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Coluna

A China contra a fome e a extrema pobreza, na contramão do mundo ocidental

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Assistentes de alívio da pobreza e oficiais da aldeia ajudam a transportar melões plantados na vila Dongqin, condado de Congjiang da província de Guizhou, sudoeste da China, 11 de nov. de 2020 - Xinhua
Nessas 04 décadas, a China retirou mais de 700 milhões de pessoas da situação de extrema pobreza

Por Monalisa Lustosa Nascimento* e Alexandre Cesar Cunha Leite**

O ano de 2020 registrou o aumento da pobreza global. Em 2021, observou-se, também em nível mundial, o aumento da concentração da riqueza, segundo o Relatório da Riqueza Global 2021 do Credit Suisse, em que 82% da riqueza planetária encontram-se nas mãos da faixa correspondente aos 10% mais ricos da economia mundial.  Tanto o indicador de pobreza quanto o relativo à desigualdade têm fatores geradores comuns e ambos os dados devem seu crescimento, em grande parte, à pandemia de Covid-19. 

Na contramão da economia global, a China anunciou, no final de 2020, a erradicação da extrema pobreza em seu território. O Presidente Xi Jinping afirmou, para o jornal China Daily em 4 de dezembro, que “a China alcançou sua meta e tirou quase 100 milhões de pessoas da pobreza nos últimos oito anos”. Se somados aos 600 milhões das décadas de 1990 e 2000, a China contabiliza um feito significativo ao retirar um contingente equivalente a 3 vezes a população brasileira da situação de extrema pobreza.
 
Ao longo de aproximadamente 40 anos, quatro governos mantiveram o propósito de eliminar a fome que assolou a população durante vários momentos da história recente chinesa. Trata-se de um contrato entre o Partido Comunista Chinês (PCCh) e a população: não permitir que a população chinesa volte a enfrentar as dores da fome como no passado. 

Nessas 04 décadas, a China retirou mais de 700 milhões de pessoas da situação de extrema pobreza, combatendo, consequentemente, a ocorrência da fome entre uma parcela relevante da sua população. Os esforços, que se iniciaram nos anos 1980, resultaram na redução de 75% da pobreza global na China. À época, a incidência de pobreza nas áreas rurais chinesas chegava a 90% da população local segundo o Banco Mundial.

A batalha da China contra a pobreza é uma marca entrelaçada à própria história do país. Basta relembrar que a China vivenciou, por muitas décadas, severas situações de fome em seu território. Guerras, invasões e decisões políticas fizeram com que a população chinesa convivesse com a fome por mais de 40 longos anos durante o século XX. 

A trajetória não foi fácil. A China é um país de proporções continentais e superpopuloso. Ao longo das últimas 4 décadas, o Partido Comunista Chinês direcionou suas políticas de crescimento e desenvolvimento para atender uma necessidade urgente e essencial: fornecer meios adequados para que a população tivesse acesso à alimentação. A partir de 2005, os planos de redução da pobreza rural concentraram-se na qualidade de vida através de políticas de bem-estar, na redução da enorme disparidade entre o rural e o urbano e os problemas de acesso (e provimento) a saneamento, água potável, moradia e educação. 

A partir de 2012, Xi Jinping liderou o aprimoramento das políticas de redução da extrema pobreza no país, constituindo uma verdadeira força tarefa em todos os níveis de governo, perseguindo a meta de erradicação da extrema pobreza.

Dentre as políticas utilizadas, vale destacar os resultados alcançados pela política de assistência direcionada no combate à extrema pobreza e, consequentemente, à fome. Essa nova abordagem no combate à pobreza sustenta-se na intervenção baseada nas condições específicas dos condados (equivalente a municípios) e famílias atendidas. 

Segundo a declaração de Zhang Junkuo, do Centro de Pesquisas para o Desenvolvimento, para o jornal China Economic em 30 de dezembro, as políticas de redução da pobreza concentraram-se em estratégias de longo prazo que incluíam o estabelecimento de metas anuais de redução da pobreza. Ao estabelecer as metas, foram criadas diretrizes especiais que priorizavam grupos mais vulneráveis, como as mulheres, crianças e deficientes. 

Assim, os governos locais e regionais, seguindo orientações do setor de planejamento nacional, trabalhavam para analisar os diferentes níveis de pobrezas, produzindo medidas de soluções específicas e ajustando as prioridades de trabalho. O resultado indica que esse sistema de planejamento e ação gerou uma maior eficiência das políticas adotadas. 

Formaram-se equipes de atuação local compostas por oficiais de planejamento do governo chinês, líderes locais, militares e grupos de pesquisa e operação local. Estes atuavam diretamente junto à população local, identificando as maiores necessidades e determinando os focos de ação. Os moradores e líderes locais informavam suas necessidades e traçavam-se os meios de ação. 

Dentre os atores locais, destaca-se a Federação das Mulheres da China e a promoção da “Ação de Redução da Pobreza Feminina”. A Ação da Federação concentrou-se em aprimorar as capacidades de desenvolvimento e de renda das mulheres. O caso das mulheres da Cooperativa Profissional de Plantação de Jingmeng (Condado de Megjin) ilustra a capacitação das mulheres na agricultura. Neste condado, 90% das pessoas que trabalhavam nas cooperativas de produção de morangos eram mulheres. As ações coordenadas resultaram na geração e elevação da renda de 5 milhões de mulheres pobres por meio dos estímulos às atividades de artesanato, agricultura, limpeza doméstica e comércio eletrônico, descreveu Yang Hao para o People’s Daily em 7 de janeiro

Às vésperas do centenário do Partido Comunista da China, Xi Jinping destacou a guerra travada contra a pobreza no país, afirmando ser a maior da história da humanidade. Agora, a realidade mudou: “todas as pessoas da zona rural, com base nos critérios atuais da China, foram retiradas da pobreza” afirmou Xi Jinping na reunião do Partido, segundo o China Daily

Para o Escritório Nacional de Estatísticas da China, o padrão chinês de referência de pobreza absoluta é mais elevado que o estabelecido pelo Banco Mundial, considerando fatores como a paridade de poder de compra (PPC) e a diferença de preços entre as áreas urbanas e rurais. Assim, os últimos 9 condados na extrema pobreza, situados na província de Guizhou, região sudoeste da China, foram retirados desta lista após ter sido observado o aumento na renda líquida média anual de 11.487 yuans (aproximadamente, 8.700 reais em valores atualizados), conforme anunciado pelo governo da província.

Em entrevista coletiva no dia 02 de dezembro de 2020, Ou Qingping, vice-diretor do Escritório do Conselho de Estado para o Alívio da Pobreza e Desenvolvimento, afirmou que fatores como renda, acesso à saúde básica, educação obrigatória, acesso a alimentos, roupas e uma moradia segura, são fatores básicos para medir o padrão de extrema pobreza na China. A pobreza é uma questão multidimensional, o padrão de erradicação da extrema pobreza na China estabelece uma ação que considera fatores que vão além da renda.

A conquista da China na erradicação da extrema pobreza está vinculada às metas estabelecidas pelas Nações Unidas, presentes na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ODS). Acordados em 2015 pelos Estados membros da ONU, os ODS definem, entre outros objetivos, a erradicação da extrema pobreza global em suas formas e dimensões. Segundo as declarações citadas, a China percorre o caminho para ser o primeiro país a cumprir a meta número 1 da Agenda 2030: erradicar a extrema pobreza e a fome no país, com 10 anos de antecedência. 

Não se pode afirmar que não há pobreza na China e que os problemas associados à renda estão resolvidos. Tanto no meio urbano quanto em áreas rurais, ainda se encontram números relevantes de pobreza e desigualdade que ainda afetam milhões de pessoas no país, sobretudo os povos migrantes das zonas rurais lotados nas cidades. 

O que podemos afirmar, sem dúvidas, é que o Brasil percorreu o caminho inverso: a fome bate à porta de milhares de brasileiros hoje. As políticas públicas existentes foram desmontadas, prenunciando um cenário de extrema pobreza e fome. Na ausência das políticas construídas anos atrás, explodem, no Brasil atual, pequenos grupos e redes de solidariedade para doações de alimentos. Isso porque o programa de políticas públicas de combate à extrema pobreza e à fome – o Fome Zero, que se convertera em parâmetro internacional pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) - foi descontinuado nos governos Temer e Bolsonaro, juntamente com grande parte das políticas públicas associadas à garantia da saúde, educação, renda mínima e segurança alimentar e nutricional. 

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os efeitos da pandemia devem empurrar mais 207 milhões de pessoas ao redor do mundo para a extrema pobreza e fome, chegando a 1 bilhão em 2030. Mas, na contramão do mundo, a China realizou o que nós, brasileiros, só vimos parecido em 2014, quando o Brasil saiu do mapa da fome. 


*Mestranda no de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL, IPPRI/UNESP), pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia-Pacífico (GEPAP) e do FomeRI da UFPB. 

**Docente do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (PPGRI/UEPB) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional da Universidade Federal da Paraíba (PGPCI/UFPB), coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia-Pacífico (GEPAP) e do FomeRI da UFPB.
 

Edição: Heloisa de Sousa