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Racismo recreativo e o privilégio branco no BBB-21

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Reprodução - Globoplay
É o pacto narcisista da branquitude que possibilita cometer racismo sob pretexto de que 'não sabia'.

Por Danilo Santos da Silva*

O Big Brother Brasil (BBB), como um laboratório social, nunca proporcionou tantas discussões polêmicas como na sua 21ª edição. Até pouco tempo, temas como racismo, homofobia, machismo eram inconcebíveis de emergirem no horário nobre da televisão brasileira.    

No último sábado, veio à tona outra discussão polêmica, dessa vez relacionada com a estética do cabelo Black Power. O cantor sertanejo Rodolffo Matthaus comparou o cabelo do Professor João Luiz com o cabelo do “homem das cavernas”, que representa um exemplo de cabelo feio e sujo, uma expressão do racismo estrutural em sua versão recreativa.     

Esse tipo de comparação encobre a hostilidade racial por meio do humor perverso que menospreza e destrói a autoestima de mulheres e homens negros na sociedade brasileira. Ao longo da vida, pessoas como o professor João Luiz são levadas a indagar a sua própria estética e a ter que conviver com os traumas provenientes dos danos desse humor perverso, que atingem, principalmente, a sua saúde mental.

De maneira cotidiana, a população negra tem sua estética ridicularizada, mas, quando questiona essa prática, diz-se que foi erro de interpretação, coisas da sua cabeça. Cada vez mais, tem sido alegado que as pessoas negras deveriam ter mais paciência para ensinar as pessoas brancas, como se isso já não fosse feito há séculos no Brasil.

O próprio Rodolffo Matthaus criou uma narrativa de homem simples e xucro, que não teve acesso a informação. Essa narrativa foi utilizada para justificar sua postura diante do episódio envolvendo João Luiz. A todo momento, tentou convencer que não existiu nada errado no seu comentário, inclusive usou o argumento de que seu cabelo e do seu pai “não são dos melhores”; ainda no jogo da discórdia, reafirmou a comparação e, no decorrer dos dias que antecedeu a sua saída do programa, insinuou que o professor teria feito isso de caso pensado, como estratégia de jogo.     

Qual é a dificuldade que uma pessoa tem de entender que ridicularizar o cabelo de alguém vai mexer com sua autoestima? Qual a dificuldade de reconhecer que suas posturas podem causar dor no outro? Essa coisa de dizer que a população negra não quer ensinar é exatamente o argumento de quem não quer aprender.

Dentro da trajetória do programa, o tema do racismo tem sido abordado de maneira constante: na edição de 2018, a discussão foi puxada por Gleice Damasceno, Nayara de Deus e Viegas; em 2019, por Rodrigo França, Gabi Hebling e Rízia Cerqueira; em 2020, por Babu Santana e Telma Regina. Digamos, numa situação hipotética, que, nesse período, um grupo de pessoas só acompanhou o Big Brother Brasil e mais nenhum outro veículo de comunicação que tratasse da questão racial. Se essas pessoas realmente tivessem a intenção de aprender, teriam um acúmulo importante referente à temática abordada, só assistindo o BBB.

Dessa forma, a população negra tem pautado a questão racial e suas consequências para a sociedade brasileira em todos os âmbitos, inclusive a partir do reality show.

O problema não é a falta de vontade de ensinar, mas, sim, a falta de vontade de aprender. Dentro do programa, tivemos iniciativas voltadas para a constituição de aprendizagem antirracista: no BBB19, Rodrigo França tinha uma postura pedagógica, um discurso muito didático, foi classificado de chato; no BBB20, Babu Santana tinha uma postura educativa, foi considerado como uma pessoa rude e monstro. 

A edição atual (BBB21) nos apresentou dois modelos: um mais conceitual e afrontoso através de Lumena Aleluia, que acabou sendo rotulada como revoltada, e outro mais pedagógico e conciliador, através de Camila de Luca e do João Luiz, os quais estão sendo denominados de oportunistas.

Como podemos perceber, quando se trata de reconhecer as consequências do racismo na vida da população negra, não importam as estatísticas, os fatos, os argumentos e, tampouco, a forma como as pessoas negras expõem suas dores, porque o que prevalece é o pacto narcisista em prol dos privilégios brancos.

Em pleno século XXI, é o pacto narcisista da branquitude que possibilita cometer racismo sob o pretexto de que "não sabia", de que "não tinha intenção". Dentro dessa perspectiva, o mesmo discurso que pede paciência com o cantor Rodolffo Matthaus não tem qualquer empatia com as lágrimas do professor João Luz, que teve sua autoestima destruída e ainda foi acusado de ser "vitimista" e de estar fazendo “mimimi”.  

A sociedade brasileira responsabiliza a população negra de não ensinar os racistas a serem antirracistas, um paradoxo. É como se as mulheres e homens negros tivessem que ser poliglotas dentro do mesmo idioma, tivessem que estar agindo com muito cuidado e sempre explicar o óbvio para pessoas que, na verdade, não querem aprender, só pretendem manter privilégios brancos em detrimento da população negra. 

Nesse sentido, como diria Kabenguele Munaga, “o racismo no Brasil é um crime perfeito”, faz com que a sua vítima se sinta culpada por estar sofrendo, denunciando o racismo, uma tecnologia complexa e potente nos dias atuais.  

 

*Pesquisador colaborador do NEABI, 
Assessor de Projetos do Fundo Brasil de Direitos Humanos e 
Ativista do Movimento Negro.
 

Edição: Heloisa de Sousa