Por Adarlam Tadeu da Silva e João Batista Santos Sobreira*
A ideia de ter um financiamento popular para fomentar a agroindustrialização em áreas da reforma agrária está sedimentada nas experiências de alguns bancos éticos constituídos no mundo: i) Triodos Bank, sediado na Holanda; ii) Banca Popolare Etica, na Itália; iii) GLS Bank, na Alemanha; iv) Co-operative Bank, na Inglaterra; v) Citizens Bank, no Canadá; vi) New Resource Bank, nos EUA; vii) Banco FIE, na Bolívia; e a viii) Cooperativa Abaco, sediada no Peru.
É possível dizer que essas instituições tiveram e têm maior interação pragmática com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). As atenções desses bancos, diferentemente daqueles tradicionais do sistema financeiro global, não estão direcionadas para a lógica de financiamento convencional. O horizonte dos bancos éticos são os projetos de caráter sustentáveis.
No Brasil, a Central Única dos/as Trabalhadores/as (CUT) ensaiou, em termos de financiamento popular, algo semelhante em 2003, quando aderiu ao Movimento da Economia Solidária. O formato era organizar uma rede de pequenas cooperativas de crédito rural em todo o país, conectadas com cooperativas de crédito ligadas a sindicatos urbanos com maior potencial de captação de poupança no médio prazo. A proposta, entretanto, não vingou. Naquele período, a CUT não se sentiu com a expertise necessária para defrontar o mundo financeiro, tampouco possuía arranjos ou cadeias produtivas em construção.
Depois de 17 anos desse caso da CUT, o MST iniciou, em 2019, as primeiras articulações sobre a configuração dessa nova modalidade de financiamento popular, um trabalho em conjunto com o economista Eduardo Moreira. E no mês de maio de 2020, dois meses depois do início da pandemia da Covid-19, o MST lançou, oficialmente, o Finapop, que completou um ano de funcionamento.
O grande diferencial do Finapop pode ser exemplificado a partir de uma situação comum. Aqueles/as brasileiros/as que têm poupança nos bancos públicos e/ou privados não têm conhecimento do que os seus dinheiros podem estar financiando. Os bancos não são um fim, são um meio, os quais dão direcionamento aos recursos financeiros das pessoas físicas e jurídicas. No Finapop, isso muda: o/a investidor/a, além de saber o destino do seu dinheiro, pode escolher em que tipo de projeto quer investir.
Com a chegada do Finapop, as Cooperativas de Trabalho e Produção Coletiva ganham mais oportunidades. Antes do financiamento popular de produção de alimentos saudáveis, existiu o Procera, o fomento à agroindustrialização em assentamentos de reforma agrária e, atualmente, o Pronaf-Agroindústria, este vinculado ao BNDES com uma taxa de empréstimo de 6% ao ano. Diga-se de passagem, não é uma taxa considerada alta. Porém, os prazos são pouco flexíveis e as empresas sociais da reforma agrária, ao procurarem as agências bancárias, enfrentam enormes barreiras burocráticas. Logo, são vencidas pelo cansaço e desistem de acessar o empréstimo. Além disso, com o sucateamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), os projetos de financiamento da agricultura familiar caíram cerca de 30% nos últimos seis anos.
Portanto, as preferências dos/as gerentes bancários/as por grandes projetos, o baixo investimento em projetos produtivos da reforma agrária e a pandemia da Covid-19 propiciaram uma iniciativa da envergadura do Finapop.
O que é, como funciona e qual o objetivo do Finapop?
O Finapop é um movimento de captação de recursos em construção, com iniciativa das organizações e cooperativas vinculadas ao MST e vários parceiros simpatizantes da luta pela reforma agrária. Trata-se de uma das modalidades possíveis dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) dentro do Finapop.
Está sendo a primeira experiência, mas outras modalidades e ferramentas estão em construção. A própria cooperativa de crédito (CREHNOR) integra, também, a estratégia do Finapop. Diante disso já, foram financiados 19 projetos em 2020 por meio da Linha Finapop/Crehnor – Pequenos Investimentos, com projetos de até R$ 50.000,00. Além do mais, este fundo arrecada dinheiro de pequenos e médios investidores cujo montante é redirecionado para as atividades produtivas das cooperativas. Neste sentido, o Finapop se contrapõe a lógica dos financiamentos tradicionais efetuados pelos bancos públicos e privados do sistema financeiro brasileiro.
Mas, afinal de contas, o que é um fundo de investimento? Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), “é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros”. Assim, as pessoas que aplicam seus recursos financeiros no Finapop esperam ter um retorno financeiro. Mas, para além disso, existe um motivo sociopolítico ao visualizarem os produtos da reforma agrária nas gôndolas dos supermercados: os/as investidores/as sabem que contribuíram diretamente para agregação de valor daqueles produtos.
Conforme o banco virtual Nubank, a caderneta de poupança rendeu, de janeiro a dezembro de 2020, somente 2,11%. Segundo algumas concessionárias financeiras, as previsões de rendimento da poupança serão de apenas 2% para 2021. De acordo com o IBGE, a inflação fechou em 4,52%. O indicador utilizado pela autarquia para medir a taxa de inflação foi o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15).
O que isso significa em termos práticos? Aquele “dinheirinho” que cada brasileiro/a guardou na poupança em 2020, fruto de tanto esforço, rendeu abaixo da inflação, ou seja, reduziu-se o poder de compra dos/as poupadores/as. Por outro lado, na origem, o dinheiro aplicado no Finapop terá um rendimento bruto de 5,5% ao ano. No entanto, o rendimento líquido será de 4 a 5% ao ano. O percentual diminui um pouco em função da cobrança de taxas administrativas feita pela corretora. Com o rendimento dos juros compostos, o/a investidor/a receberá, na forma de empréstimos parcelados, percentual líquido de 4 a 5% ao ano.
O exemplo matemático-financeiro a seguir, contribui para o entendimento das porcentagens acima referente ao Finapop. Vamos aos cálculos: digamos que o/a investidor/a disponibilizará, na origem, R$ 1.000,00 + 5% ao ano; isso será igual a R$ 1.050,00/ano. Com isso, o juro, cuja incidência será sobre o rendimento do valor derivado da origem, o qual será de R$ 1.050,00 + 5% ao ano, atingirá a quantia de R$ 1.102,50/ano. E assim sucessivamente.
Na prática é mais vantajoso investir no Finapop do que apenas na caderneta de poupança, por duas motivações: i) financeira, tendo em vista o regresso do investimento, acrescido de juros compostos e ii) sociopolítica, devido à contribuição para produção de alimentos saudáveis dos projetos produtivos da reforma agrária.
Por isso, o objetivo do Finapop “é contribuir na implementação de projetos produtivos para produção de alimentos saudáveis, em assentamentos de reforma agrária em todo território nacional”, de acordo com a CREHNOR. A meta é atingir os 23 estados, mais o Distrito Federal, nos quais o MST está presente.
Critérios de acesso, modalidades e condições de financiamento do Finapop
O Finapop é constituído por uma linha de crédito específico, liberada pela Cooperativa de Crédito Rural de Pequenos Agricultores e da Reforma Agrária (CREHNOR), sediada em Laranjeiras do Sul-PR. O objetivo desta empresa social é “possibilitar o acesso a crédito e serviços financeiros, principalmente para assentados da reforma agrária e agricultores familiares, tendo em vista a carência de produtos e serviços financeiros para este público”. Assim sendo, a Crehnor é uma cooperativa com expertise na liberação de crédito.
Neste sentido, os fundos de financiamento são constituídos por adesão dos/as investidores/as. Então, os recursos de diversas pessoas são aplicados em conjunto no mercado financeiro e de capitais. Por sua vez, os rendimentos das aplicações são divididos entre os participantes na proporção do valor de participação de cada investidor/a. Há investidores/as com aporte de recursos para diferentes modalidades de financiamentos. São 4 quatro modalidades praticadas: i) estruturação de agroindústria; ii) custeio de produção agrícola; iii) capital de giro; e iv) pequenos investimentos de até R$ 50.000,00.
O foco diretivo nas quatro tipologias de financiamento, almejado pelo MST, é um esforço em minimizar alguns limites enfrentados no cotidiano das empresas sociais, entre eles, a dificuldade de ter capital de giro nos empreendimentos, destinando o limite de 35% do montante total da linha de crédito disponível. Então, a liberação de crédito nesta modalidade dependerá da disponibilidade de recursos dentro do montante total e, por último, os prazos de pagamento poderão variar de 1 a 3 anos, de acordo com a natureza do projeto, e terão como carência máxima o período de 1 ano, incluídos no prazo máximo de pagamento.
Considerações parciais
Como Marx (1818-1883) já nos advertia “todo começo é difícil”, fase em que se encontra o Finapop. É uma iniciativa em construção bastante desafiadora para o MST. O Finapop, diferentemente das três linhas de financiamento antecessoras, não é oriundo de políticas institucionais do Estado, pelo contrário, é decorrente do esforço coletivo de pessoas da sociedade civil.
A perspectiva é que o MST consiga fazer inúmeras experimentações sociais com esse financiamento popular, voltado para a agroindustrialização em áreas da reforma agrária. É possível dizer que o Finapop seja um instrumento e/ou ferramenta no longo prazo, ainda que de forma embrionária, para contribuição direta ou indireta na solução ao problema da falta de capital de giro dos empreendimentos sociais. Na visão de André Ricardo Souza e Fausto Augusto Junior, com o advento do Finapop, conectado a outras experimentações sociais da cidade e do campo, constitui-se um mecanismo importante para democratização das finanças em nosso país.
*Militantes do MST
Edição: Heloisa de Sousa