Cerca de 42 milhões de pessoas, 1 em cada 9, podem estar passando fome nos EUA devido à pandemia.
Por Paola Aparecida Azevedo de Souza*
Um ano após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar o início da pandemia de Covid-19, os Estados Unidos são o país com o maior número de casos pelo coronavírus no mundo, registrando mais de 30 milhões de infectados e meio milhão de mortos. Contudo, com o avanço da vacinação, o número de óbitos e de novos casos tem diminuído significativamente. Com apenas 58 dias de mandato, Joe Biden conseguiu cumprir, antes do prazo, a meta de vacinar 100 milhões de cidadãos nos primeiros cem dias de governo.
Apesar disso, os problemas que emergiram durante a crise no país ainda estão longe de serem resolvidos. A pandemia impactou, de forma significativa, diversos setores da sociedade, colocando em vulnerabilidade milhões de pessoas em uma das nações mais ricas do mundo. Segundo dados divulgados pela organização Feeding America, cerca de 42 milhões de pessoas, uma em cada nove, podem estar passando fome nos Estados Unidos devido à pandemia.
Mesmo antes da chegada do coronavírus ao país, o número de pessoas em insegurança alimentar era significativo. De acordo com o último levantamento feito pelo Departamento de Agricultura americano (USDA), 10,5% das casas registravam algum nível de insuficiência na variedade de alimentos consumidos. Dentre esses, mais de 4% das famílias encontravam-se em um nível mais severo de insegurança; isso significa a necessidade de pular refeições ou até mesmo ficar sem alimentação por dias inteiros em consequência da falta de recursos.
Em meio a tantos famintos, os Estados Unidos mantêm-se como um dos países que mais desperdiça alimentos no mundo. A perda de alimentos atinge todas as fases do setor produtivo, mas os maiores índices de perda são registrados no âmbito doméstico, em redes de supermercados e restaurantes. Conforme o USDA, 40% de todos os alimentos disponíveis no país são desperdiçados e, destes, 31% são perdidos quando chegam ao consumidor final.
O relatório de Índice de Desperdício de Alimentos, apresentado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), estima um desperdício anual de 931 milhões de toneladas de alimentos todos os anos no mundo todo, uma média de 74 kg de desperdício per capita. Nos Estados Unidos, o nível de desperdício doméstico chega a 54 kg por pessoa, cerca de 20 milhões de toneladas por ano. Todavia, quando levamos em consideração que grande parte da alimentação dos americanos é feita fora de casa, esse número aumenta significativamente. Uma média entre as perdas domésticas e das redes de serviço de alimentação chega a 123 kg por habitante todos os anos.
Além disso, o fechamento de restaurantes, hotéis e instituições de ensino contribuiu para uma queda significativa na compra das produções agrícolas do país, causando um aumento na perda de alimentos. Durante os primeiros meses de pandemia, com os bloqueios à circulação e fechamento total dos estabelecimentos, muitos agricultores encontraram-se sem compradores para uma parte considerável de suas produções.
Em todos os estados do país foram registradas perdas de quase toda a produção de alguns alimentos. Nos estados de Wisconsin e Ohio, fazendeiros derramaram milhares de galões de leite fresco, pronto para o consumo, que não tinham mais destino. Segundo a cooperativa Dairy Farmers of America, durante o final do mês de março e começo de abril de 2020, 3,7 milhões de galões de leite foram desperdiçados por dia.
Fazendeiros apontaram, também, dificuldades para conter a produção de milhares de porcos e aves, os quais foram abatidos em câmaras de gás e com tiros na cabeça em virtude da drástica diminuição na capacidade de consumo e transporte. Estimativas apontam a perda de mais de meio milhão de animais com o fechamento de fazendas e frigoríficos.
Os altos custos de transporte e a falta de apoio financeiro governamental impediram que grande parte desses alimentos desperdiçados fosse destinada aos bancos de alimentos, que chegaram a ter filas quilométricas de pessoas precisando de ajuda. Portanto, é possível perceber que nem uma superpotência como os Estados Unidos foi capaz de frear os impactos da pandemia. Em um país com mais de 40 milhões de pessoas em vulnerabilidade alimentar, notícias sobre o desperdício de toneladas de alimentos todos os anos e, também, em um cenário tão difícil como o atual, causam revolta.
*Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (fomeri.org) da UFPB.
Edição: Cida Alves