Paraíba

DISCURSO DE ÓDIO

Sala virtual para defesa de mestranda da UFPB é atacada por hackers

Apresentação de projeto sobre discriminação contra a mulher foi invadido com imagens nazistas e discurso de ódio

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Ilustração - Foto

Era para ser mais uma banca de defesa do Mestrado de Jornalismo da UFPB nesta última quinta-feira (25). A professora Glória Rabay acabara de abrir a sala no Google Meet onde cerca de seis pessoas assistiam ao início da apresentação da aluna Camila Bezerra, cujo projeto de Mestrado trata da rotina das mulheres no fazer jornalístico na Paraíba.

Logo no início da sua exposição, a sala foi rapidamente invadida por hackers que tomaram a gerência da plataforma, de modo que a professora não conseguia mais desligar microfones, mudar imagens ou tirar as pessoas da sala.

“Eles passaram a nos insultar e ameaçar com palavras, imagens e sons de violência. Eram imagens de soldados, guerra, fuzilamento, pessoas machucadas, ao mesmo tempo, som de grito, confusão e guerra”, conta a professora Glória.

Imediatamente, ela foi para o chat pedir que as pessoas desligassem e saíssem da sala, mas o “Bonde do Javali” - assim se identificaram os hackers - inundou o espaço com textos sequenciais para impedir que a professora pudesse escrever alguma coisa.

Os tais textos são de ameaças às/os ativistas dos Direitos Humanos, feministas e pessoas LGBT:

“ꖦ BONDE DO JAVALI ꖦ SEUS COMUNISTAS VIADOS, PRIMEIRAMENTE DIREITOS HUMANOS É O CARALHO, VIADO E FEMINISTA TEM QUE MORRER À PEDRADA IGUAL NA ARÁBIA SAUDITA, VIADO NEM É SER HUMANO, TINHAM QUE COLOCAR OS GAYS EM CAMPO DE CONCENTRAÇÃO E MATAR NA FORNALHA PRA GERAR COMBUSTÍVEL, SÓ PRA ISSO QUE SERVEM. SE TENTAR VIR ATRÁS DIVULGAREMOS IP,CPF E OUTROS DADOS DE VOCÊS SE BANDIDO ASSALTA TEM QUE COMER A PRÓPRIA MÃO COMO PUNIÇÃO SE NÃO LEVA TIRO NA CARA, SÓ ASSIM O BRASIL VAI PRA FRENTE”.

'O que eles querem é amedrontar'

“É tudo muito rápido, não dá tempo nem da gente pensar. Eu nunca esperava uma situação dessas, então não sabia o que fazer. Aliás, não desliguei nada. Não sei se afetou as minhas máquinas”, reflete Glória.

Segundo ela, a divulgação foi feita apenas para a banca avaliadora, Coordenação do Mestrado e para a aluna. No entanto, é protocolar e obrigatório que a apresentação de Mestrado seja um evento público, para dar transparência à titulação do/a aluno/a. 

Camila Bezerra, estudante do Mestrado em Jornalismo, estava apresentando a dissertação “Não tenho medo de dar opinião’: A mulher jornalista na editoria de política em João Pessoa sob uma perspectiva de gênero”, quando percebeu que algumas pessoas que ela não conhecia estavam entrando na sala. Ela imaginou que poderiam ser pessoas do PPJ (Programa de Pós-Graduação em Jornalismo) que, porventura, acharam o seu tema interessante.

“Nunca imaginei que isso poderia acontecer, um ataque de ódio tão gratuito como foi esse. Eu estava apresentando a minha dissertação, fruto dos meus anos no mestrado, do meu estudo, da minha pesquisa e, do nada, aparece esse tipo de gente pra propagar um discurso de ódio. Fiquei com muito medo, seja da minha segurança, da segurança das professoras ou da minha família porque imagina se esses grupos, cheios de ódio, levam esse tipo de ação para o mundo real, o que aconteceria se essa apresentação tivesse sido feita presencialmente e eles chegassem lá? Aconteceu no mundo virtual, mas as feridas são muito reais.”

Para Glória Rabay, a situação é sintomática no país: “É uma sensação muito ruim porque a gente tem a verdadeira dimensão de como esta direita violenta e cheia de ódio está tomando posse e invadindo uma sala de aula, tentando amedrontar pessoas que trabalham com certas temáticas na Academia. Sim, porque não era um evento de movimento social, era uma pesquisa que falava sobre os direitos das mulheres. Então, o que eles querem é amedrontar, mostrar força e poder”, pondera ela.

E não tem jeito, uma hora a revolta bate diante da violência: “Chorei, me senti impotente no meu ambiente de trabalho, invadida por um grupo de ódio. Tive essa reação de chorar, mas, na sequência, eu fiquei pensando que era um grupo de inconsequentes e confesso que até minimizei o acontecido, mas outras pessoas de movimentos e da própria Universidade começaram a falar comigo; foi aí que caiu um pouco mais a ficha do tamanho da violência que eu vivi”.

Bonde do Javali assina como grupo organizado 

Outras pessoas sofreram ataques virtuais na UFPB, assim como houve ataques em plenária da Campanha Lula Livre há cerca de quatro meses, nos mesmo moldes do que aconteceu na defesa do Mestrado de Camila Bezerra.

Numa rápida pesquisa na internet, encontramos várias referências ao tal “Bonde do Javali”. Eles invadem reuniões atacando grupos LGBT, feministas, de combate ao racismo e de partidos de esquerda. A tática é a mesma: imagens de violência, incendiando bandeiras LGBT, de fuzilamento, da suástica e de Adolf Hitler. 


Várias reportagens apontam para o mesmo grupo criminoso / Compilação

“A milícia bolsonarista e os ‘soldados’ da extrema direita seguem bastante instrumentalizados e sem nenhum pudor ético para continuar fazendo esse tipo de ataque também nos espaços da rede. Nós mulheres e do Movimento Feminista temos muitos desafios para lidar com essa guerra que eles imprimem. Saber desse fato dentro de uma atividade do Curso de Comunicação também nos convoca a avançar na reflexão critica, de capacitação e construção de estratégias de segurança e democratização da comunicação popular, antirracista e antifascista”, destaca  Joana D'Arc da Silva, da Cunhã Coletivo Feminista.

Nesta segunda-feira (01), haverá uma reunião do colegiado do Mestrado, onde a professora Glória pretende tomar as medidas cabíveis e fazer denúncia à Polícia Federal, seja de forma individual ou através da Coordenação do curso.

Leia a Nota de repúdio emitida pela Direção do Centro de Comunicação, Turismo e Artes  (CCTA) da UFPB:

Nota de repúdio aos ataques de hackers sofridos por mestranda do PPJ durante defesa de Dissertação  

 

Edição: Henrique Medeiros e Maria Franco