movimento negacionista antivacina e pioram a crise sanitária, daremos continuidade ao esforço de informar os fundamentos científicos que legitimam a utilização das vacinas no combate à pandemia da Covid-19.
Não há relatos de maiores preocupações de segurança, embora todas possam provocar efeitos adversos em alguma medida (febre, calafrios, dor de cabeça, fadiga, dor no corpo e nas articulações)
No texto anterior, descrevemos o passo a passo do desenvolvimento da pesquisa científica de uma vacina e as características do vírus SARS-CoV-2 que balizaram tais pesquisas. Agora, trataremos das principais informações que se tem sobre as duas vacinas adquiridas pelo Brasil até o momento.
A Coronavac
Comecemos pela Coronavac, a primeira a ser utilizada aqui. Trata-se de uma vacina de vírus inativado. Tal tecnologia envolve o crescimento de SARS-CoV-2 em laboratório; em seguida, o vírus é inativado quimicamente através de uma substância chamada hidróxido de alumínio, impedindo que tal vírus possa infectar as células humanas quando a vacina é administrada.
Porém, o nosso sistema imune “interpreta” que está sob ataque ao identificar as proteínas da superfície do vírus circulando em nosso corpo e passa a produzir anticorpos contra ele. A resposta imune terá como alvo não apenas a proteína S, mas outros componentes do vírus. Assim, a pessoa, se exposta ao vírus que circula no ambiente, já terá os anticorpos de defesa contra ele e não será infectada ou, pelo menos, se infectada, não terá formas graves.
Essa tecnologia é a que o Brasil domina há muitos anos e seus princípios são aplicados a muitas outras vacinas, como a da poliomielite e a da hepatite A. O desenvolvimento da Coronavac envolveu um ensaio clínico randomizado de fase I / II controlado por placebo com 744 voluntários na China ainda no primeiro semestre de 2020. Nele, a vacina se mostrou segura e imunogênica em indivíduos saudáveis com idade entre 18 e 59 anos, o que motivou que o Instituto de Pesquisa Butantã de São Paulo firmasse uma parceria com o laboratório chinês responsável (o Sinovac) para desenvolver um estudo de fase III, cujos resultados foram divulgados no início de janeiro.
Tais resultados mostram uma eficácia de 50,4%, ou seja, cerca de metade das pessoas expostas ao vírus não desenvolvem a doença. Nos indivíduos que desenvolveram sintomas, verificou-se que, entre os vacinados, a chance de necessitar de assistência médica de qualquer tipo, até a mais básica, foi 78% inferior a quem recebeu placebo.
Ou seja, a vacina, quando não impede a infecção, faz com que a doença, na maioria dos casos, seja um quadro classificado como muito leve, e, nos demais casos, um quadro leve que necessita de assistência básica. Nenhum indivíduo vacinado desenvolveu formas moderadas ou graves que necessitasse de hospitalização ou UTI, embora sejam necessários mais estudos para confirmar tal tendência. Não foram identificados efeitos adversos graves.
Assim, em 17 de janeiro, a Coronavac obteve autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para uso emergencial. Ela também já está sendo largamente utilizada na China. Ela deve ser administrada por via intramuscular em duas doses com 28 dias de intervalo.
Em teoria, a vacina não teria risco de causar infecção em pessoas imunodeprimidas (isto é, pessoas cujo sistema imune é frágil) ou em gestantes, por se tratar de vírus inativado, mas é necessário o desenvolvimento de estudos a esse respeito. Até lá, nesses grupos específicos, a vacinação deve ser uma decisão compartilhada entre profissional de saúde e paciente.
A vacina de Oxford
A vacina desenvolvida em associação entre Universidade de Oxford (Inglaterra), o laboratório farmacêutico AstraZeneca e o Instituto Serum da Índia é denominada ChAdOx1 nCoV-19/AZD1222. Aqui, vamos nos referir a ela simplesmente como a vacina de Oxford, cuja aquisição das primeiras doses pelo Ministério da Saúde ocorreu recentemente e envolve a transferência de tecnologia para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para produção em solo nacional a partir do segundo semestre de 2021.
Sua tecnologia é baseada em um vetor não-replicante: utiliza-se um vírus incapaz de se multiplicar no organismo humano e distinto daquele que ser quer prevenir para que funcione como vetor, ou seja, projetado para expressar a proteína viral que é o alvo imune pretendido.
No caso, o vetor é um adenovírus que infecta chimpanzés (portanto, incapaz de se replicar em humanos) modificado geneticamente para apresentar, em sua superfície, a proteína S do coronavírus e, assim, estimular o sistema imune a produzir anticorpos contra essa proteína. Assim, se a pessoa for exposta ao SARS-CoV-2, a pessoa já terá a defesa contra a proteína viral responsavel pela infecção. Os mesmos princípios dessa tecnologia também são aplicados no desenvolvimento de outras vacinas, como a vacina russa Sputinik V, da qual não trataremos aqui.
A administração da vacina se dá por via intramuscular em duas doses com 28 dias de intervalo (na Inglaterra está sendo testada também em dose única). Resultados provisórios de ensaio clínico randomizado de fase III realizado em diversos países com mais de 11.000 voluntários apontam 70,4% de eficácia na prevenção de COVID-19 sintomática a partir do 14º dia após a segunda dose.
Entre os efeitos adversos, os ensaios de fase I/II mostraram que fadiga, dor de cabeça e febre foram relativamente comuns após a vacina, mas geraram limitações às atividades diárias em apenas 8%. No ensaio de fase III, foi registrado apenas um único caso, entre mais de 11 mil indivíduos, de uma doença chamada mielite transversa possivelmente relacionada à vacinação, porém novos estudos são necessários. Tais dados indicam que a vacina é segura.
Recentemente, diversos países da União Europeia anunciaram a intenção de não adquirir mais a vacina por não haver dados a respeito de sua eficácia e segurança em idosos. Todavia, considerando que os estudos de fase III ainda estão em andamento, e que os primeiros ensaios comumente contemplam apenas adultos entre 18 e 55 anos, é preciso ter cautela ao interpretar a atitude de tais governos.
Idosos, assim como crianças, adolescentes e gestantes, usualmente só entram em estudos clínicos quando se tem segurança comprovada em adultos. A ausência de dados não significa, necessariamente, que a vacina seja ineficaz ou insegura. À primeira vista, a decisão de tais governos parece passar por outras razões, incluindo atritos políticos envolvendo a recente saída do Reino Unido da União Europeia.
Para finalizar, é preciso relembrar que há muitas outras vacinas em desenvolvimento, algumas já na fase III de estudo clínico e outras que já tiverem seu uso emergencial liberado em outros países. O importante é destacar que, até agora, todas essas vacinas demonstraram capacidade de gerar resposta imune em testes humanos de fase inicial, comparando os níveis de anticorpos com os de pacientes que já tiveram Covid-19.
Não há relatos de maiores preocupações de segurança, embora todas possam provocar efeitos adversos em alguma medida (febre, calafrios, dor de cabeça, fadiga, dor no corpo e nas articulações), problemas que, no máximo, limitam a atividade cotidiana.
A ausência de dados não significa, necessariamente, que a vacina seja ineficaz ou insegura
É verdade que estudos completos são necessários para avaliar criticamente o impacto e a segurança das vacinas (incluindo eventuais efeitos adversos graves supostamente atribuíveis a elas), bem como a durabilidade do efeito protetor. Mas até agora não há evidência de que alguma delas deva ser vetada. Portanto, não há razão para seguir acreditando em fake news e teorias conspiratórias.
É preciso buscar fontes seguras de informação, com credibilidade científica, renomadas nacional e internacionalmente, como é o caso da Fiocruz e do Instituto Butantã. Não se deixe enganar, não deixe de se vacinar: esse é um direito de cada cidadão brasileiro.
*Henrique Medeiros É Médico de Família e Comunidade; Professor da UFCG; Doutorando em Saúde Pública pela Fiocruz
Edição: Cida Alves