Hoje é o dia de Nevinha, mas também de Penha e da Guia. É o dia de João, de Biu e de José.
Hoje é dia de levantar cedo com o sol de quatro e meia da manhã e já no café comer uma macaxeira com galinha guisada no Mercado de Mangabeira ou uma fava com mocotó no Mercado da Torre.
Dia de ir pra praia pegar jacaré, jogar frescobol e atualizar o bronze.
Ou se molhar na chuva, que pode insistir em aparecer de repente e ir embora mais rápido do que veio.
– Corre, tira as roupas do varal!
É dia tomar uma gelada no Cabo Branco com tira-gosto de agulhinha frita ou caldo de marisco.
Na hora do almoço, pode escolher: a peixada da Dona Irene, na Penha; ou uma buchada lá em Tambiá. Ambas com uma bela dose de cana de cabeça pra abrir o apetite.
De sobremesa pode ser um cacho de pitomba, um rolete de cana, um quebra-queixo ou um cuscuz bondade no Mercado Central.
Dia de andar pela cidade que fala: Oxe! Visse? Varei! Iapôi!? Apôi é grave! Me aguarde! Mizéra! Misé...ricórdia! Tá cá gota! Tá cum istopô balai! Mulé! Mainha e Painho! Mô-fí! Iaê, asilado!? Tá ca mulesta dos cachorro doido! Muído! Tem parêa não! Deixa eu dar um xêro.
Hoje é dia de levar as crianças pra andar no trenzinho da Bica ou brincar no pula-pula da Lagoa.
Hoje é dia de chupar dindin e picolé de tinta. De comprar cavaco-chinês e amendoim (torrado e cozinhado!).
Dia de chupar mangaba, caju e guajiru.
Dia de comer milho cozido dentro do ônibus na volta pra casa.
É dia de lembrar da melô do Setusa e dos bailes nos clubes dançantes que a cidade perdeu.
Vale lembrar também dos cinemas onde muitos namoros começaram e que não existem mais.
Dia de ir na padaria de cinco horas da tarde e pedir três reais de pão. Tudo misturado: francês, brote, carteira, seda, doce liso e doce com coco.
Dia de comer tareco e mariola. E rebater com uma Guaraná Dore.
Hoje é dia de torcer no clássico Belo e AutoEsporte.
Dia de andar na calçadinha de Tambaú até Manaíra. De comer uma tapioca com coco, queijo e muuuito leite condensado.
Hoje é dia de festa de igreja: carrossel, roda gigante, balão e maçã-do-amor.
Hoje é dia de culto também.
Hoje é dia de brega e da bagaceira. Não a de José Américo, mas aquela dos fundos das barracas da Festa das Neves.
Hoje é o dia dela, da grande rainha, a Monga!
Hoje é dia de forró, Baby!
Hoje é dia da cidade que toca e ouve de tudo: rock, samba, funk, frevo, rap, carimbó e do Mago do Reggae!!!
Dia de ouvir o baque ritmado de caixas, zabumbas e ganzás com o solo agudo das gaitas dos índios de carnaval.
Dia da animação dos cocos e das cirandas.
Dia das presepadas de Mateus, Birico e Catirina no cavalo-marinho e no boi-de-reis.
Dia da devoção inocente das lapinhas e da seriedade alegre da barca nau catarineta.
Dia da festividade espalhafatosa das quadrilhas, clubes de orquestra, escolas de samba e ala-ursas.
Hoje é dia de trazer de volta os maracatus, as cambindas, os congos e os afoxés.
Hoje é dia de Folia de Rua, de procissão e passeata.
Hoje é dia da cidade se orgulhar do seu jeito cafuçu.
Dia de mandar ver um arrumadinho de carne de charque com cerveja na mesa do bar.
Dia de comer aquele cachorro-quente com tudo dentro na Praça da Paz, antes de voltar pra casa de madrugada.
Hoje é dia da cidade contraditória e controversa. Com nome de coronel anticoronelista e alma feminina de Marias e Yemanjás.
Dia da cidade conservadora e bem comportada, machista e homofóbica.
Dia da cidade afro-indígena juremeira, que a elite sempre colonial tenta esconder de todo jeito.
Hoje é o dia da cidade que ignora os seus povos: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, povos de terreiro, comunidades periféricas...
Hoje é dia de toque pra encantados, caboclos e orixás.
Hoje é o dia da cidade extremo oriental das esperanças de Brejo, Agreste, Cariri, Curimataú e Sertão. Dia da cidade que brilha aos olhos dos sudestinos e gringos.
Dia da cidade que esmaga sem piedade os que não tem dinheiro e não tem panelinhas onde se proteger.
Dia da cidade que acha que ser chique é ir no shopping.
Dia da cidade que seria muito pior se não tivesse Bayeux, Santa Rita, Cabedelo, Conde e Lucena bem pertinho.
Dia de lembrar como é ridícula a rivalidade com a Rainha da Borborema e, mais ridícula ainda, a sensação de subalternidade com a Veneza Brasileira.
Dia de cuidar do verde que estamos perdendo para o asfalto e o concreto.
Hoje é dia da cidade lembrar e cuidar das suas matas, mangues e rios: Jaguaribe, Sanhauá, Timbó, Laranjeiras, Cabelo, Gramame, Mumbaba e Cuiá.
Hoje é dia de soín, bicho-preguiça, quero-quero e jacaré no quintal.
Hoje é dia de cuidar das tartarugas marinhas.
Hoje é dia de andar a pé ou de bicicleta.
Hoje é dia da cidade que precisa ajustar muitas contas consigo mesma e com suas pessoas. Aquelas dos ônibus lotados e as outras, as que não tem um teto para dormir.
Dia da cidade parar de dizer LÁ em Mandacaru e ALI no Bessa; LÁ no Timbó e ALI no Miramar.
Dia da cidade parar de deixar cair os casarões antigos.
Hoje é dia de ouvir os moradores do Porto do Capim, da Penha, Paratibe, Bairro São José e Jacarapé.
Dia da cidade cheia de patrimônios e belezas, mas que quase não tem museus.
Dia da cidade se orgulhar de acolher a vida de Elizabeth Teixeira e a memória das Ligas Camponesas.
Dia da cidade se orgulhar da mulher arretada que foi Anayde Beiriz.
Dia da cidade se orgulhar de pessoas como João Balula, Luciano Bezerra e Fernanda Benvenuty.
Dia de valorizar quem vive na terra e no mar, quem produz, transporta e limpa. Quem cuida e arruma.
Dia da cidade desligar aqueles programas asquerosos no rádio e na TV.
Hoje é dia da cidade ser mais humana.
Dia de João Pessoa ser mais gente e menos pessoa. De ser menos Jampa e mais Paraíba.
Dia da gente olhar pro passado, presente e futuro. Dia de celebrar, mas também de co-memorar, lembrar juntos, o que foi, o que pode ser e o que não pode ser mais de jeito nenhum!!!
Hoje é dia de festa e de saudade.
Hoje é o dia de imaginar melhor a nossa comunidade imaginada.
Hoje é dia de amar e mudar o mundo, começando pelo aqui e o agora.
Feliz aniversário para quem faz desta cidade a sua cidade e procura deixar ela melhor para todxs que aqui vivem!!!
05 de agosto de 2021
Estêvão Martins Palitot é professor de Sociologia na UFPB.
Edição: Cida Alves