Maternar é criar vidas, sujeitos, indivíduos sociais, logo, deve ser compreendido como ato político
Por Karla Maria*
O mês de maio é, simbolicamente, representante do sagrado materno: celebra-se o dia das mães e alguns pontos concernentes à maternidade passam a ser discutidos na sociedade. No entanto, há muitas pautas a serem debatidas quando se fala sobre o tema.
O cuidado, o amor incondicional e a entrega total das mulheres mães aos filhos/as são amplamente difundidos por todo o mês de maio, mas temas sobre livre escolha da maternidade e trabalho não pago e pago, que traz à tona a desigualdade salarial entre homens e mulheres, a carga dupla ou tripla de trabalho, além dos prejuízos que a mulher sofre quando se torna mãe e corre risco de perder seu emprego, são alguns dos temas que não são extensamente discutidos pela sociedade.
O termo Maternância é pouco conhecido e verbalizado, mas traz, em seu sentido no contexto contemporâneo, uma desconstrução do papel da mulher mãe que há muito é arraigado na história como algo sagrado e exclusivo das mães. O maternar é ato político e faz parte da reprodução da força de trabalho. É preciso se ater à função da maternidade como fator fundamental para uma nova configuração social, pois o maternar é criar vidas, sujeitos, indivíduos sociais, logo, deve ser compreendido como ato político e que se estende ao espaço público também.
Ao longo do processo histórico do feminismo, alguns pontos foram postos em discussão na sociedade pelo movimento: a questão da família, dos direitos reprodutivos e da sexualidade da mulher. A maternidade foi, em determinado momento da história, encarada como fator principal da dominação do homem sobre a mulher e, posteriormente, vista como fator diferencial do ser mulher, guiando-se pelo feminismo diferencialista, em que se valorizavam as diferenças do ser mulher em relação ao outro gênero. A maternidade é, então, percebida como uma construção social. As questões sobre maternidade compulsória e direitos reprodutivos entram nas discussões na sociedade, pauta levantada pelo movimento feminista.
O debate acerca desses temas também escancara as questões de classe e raça, no sentido de que os direitos reprodutivos, isto é, a escolha do momento de maternar, não são para todas as mulheres. A agenda materna encara uma diversidade de realidades, assim como todos os movimentos sociais, mas seu ativismo propicia o holofote para as demandas maternas. Para além disso, a maternagem traz para discussão o rompimento dos papéis sociais, que subjuga as mães a um enclausuramento social, ou seja, do espaço público e político.
No cenário pandêmico entre 2020 e 2021, esses movimentos de mulheres mães ampliaram sua atuação nesse novo espaço de ativismo político. Muitos foram os grupos em mídias sociais que iniciaram suas atividades para dar um suporte online às diversas realidades das mães brasileiras. Foram as mães as que mais sofreram com os impactos da pandemia, tendo que procurar meios de sobrevivência para si e seus filhos/as; assim como as que mais englobam o número de profissionais na linha de frente ao combate à covid-19 no país. Mais uma vez, as ações das mães nos mostram que são ações políticas, de enfrentamento às desigualdades sociais e de gênero, assim como de raça.
A maternidade passa a ser analisada como um fenômeno social, que abarca as relações de gênero (e a luta pela desconstrução da dominação existente nessa relação), e como um novo ativismo dentro dos movimentos sociais e do feminismo mais precisamente. Portanto, é importante ressaltar os impactos das ações desse novo recorte do feminismo enquanto movimento que atua na luta pelas pautas maternas e que está ocupando não só o espaço público, mas também, as mídias digitais.
Nesse sentido, a maternância ressalta a maternidade em todos os seus aspectos, seja na luta pelo fim das opressões e desigualdades de gênero e seus papeis sociais (e, por isso, se encaixa na reflexão teórica feminista), seja como uma nova proposta de ativismo feminista que engloba as demandas das mães e de tudo que se relaciona ao mundo materno e do que recai sobre as mulheres consequentemente.
Lembremo-nos que o mês de maio, enquanto mês das mães, é algo simbólico, mas que precisa ser direcionado para debates mais reais sobre a maternidade. Não podemos esquecer que a maternidade é a base para a formação de sujeitos sociais e que são as mães as que sustentam, de fato, toda a nação, que edificam o futuro. Não esqueçamos das mães pretas e periféricas, das mães lésbicas, das mães encarceradas e de tantas outras que têm sua realidade ocultada. A mãe pode até parir um/a filho/a sozinha, mas a criação é responsabilidade dela e de toda a sociedade.
*Cientista social, mestre em Sociologia e estudante de pedagogia. Atua como articuladora no Coletivo Pachamama e é mãe de João Gabriel e Cauê.
Edição: Heloisa de Sousa