Todos os dias pela manhã, Maria Santana das Neves, de 57 anos, sai de casa e percorre as ruas de Campina Grande revirando lixeiras a procura de materiais recicláveis. Mesmo durante a pandemia de Covid-19, o trabalho de catadora segue como única fonte de sustento da moradora do bairro do Pedregal. Assim como milhares de brasileiras e brasileiros, Dona Santana – como é chamada por amigos e vizinhos – não teve acesso a nenhum auxílio público ou governamental por um simples porém grave motivo: falta de documentos.
Essa realidade, porém, começou a mudar no segundo semestre de 2020, quando Santana começou a participar das atividades dos Agentes Populares de Saúde em Campina Grande. Além das orientações sobre prevenção e combate ao novo coronavírus, também recebeu o apoio do grupo de agentes que atua no Pedregal e, na última quinta-feira (25), conseguiu a nova via da certidão de nascimento.
Nascida em Juazeirinho, Santana conta que deixou a cidade aos dez anos de idade, após perder a mãe e o pai. Na bagagem para Campina Grande levou apenas poucas roupas e a certidão de nascimento, mas o documento se perdeu em alguma das mais de dez mudanças de casa que foi obrigada a fazer ao longo da vida.
“Eu não sei nem falar da emoção que é conseguir esses papéis. Há muito tempo que eu estava atrás disso mas não conseguia. Você não imagina a falta que faz. Até em hospital eu deixei de ser atendida. Quando chegava lá sem documento era um problema. Pra tudo tinha que usar o documento do marido”, recorda a catadora.
Integrante da Campanha Mãos Fraternas e responsável pela formação dos Agentes Populares de Saúde no bairro do Pedregal, a professora universitária Luciana Leandro acompanhou de perto todo o processo e foi com Santana até o cartório para pegar a certidão. Segundo ela, a história da catadora é simbólica e representa o drama atual de milhares de pessoas no país.
“Conhecemos a Dona Santana ano passado, quando começamos a formação dos agentes com a comunidade de catadores do Pedregal. Desde então estamos com ela nessa luta. Logo que começamos a trabalhar com a comunidade de catadores, percebemos que, de um modo geral, é um pessoal que enfrenta não só a exposição diária a problemas de saúde, mas também a falta de assistência e de políticas públicas. Essas pessoas estão enfraquecidas desde coisas muito básicas, como é o caso de Dona Santana. E na sequência todos os outros direitos vão tolhidos: saúde, educação, renda básica, moradia… Dona Santana faz parte de um grupo enorme de brasileiros que são deixadas à mingua, que não entram nas estatísticas, como se não existissem. Tirar a certidão é um pequeno passo, mas é também um passo importante para a conquista de dignidade”, conclui Luciana.
Com a certidão em mãos, Santana explica animada que está com uma cirurgia no olho marcada para o próximo mês e que pretende começar a estudar.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 3 milhões de brasileiros não tem registro de nascimento. Na região nordeste o número chega a 828 mil.
Edição: Cida Alves