Paraíba

NA UFPB

Nota é emitida por estudantes da Pós-Graduação em Direitos Humanos em repúdio a professor

Alunos relatam desrespeito por parte do professor convidado, Eduardo Rabenhorst, durante Seminário de Dissertação

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Em discussão, "o direito de, nós alunos, nós estudantes, não sermos ofendidos e molestados moralmente pelos professores". - Reprodução

O último dia 12 de abril, era para ter sido como um outro qualquer na vida acadêmica de um/a estudante de pós-graduação. Era o momento de conclusão da disciplina de Metodologia em Direitos Humanos, ministrada pela professora, Suelídia Calaça, e todos os discentes iriam apresentar seu projeto de pesquisa e ouvir de um professor convidado, críticas e sugestões para melhorar a proposta apresentada, incialmente, ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Era o caso do pós-graduando Diogo de Sousa Monteiro. Para esse momento de arguição do projeto de pesquisa, sob sugestão de seu orientador, ele convidou o Prof. Dr. Eduardo Rabenhorst, do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB e com experiência no tema de Gênero e Direito, como professor convidado para analisar seu projeto. A pesquisa de Diogo tem como objetivo pesquisar mulheres transsexuais e travestis que estiveram à frente da implementação de políticas públicas LGBTs, na cidade de Belém, no estado Pará. No entanto, as duras críticas feitas pelo convidado renderam nota de repúdio da turma 2020.2, do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

"Eu acabei desencadeando uma série de problemas emocionais, como crise de ansiedade, crise de pânico, e desde então tem sido uma dificuldade muito grande, pessoal, para mim, me manter dentro do Programa em relação ao meu rendimento acadêmico", desabafou o mestrando Diogo de Sousa Monteiro.

Por causa da pandemia de Covid-19, esse espaço aconteceu de forma virtual, por uma plataforma de aulas online.

"Desde o início da intervenção do professor, ele foi extremamente rude porque, no primeiro momento, ele chegou a corrigir a forma como eu mencionei o nome dele - e até aí tudo bem, o nome dele é um nome estrangeiro - mas ele exigiu da professora que não fosse gravado o momento da intervenção dele, pois ele não dava autorização ao direito de imagem dele para ser veiculado em mídias sociais, como YouTube, por exemplo. Desde aí começou um deslinde de todo tipo de comentários inoportunos, se referindo ao meu projeto de pesquisa como geleia geral, segundo ele, pelo fato de que eu estava tentando abordar muitas coisas ao mesmo tempo. E  se seguiu com uma série de comentários depreciativos com relação ao meu projeto", explicou Diogo.

Segundo o mestrando, Eduardo Rabenhorst teceu várias críticas ao seu projeto, mas não se ateve às críticas. Acusou-o de ser preconceituoso com homens transsexuais e definiu como horrorosa a escolha de Diogo em utilizar o conceito de insterseccionalidade em sua pesquisa.

"Ele disse que não conseguia admitir que um aluno de mestrado não usasse um determinado tipo de bibliografia, o professor pode sugerir a bibliografia e não dizer que não consegue admitir, em outro momento ele chegou a se referir a um conceito que eu utilizo na dissertação, que é o de interseccionalidade, como um conceito horroroso. Ele chegou a mencionar que feminismo e questão LGBT são coisas que ele achava que não deveriam ser usadas simultaneamente e disse que achava que, pelo fato de eu priorizar no meu projeto, pesquisar apenas mulheres transsexuais e travestis, que eu tinha preconceito com homens transsexuais. Questão que, sinceramente, não cabe e não faz o menor sentido, pois qualquer pesquisador sabe que por uma questão de recorte, temos que escolher o público-alvo da nossa pesquisa. O público-alvo da minha pesquisa são militantes e gestoras dentro das políticas públicas LGBTs, em Belém do Pará, local a ser realizada a minha pesquisa. Essas militantes são mulheres trans e travestis, e não homens trans, razão pela qual eu acabei não elencando homens trans", disse Diogo, que não teve a oportunidade de responder as críticas do professor, pois ao ser interrompido pela professora ministrante da disciplina, o professor Eduardo Rabenhorst saiu da sala online, chamando a docente de deseducada e impossibilitando qualquer réplica do discente.

Tal fato gerou uma série de reuniões entre discentes e entre discentes e docentes do Programa em questão.

"Parece que foi algo meramente inoportuno mas realmente o problema foi o trato que ele fez com a sala, com a turma, com a professora e comigo. Houve manifestações de apoio e  solidariedade irrestritas por parte da turma e só por causa disso eu consegui manter um pouco da minha sanidade e da minha participação dentro do programa. Críticas são muito bem-vindas, desde que baseadas em respeito mútuo. Ele sequer me deu o direito de responder criticamente à arguição dele. O problema jamais foi a arguição, não é interesse meu questionar a autonomia de cátedra dele. Concluindo: Críticas são bem-vindas, desde que feitas com urbanidade e cordialidade. O objetivo da nota pública, divulgada pelos alunos da turma 2020.2 do Programa de Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da UFPB, não é prejudicar o professor Eduardo Rabenhorst ou questionar o direito dele enquanto professor de arguir, mas sim questionar o direito de, nós alunos, nós estudantes, não sermos ofendidos e molestados moralmente pelos professores".

Desde o dia 12 de abril que o fato provocou muitas discussões e reuniões com a coordenação do programa e com o corpo Colegiado da Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPB . Em uma delas, o ponto de pauta foi a assinatura ou não da nota pública redigida pelos alunos do Programa. A nota foi aprovada pelo colegiado, porém condicionada à recusa do pedido de retratação pelo professor. Como a recusa não foi verbalizada pelo professor, o Colegiado acabou não tendo as condições necessárias para assinar a nota porque feria os termos em que havia sido aprovada: a publicação ocorreria somente após a recusa do pedido de retratação. 

Procuramos o professor Eduardo Rabenhorst para opinar sobre a situação, ele agradeceu o contato, mas não se pronunciou.

Confira a seguir a nota pública, na íntegra, redigida e assinada pela Turma 2020.2 do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da Universidade Federal da Paraíba

NOTA PÚBLICA


A defesa dos Direitos Humanos não pode ser apenas um tema de pesquisa ou um objeto no qual nos debruçamos a elucubrações e inferências teóricas, mas deve estar impregnada em nosso pensar/fazer. Tampouco a universidade pública pode ser o local da perpetuação do autoritarismo, da segregação e da violência intelectual. A humilhação de estudantes durante seleções, apresentações ou defesas nos cursos de pós-graduação pode até ser comum, mas não pode ser tratado como normal. 
Dito isso, nós da turma 2020.2 do Programa de Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da UFPB, gostaríamos de manifestar nossa irrestrita SOLIDARIEDADE ao estudante e professora que foram agredidos e desrespeitados durante a realização do seminário de dissertação, pelo professor Eduardo Ramalho Rabenhorst, convidado deste seminário, no dia 12 de abril do corrente ano.
O Seminário de Dissertação é um momento preparatório para a efetiva realização da pesquisa no mestrado em Direitos Humanos, onde as contribuições de professores convidados e orientadores são fundamentais, incluindo aqui as críticas, que sempre enriquecem a elaboração pesquisa acadêmica.
Porém, não foi isso o que assistimos. Não foram contribuições acadêmicas (críticas), mas um ataque ao pesquisador, cuja grande parte da abordagem dirigiu-se à trajetória de vida do pesquisador e não à pesquisa apresentada. E quando tratou da pesquisa, fez-se no sentido de humilhar o pesquisador, a partir de comentários reiteradamente depreciativos contra ele.
Por fim, intervindo a professora da disciplina, o professor supracitado a ofendeu,  colocando em questão a educação dela, assim como questionando quem seria o orientador, retirando-se em seguida da sala virtual, demonstrando por parte do mesmo desrespeito à posição da professora enquanto coordenadora do referido seminário.   
Portanto, nós, estudantes e ativistas em Direitos Humanos, viemos por meio desta, manifestar também nosso REPÚDIO a atitude daquele professor e a toda e qualquer forma de violência, misoginia e autoritarismo acadêmico.


João Pessoa - PB, 28 de julho de 2021.


Turma 2020.2 do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da Universidade Federal da Paraíba.

Edição: Heloisa de Sousa