Paraíba

Coluna

O ENADE e a Universidade Pública

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Cartaz em defesa da educação e das universidades públicas - Fernando Frazão/Agência Brasil
Os dados frios, por si, indicam a gigantesca disparidade entre universidades públicas e privadas

O professor Carlos Ruiz, ex-presidente do Conselho Estadual de Educação publicou, recentemente, importante artigo reflexivo sobre o ranking das universidades do estado da Paraíba, a partir dos dados do ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) de 2018/2019. Reproduzimos, abaixo, os referidos dados:


Ranking das Instituições de Ensino Superior da Paraíba segundo desempenho no ENADE 2018 e 2019 / Carlos Ruiz

Aqui, convidamos os leitores para mais algumas reflexões a respeito da educação superior e das universidades públicas. 

Para entender os dados dessa pesquisa: todos os cursos superiores de todas as universidades são avaliados pelo ENADE. O ENADE faz uma prova, avaliando o conhecimento específico por curso. O professor Carlos Ruiz organizou o ranking a partir das notas obtidas pelos cursos de cada instituição de ensino superior; assim, ranqueou as universidades. Em cada avaliação, as notas 4 e 5 são dadas aos cursos bons e ótimos; as notas 3, aos cursos de bons para regular; nota 2 aos insatisfatórios... etc.

Os dados, portanto,  apresentam a “qualidade” das instituições, a partir das notas dos cursos. Eles, por conseguinte, nos dizem que: na UFPB, 68,4% dos cursos oferecidos conseguiram notas nos extratos superiores (4 ou 5); na UEPB, 61,1%; no IFPB, 54,5%; na UFCG, 51,6%; na UNIFACISA, 14,2% e assim por diante.

Os dados frios, por si, indicam a gigantesca disparidade entre a educação superior oferecida nas universidades públicas em relação às privadas. Mas gostaríamos de aprofundar um pouco nesses dados para auxiliar em nossas reflexões.

Sempre fomos e somos muito críticos da avaliação do ENADE. Entendam as razões. 

Uma avaliação ideal do ENADE conseguiria avaliar apenas e somente o conhecimento "específico", digamos, técnico do estudante. O que ele aprende estritamente do conteúdo do seu curso. Ora, o papel da Universidade deve ser, porém, muito mais do que esse de oferecer apenas o conhecimento específico, técnico, de uma determinada área da vida humana.

À Universidade, é obrigação a formação profissional. Mas é importante que essa formação seja a mais ampla possível. Isto é: formação técnica, com grande conhecimento específico, mas deve, também (e isso é fundamental), preparar o jovem para a vida. Por isso, a Educação Superior é muito mais do que o "ensino superior". Educação no sentido do conhecimento técnico, filosófico, social, humano.

O conhecimento técnico, específico, é importante para uma sociedade tecnologicamente, cientificamente. A formação crítica e criativa, além de oferecer esse desenvolvimento científico-tecnológico da sociedade, impulsiona essa sociedade no caminho civilizacional, humanista.

Infelizmente esse aspecto fundamental na formação humana é impossível de ser captado pelas provas ”tecnicistas”, específicas, do ENADE. A melhor universidade é a que forma bem o técnico, mas com capacidade crítica, com visão criativa do mundo. Afinal é a criticidade coletiva que faz uma nação e o mundo melhorarem. Certamente, se levarmos esses aspectos em conta, a disparidade entre as universidades públicas e privadas aumentam ainda mais.

Por isso, na Universidade, o ou a estudante precisa ser pesquisador (a), extensionista, militante social. Universidade é o espaço, por excelência, da formação da consciência social. Então, universidade é ensino, pesquisa, extensão, vivência coletiva, militância, luta social. É nessa perspectiva que se forma a consciência crítica, autônoma e criativa para enfrentar os enormes desafios profissionais, sociais, políticos, etc., que o egresso vai encontrar na vida. 

Mas, que vida? Formar para a vida não é formar para adaptar-se "da melhor forma possível" a essa sociedade capitalista. Digo isso porque a vida é em sociedade. Porém, formar para vida é considerar o homem não apenas naquilo que ele é, mas no que pode se tornar, no vir a ser. 

A Educação como instrumento cuja finalidade é tornar o ser humano cada vez mais humano, promovê-lo, atua no movimento dialético que constitui o ser social.  Ou seja, atua naquilo que ele é para torná-lo o que ainda não é. E isso precisa ser uma formação para torná-lo sujeito de uma outra e nova sociedade. Se a universidade falha, a sociedade falha, envelhece, emburrece, regride.

Nessa perspectiva há incompatibilidade entre educação/formação superior e universidade privada, fonte de lucros. Simples assim. Transformar a educação superior em um balcão de diplomas por ensino técnico/específico, subtraído de sua formação filosófica humanitária, retira do sujeito sua condição de pensar e agir no mudo com visão humanitária, civilizatória. É a véspera do fracasso social.

Podemos resumir da seguinte forma: podem-se ter excelentes médicos, engenheiros, advogados, historiadores, mas péssimos seres humanos - egoístas, individualistas, gananciosos... O Brasil pode ser um exemplo dessa triste realidade. 

Em outras palavras: a Educação não pode ser mercadoria. É incompatível. Quando é, forma mal e desumaniza.

A Universidade que precisamos é esta: de formação plena. Ela existe, de forma embrionária, no seio das universidades públicas brasileiras. Os dados da pesquisa evidenciam de forma cristalina que, para a construção de uma sociedade livre, democrática, criativa, só com a Universidade Pública.

O ataque contra as universidades públicas por esse e outros governos que por aqui passaram é a expressão reacionária dos setores mais ignorantes e perversos de nossa sociedade, avessos que são à liberdade, à crítica, ao avanço social e humano.

Afinal, a Educação, sozinha, não transforma o mundo, mas é fundamental para transformar as pessoas e as capacitarem à imensa tarefa de transformar esse mundo, cada vez mais, em um lugar melhor de se viver. Em um mundo melhor. 

Viva a Universidade Pública!
 

Esse artigo tem a coautoria de Henrique Duarte, historiador com mestrado em Pedagogia em Cuba e doutorado em Educação pela UFPE, professor do programa de mestrado ProfEPT e professor aposentado do IFPE.

Edição: Heloisa de Sousa