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Coluna

Encontro de Lula e FHC: para além da simbologia

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Os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso durante encontro na última sexta, 21 - Ricardo Stuckert
Esse o símbolo maior desse encontro. Lula é hoje o que Tancredo e o Colégio Eleitoral foram em 1985

A repercussão do encontro de Lula com FHC foi enorme. Pelo significado e pelo tamanho da esperança gerada pela candidatura de Lula. A esquerda estremeceu. A tucanada se fez de indignada.

Se fez. Porque, na realidade, o que FHC disse é a mais pura verdade. Lula em ascensão, FHC e o PSDB nas cinzas. O que perde o PSDB? Nada. Absolutamente nada.

A extrema direita fez questão de lembrar que, efetivamente, FHC não representa mais nada. Nem o grande capital, nem a intelectualidade liberal. De fato, FHC é muito mais símbolo do que representação nessa altura da vida.

Em termos de prestígio popular, FHC e o que ele representa no PSDB estão na lona. Um partido rachado. João Dória, que também apoiará Lula no 2° Turno (alguma dúvida?), controlando a maior fatia dele.  A outra, com o desgastado Aécio, ajoelhada, salivando por espaço no bolsonarismo...

De fato, o gesto (o almoço/encontro) se torna mais simbólico do que efetivo. E o que simboliza?

É evidente que Lula acena a uma conciliação com determinados setores das classes dominantes brasileiras. Deve restar uma burguesia paulista, tucana, simpática a FHC pelo menos. Que o escute... Dessas que desenvolveram  um "ódio insano e injustificável" contra Lula, alimentado pelo tucanato anos a fio. 

A Globo, tucana de coração, antibolsonarista por necessidade, respira fundo para avaliar a repercussão e posicionar-se.

Politicamente, Lula tenta se aproximar da facção não-bolsonarista do empresariado brasileiro. Ao mesmo tempo em que isola, mais ainda, Ciro Gomes em suas pretensões de unir o “centrão” em torno dele.

Lula é muito hábil. A História do Brasil também é essa repetida conciliação e reconciliação política. 

A rigor, na "luta ideológica" brasileira está faltando uma "perna". Há uma extrema direita: forte, radical, “imbroxável”, “imorrível” e imbecil. Mas não há uma esquerda revolucionária, radical, transformadora.

Sem um pensamento de esquerda enraizado nas lutas populares, forte, com consciência transformadora, o Brasil fica a mercê do reformismo conciliador. Não é uma exceção em nossa História. Ao contrário, é a regra. Quando olhamos para os nossos vizinhos latino-americanos, chega a dar um sentimento de inveja e vergonha.

Lula é a expressão da ausência de uma construção política radical, enraizada no seio popular. É a expressão do espírito acomodado, acrítico, docilizado por nossa história de saída conciliatória, sem luta, sem reações políticas. 

Olhemos a História.

Nossa "independência", apesar de lutas populares importantes, foi decidida por um acordo comercial cupulista. Saímos (oficialmente) da escravidão também através de um acordo cupulista, em que a aristocrata assina a Lei Áurea. Criamos uma República através de um movimento cupulista. 

Erguemos nossa industrialização sem rupturas com a ordem "feudal" dominante, através de conciliação e acordo com as oligarquias rurais. Modernizamo-nos economicamente aceitando a hegemonia imperialista.

Calamos, sem luta, diante de um golpe militar. Saímos de uma ditadura militar cruel, assassina, através de acordos cupulistas, por cima, via transição democrática. 

Elegemos um líder operário a partir de uma conciliação de classes, de acordar cumprir a pauta neoliberal, do grande capital. 

Aceitamos, sem reação popular, um golpe jurídico-parlamentar que levou à emergência de um processo de fascitização pesadíssimo, com um genocida à frente da nação. 

Imaginar/cobrar agora, com as forças populares destroçadas, com as forças políticas mais à esquerda enfraquecidas pelo golpe de 2016, uma saída radical, seria ilusão.

Lula, de Plano B, se candidata a ser o Plano A das elites brasileiras. Como foi em 2002. Diante da tragédia bolsonarista, parece ser a alternativa de todos.

Esse o símbolo maior desse encontro.  Lula é, hoje, o que Tancredo e o Colégio Eleitoral foram em 1985. Interessante é que são quase as mesmas forças políticas daquele período.

Lembrando que, quem resistiu à "Frente Liberal" (Tancredo/Sarney) foi a extrema direita do general Newton Cruz e companhia e a "extrema" esquerda, representada naquele momento por Luiz Carlos Prestes e Lula/PT, que não aceitaram o golpe do Colégio Eleitoral. Brizola, lembrando, fez uma oposição "meia boca". Apoiava Tancredo e defenestrava Sarney.

As circunstâncias históricas, hoje, são outras. Ao contrário de Tancredo, que se curvou ao golpe do Colégio Eleitoral, a candidatura de Lula emerge como a defesa e a esperança de retomada da Democracia.

Lula cumpre, atualmente, o ritual histórico da conciliação por cima. O perigo é se tornar, aos olhos do povo brasileiro, o que representa a "Concertação" chilena hoje. Cá, como lá, o povo cansa de conciliação e escreve sua própria história, atropelando essa lógica. 

A quem esperava o Lula Jararaca... o encontro com FHC simboliza o contrário. Aos que querem uma transformação radical no Brasil, mirem-se nas lutas de vizinhos, façam trabalho de base, para o longo prazo.

Ou não reclame dos caminhos conciliatórios em curso.
 

Edição: Heloisa de Sousa