Paraíba

Coluna

Medo, angústia, ansiedade e tensão: o relato de uma professora

Imagem de perfil do Colunistaesd
Ilustração - Reprodução
Uma situação que precisa enfrentar para garantir seu emprego e o salário de sua sobrevivência

Por Coletivo Adélia de França*

Medo, angústia, ansiedade e tensão. Estes são alguns dos sentimentos que dezenas de professores estão vivenciando desde que voltaram às atividades presenciais em algumas escolas. 

Na Paraíba, as escolas da rede privada foram autorizadas a voltar ao ensino presencial desde fevereiro, respeitando as normas de segurança estabelecidas pelo Governo do Estado: uso de máscara, higienização constante das mãos com álcool a 70%, distanciamento social, oferta de 70% de ensino remoto, ocupação apenas de metade da capacidade de uma sala. Entretanto, como já ressaltamos em texto anterior, elas não são suficientes para garantir a segurança dos alunos e, principalmente, dos funcionários e seus familiares, muitos deles pertencentes a grupos de risco da Covid-19.  

Essas preocupações são potencializadas para as mulheres, afinal, numa sociedade patriarcal e machista, são sobre elas que recaem os trabalhos domésticos de cuidar dos filhos e familiares enfermos. Portanto, no caso de alguma criança chegar em casa com a doença, de forma sintomática ou não, na maioria das vezes, é a mãe, a avó ou a tia que se expõe a uma maior carga viral e pode acabar contraindo, também, o novo coronavírus. 

Para ilustrar esse momento complexo, trazemos, aqui em nossa coluna, o relato de uma professora da rede particular de ensino. Daremos a ela o nome fictício de Maria para não expor sua identidade. Certamente suas angústias e preocupações, que serão aqui descritas e discutidas, são compartilhadas por inúmeras outras professoras e profissionais que têm se arriscado em atividades presenciais em meio ao momento mais complicado da pandemia.

Maria nos contou que quando tiveram que retornar às aulas presenciais, ela e suas colegas compartilhavam de um mesmo sentimento: preocupação. Preocupação de como seria esse retorno sem a proteção da vacina. Reconheciam que as medidas adotadas pela escola poderiam não ser suficientes tendo em vista que lidariam com crianças.

Ora, se temos dificuldades para contar com a colaboração dos adultos nesse momento tão delicado que vivemos, quando, mais do que nunca, a ação coletiva é fundamental para o enfrentamento, imaginem o desafio que é orientar as crianças! Justamente elas que, naturalmente, são bem afetivas e buscam, espontaneamente, o contato físico e, ao mesmo tempo, não desenvolveram ainda a capacidade de compreender a necessidade do distanciamento como medida preventiva eficaz da Covid-19. Como disse nossa entrevistada: 

Elas se abraçam, se tocam, falam próxima uma da outra; mesmo com todas as orientações dos pais e professores é difícil controlar a agitação delas quando estão perto de outras crianças.

Sem falar que também existem aquelas que sempre vão se arriscar pedindo para provar do lanche do coleguinha. Todo esse cuidado nos é exposto por Maria como sendo um peso a mais nas já tão cansativas funções de uma professora, a qual, além de mediar os inúmeros conflitos das crianças, também precisa observar cada ação que signifique risco para sua saúde. Ademais, caso alguma delas apresente, em casa, alguns sintomas, as famílias poderão “culpar” a docente de não ter prestado atenção suficiente. Vão responsabilizar, também, a escola por não garantir o cumprimento de suas medidas de segurança. 

Ressaltamos que, em muitas escolas de Educação Infantil, algumas de pequeno porte, a própria professora também participa da higienização de sua sala, garantindo que a primeira limpeza realizada por um profissional específico dure no decorrer do turno. Então, se somaria a todas as funções que uma professora já exerce em sua rotina normal, a higienização de cada material usado pela criança, como a Maria mesmo nos relatou: 

Quando o aluno entrega a tarefa do dia, temos de nos lembrar de, após recolher, desinfetar as mãos com álcool, pois eles podem trazer de casa muito mais do que a tarefa. Mas é impossível higienizar todo o material que vem de casa, como mochilas, lancheiras, etc.

Toda essa preocupação que Maria e suas colegas sentiram, e que é a mesma de tantas outras professoras e professores, não foi nem é à toa. Ela nos relatou que, em menos de um mês de reabertura para aulas presenciais na escola onde trabalha, alguns profissionais e estudantes já adoeceram de Covid-19. Todos esses se tornaram, consequentemente, dispersores do vírus em suas casas. 

Nossa docente entrevistada também é mãe de aluno da rede privada e viu a turma de seu filho ficar em quarentena por quatorze dias, retornando ao ensino remoto, pois uma criança foi diagnosticada com a doença. E, como se não bastasse, nessa mesma semana, ela tomou conhecimento de que o pai de uma colega de seu filho havia falecido por complicações causadas pela Covid-19. E isso fez com que, mesmo a turma sendo liberada para o retorno ao ensino presencial, poucos aderissem a essa volta. A maioria dos pais preferiram ficar com as crianças em casa, com o ensino online, visto que a escola também ofereceu essa possibilidade.

As aulas são filmadas em tempo real, para as crianças que estão em casa assistirem a mesma aula que as crianças presenciais, o que é outro transtorno grande para o professor, pois tem que se desdobrar para dar assistência a quem está em sala de aula ao mesmo tempo que atende quem ficou em casa.

A professora também viu sua mãe adoecer: 

Coincidência ou não, foi na mesma época em que a sala do meu filho entrou em quarentena por ter um aluno doente, e é minha mãe quem cuida do meu filho quando ele chega em casa, pois nessa hora eu já tenho saído para o trabalho.

A mãe de Maria é idosa e diabética, estava isolada em casa, por isso Maria suspeita que, realmente, tenha sido ela ou seu filho quem transmitiu o vírus para sua mãe. Para alegria da família, o pior não aconteceu e a idosa conseguiu se recuperar da doença. Mas isso não diminui o medo da professora: ela teme que sua mãe possa contrair o vírus novamente.

Sobre o ambiente escolar, disse: 

Não se pode dizer que a escola é o ambiente alegre de anos atrás. Não há correria das crianças, não há brincadeiras, os professores conversam um com o outro mantendo distância, e todos, na escola, precisam usar máscaras o tempo todo. Eu tenho medo até de chegar perto das crianças para tirar dúvidas. Isso torna o ambiente de trabalho tenso e chego em casa, quase todo dia, com dor de cabeça; não sei se é da dificuldade de falar e respirar usando máscara o tempo todo ou se é da tensão com que temos que conviver diariamente.

São sentimentos de insegurança, medo e preocupação os que atingem professoras como Maria. Uma situação que precisa enfrentar para garantir seu emprego e o salário de sua sobrevivência, arriscando-se a pegar a doença e levar para casa, encarando um ambiente de trabalho triste, sem a alegria cotidiana que contagiava a escola, e ainda, se desdobrando em atividades e funções que intensificaram seu trabalho. 

O relato que trouxemos nessa edição da coluna é singular, pois se tratou da fala de uma única professora, mas também é plural, pois ela expressa uma realidade que se repete na vida de tantas outras professoras. Sabemos que há muita complexidade envolvendo a rede privada de ensino, mas não é o objetivo desse texto se debruçar sobre tal temática. São dúvidas, questões e contradições para as quais não se tem uma única resposta ou solução simples. 

O que propomos, a partir dos relatos e reflexões aqui trazidos, é ampliar a perspectiva a partir da qual vivemos e sentimos os efeitos da pandemia. E, nesse difícil momento de aumento vertiginoso de mortes, sob uma gestão federal desastrosa no combate à Covid-19, continuamos na defesa da educação e da vida. Por isso, insistimos na necessidade de focar os esforços em acelerar a vacinação dos grupos prioritários, incluindo os profissionais da educação, para que o retorno e a manutenção das aulas presenciais não representem um total colapso do sistema de saúde.

 

*A coluna Fala, professora Adélia! é uma iniciativa do Coletivo Professora Adélia de França que busca divulgar as reflexões das trabalhadoras e trabalhadores em Educação da Paraíba. Para contribuir com essa organização coletiva, escreva para [email protected]
 

Edição: Cida Alves