Forró e São João só combinam com aglomeração, festa, alegria. Não pode ser algo superficial, externo
O São João sempre foi nossa festa. Nunca gostei do Natal. Umas músicas tristes, chatas. Em pleno verão. Nada a comemorar. O São João é a festa da colheita, da alegria, da confraternização.
Lá em casa, era quando se comprava roupa nova e quando se reunia a família. Assim, via todos os primos e primas. E tinha forró. E tinha muita comida. A deliciosa pamonha, o milho assado. A bela fogueira, fogos e balões...
Na infância, era, incomparavelmente, o melhor momento, o mais aguardado... Por vezes, dormi com um dedo queimado por uma "cobrinha", ou com dedo do pé ferido por uma brasa desavisada. Geralmente, amanhecia com a roupa da noite anterior, pois dormira em plena farra, sem tempo pra qualquer muda de pijama.
O cheiro de fumaça na roupa era gostoso. Acreditam? O São João tinha a magia de fixar perfumes, paladares e sons. Quando criança, admirava o sanfoneiro no canto da sala e aquele alvoroço dos dançantes. Corríamos léguas quando uma moça nos chamava para dançar. A "vergonha" era enorme.
Na juventude, continuou sendo a festa mais ansiada, o momento dos encontros e reencontros. O som do forró já fazia rebuliço nas pernas e no coração. Andei léguas atrás de dançar forró....
Em maio, mês de Maria, depois das novenas, tinha forró. Nunca acompanhei uma novena. Nunca perdi um forró. Todo fim de semana tinha ensaios das quadrilhas. Íamos todos. Em junho, selecionávamos os melhores forrós. A oferta era abundante. Em julho, tinha os "Recordando São João"...
Nunca fui atrás da relação São João - Forró. Mas o forró, na minha vida, era tão presente que, nas Emas, no Natal, a gente contratava Trio de Forró.
Mas Forró e São João só combinam com aglomeração, festa, alegria. Não pode ser algo superficial, externo. Precisa ser um sentimento da alma. Dos mais profundos recantos de nossa memória afetiva.
Sem isso, São João é uma data, um santo (seja lá o que isso significa), uma festa turística, comercial. Forró vira um som estridente, barulhento, bobo, de melodia cansativa...
Pois é. O São João de hoje é apenas uma data de calendário, mutável por autoridades burocráticas para evitar aglomerações e mais mortes. Forró virou memória, saudade que dói, ausência de alegria. Não há colheita. Não há alegria. Não há música nos céus do Brasil enlutado por uma pandemia e aprisionado por um genocida.
Curtamos o luto, a dor. Mas, nunca, resignados, conformados. Haveremos de chorar nossos mortos. Mas haveremos de transformar nossas lágrimas em indignação, consciência, adubo de lutas.
Viveremos outros São João, dançaremos muitos forrós. Derrotaremos os fascistas e ergueremos novas manhãs de festas, onde o cheiro da fumaça lembrará apenas a alegria e as brincadeiras da noite de São João.
Edição: Heloisa de Sousa