As consequências da infecção pelo SARS-CoV-2 deveriam acabar em duas semanas. Mas não é bem assim!
Durante os 14 dias de plena atividade de sua virulência, o SARS-CoV-2 costuma chegar aos pulmões produzindo a chamada tempestade de inflamação, comprometendo a capacidade respiratória e, na sua forma mais grave, remetendo o paciente para o oxigênio, para o tubo, para a UTI.
A visita do vírus ao interior dos vasos sanguíneos vai promover microtromboses num pulmão já devidamente comprometido e a associação desses dois eventos tem alimentado, com muita força, as estatísticas de mortalidade pela Covid-19.
Considerando que 14 dias é, também, o tempo do poder de transmissibilidade, teoricamente, as consequências da infecção pelo SARS-CoV-2 deveriam acabar em duas semanas.
Mas não é bem assim!
A capacidade do coronavírus de passear com desenvoltura por quase todos os órgãos que compõem nossa estrutura orgânica deixa rastros patogênicos que vão produzir, nos dias seguintes à fase aguda da infecção, um conjunto de sintomas, interferindo, muitas vezes, na rotina laboral e social do paciente.
No sistema musculoesquelético, dores e fadiga muscular chegam juntas ao cansaço respiratório e se constituem nos sintomas mais prevalentes do período pós-atividade virulenta do SARS-CoV-2. Acrescentando que os pequenos esforços costumam comprometer, mais ainda, a capacidade física e respiratória da pessoa, a qual já sofreu com a febre, a tosse, a dispneia (falta de ar) e as alterações do paladar e olfato, sinais clínicos característicos da fase aguda da Covid-19.
Cefaleia (dor de cabeça), tontura, déficit de memória, confusão mental e dificuldade de concentração são alterações de fundo neuropsíquico e estão, também, inseridas no contexto da sintomatologia pós-Covid. Para driblar a chamada barreira hematoencefálica, estrutura que atua como um escudo protetor do Sistema Nervoso Central (SNC) contra agentes nocivos, os cientistas acreditam que o SARS-CoV-2 está chegando ao SNC pelo corredor da mucosa nasal, explicando, inclusive, a manutenção de alterações do olfato durante vários dias (às vezes semanas) após o período agudo. Estudo desenvolvido nos EUA, México e Suécia com 48 mil voluntários constatou, além dos sinais clínicos já referidos, a ocorrência de Acidentes Vasculares Encefálicos (AVE’s), convulsões, delírios e psicose naqueles pacientes que haviam apresentado a forma mais grave da Covid-19.
O desconforto do paciente pós-período infeccioso segue, muitas vezes, vinculado ao aparelho digestivo, com diarreia, náuseas, vômitos e dor abdominal. No sistema urinário, sangramentos, perda de proteínas e até insuficiência renal aguda têm sido relatados por infectados que desenvolveram a forma leve, moderada ou grave da doença.
Já o coração sofre com arritmias, miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e insuficiência cardíaca em alguns pacientes que já ultrapassaram os 14 dias do processo infeccioso.
Vale registrar também a ocorrência de urticárias e petéquias (pequenas hemorragias), além de eritemas (manchas avermelhadas) disseminados em áreas extensas da pele. No fígado, os rastros deixados pelo vírus são observados através do aumento importante das bilirrubinas e transaminases (proteínas que, quando elevadas, indicam lesão hepática).
Uma das curiosidades dessa pandemia é a resistências das crianças ao SARS-CoV-2. Mesmo assim, as estatísticas mais recentes, essencialmente nesta segunda onda, têm demonstrado um aumento de casos diagnosticados em segmentos etários mais jovens. Vale registrar, no entanto, que a sintomatologia apresentada por essas criança foge um pouco daquele quadro clássico da Covid-19 observado nos adultos, conforme dados registrados pela universidade britânica King’s College.
Fadiga acentuada seguida por cefaleia e febre foram os sintomas mais presentes. Dor de garganta, falta de apetite e erupção cutânea estavam também inseridos no rol do quadro clínico, sem grandes repercussões e sem riscos à vida do infectado.
No entanto, é de absoluta importância registrar que as autoridades sanitárias andam preocupadas mesmo é com a chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica, cuja sintomatologia bem mais agressiva tem despertado a atenção das entidades médicas de muitos países, especialmente no Reino Unido.
Febre persistente durante 4 a 6 dias, diarreia, náuseas e vômitos são sinais clínicos muito presentes na evolução dessa Síndrome. O coração é o mais afetado: disfunção miocárdica, arritmias, pericardite (inflamação do tecido que reveste o coração, o pericárdio), aneurisma de coronárias, hipotensão e choque cardiogênico. A doença renal aguda, com necessidade de hemodiálise, tem sido relatada. No aparelho respiratório, a dispneia persistente, promovendo desoxigenação do sangue, associada aos eventos cardíacos e vasculares, sobretudo a trombose localizada ou sistêmica, tem colocado em risco a sobrevida da criança e o endereço quase sempre é a UTI.
Um detalhe: toda essa "tempestade" de sintomas chega com mais frequência 30 dias após o período mais virulento da infecção.
Considerando, ainda, que a criança constitui vetor importante na alimentação da cadeia de transmissibilidade (carrega o vírus sem desenvolver a infecção), há de se convir que é absolutamente sensata a recomendação de que devemos inserir, com mais rigor, nossas crianças no contexto das recomendações indispensáveis ao controle efetivo da pandemia: higienização das mãos, uso de máscara, distanciamento social.
Sebastião Costa é Pneumologista (CRM 1630/PB)
Edição: Cida Alves