"A cada minuto, 25 mulheres são ofendidas, agredidas física e/ou sexualmente ou ameaçadas no Brasil". Parece o trecho de um disco arranhado, repetindo-se infinitas vezes, mas é, para nosso desgosto, uma representação cotidiana da sociedade machista brasileira. E o pior: torna-se, cada vez mais, um ruído distante aos seus ouvidos.
Será que alguém pensa sobre o quanto é desgastante para uma mulher, todos os dias, ter que repetir a mesma narrativa para talvez ser ouvida? Passar por cima de humilhações para buscar o mínimo de dignidade? Será que alguém entende que não é nada gratificante ou prazeroso para uma mulher ver um caso de violência (dela mesma ou de qualquer outra) sendo exposto na mídia?
O que vimos no último fim de semana é como um disco arranhado repetindo infinitas vezes uma melodia horrenda, que segue ferindo nossos ouvidos. O DJ Ivis é uma espécie de retrato do agressor da violência doméstica presente nos lares brasileiros. Assistimos chocadas às cenas de agressão contra, agora, sua ex-companheira, e o mais doloroso é que as ações parecem tão corriqueiras como se ele estivesse vestindo uma roupa ou calçando sapatos.
Contra nós, mulheres, sempre e veementemente, o benefício da dúvida. Nunca a razão. Há séculos inventaram que somos desprovidas dessa virtude. Hoje, pergunto: quem sustenta essa narrativa? Nossas palavras, nossos testemunhos, nossas vivências são moedas de pouco ou nenhum valor. Para nós, conviver com isso é como estar correndo em uma maratona que nunca acaba. Corremos, corremos e corremos para provar o valor da nossa vida como ser humano. No caminho, precisamos escancarar as violências, expor nossos sofrimentos e calcular milimetricamente nossos passos para obter provas de que somos violentadas de inúmeras formas por sermos mulheres e que isso precisa acabar se a sociedade quiser avançar em todas as esferas.
Será que a prisão é suficiente para condenar um agressor de mulheres, enquanto a sociedade o recompensa com seguidores em redes sociais e veneração à sua masculinidade?
Estamos cansadas da falta de ação e naturalização da violência contras as mulheres em todas as esferas. Enquanto o DJ Ivis batia em Pamella, a bebê chacoalhava no carrinho. Enquanto a mulher sofria as agressões, outras pessoas estavam presentes e silenciaram. Que razão é essa?
"Eu tenho que provar que isso acontece. Se fosse só a minha palavra contra a dele eu teria que provar", disse Pamella, e é assim que as mulheres são silenciadas nos inúmeros casos de violência abafados pelas paredes dos lares brasileiros.
Como se não bastasse, nós, uma vez munidas de todas as provas possíveis, vemos a linha de chegada da maratona ser retirada sem explicação qualquer: sem prova, não há razão; com prova, muda-se a lógica da razão.
Legislações, políticas públicas e avanços, bradados e utilizados como argumento para afirmar que o feminismo é coisa do passado, que hoje as mulheres já ocupam a sociedade e têm seus direitos garantidos, caem por terra diante da banalização da violência sobre nossas mentes e nossos corpos. O patriarcado está aqui, escancarado, insistindo em nos relegar à margem, com a tutela do povo brasileiro.
Não há lógica na razão machista, mas enquanto ela for disseminada, perderemos não só as mulheres, mas a própria vida em coletivo. Mesmo sem "razão", somos o sustentáculo da sociedade; estamos na linha de frente das cadeias de produção, dos lares e dos trabalhos essenciais. E mesmo sem "razão", resistimos há séculos. O feminismo? É como uma parte de nós, que se move na luta incessante por desmascarar a invenção do patriarcado com toda a sua razão machista. Mas até quando?
Danielle Alexa é Mestra em Literatura, Cultura e Tradução pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora efetiva no município de Conde - PB, atuando no Ensino Fundamental Anos Finais, e professora efetiva no Estado da Paraíba, ocupando o cargo de Coordenadora Pedagógica e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.
Edição: Heloisa de Sousa