Novamente a CLT está na ordem do dia. No mesmo momento em que o projeto do voto impresso foi derrotado, a Câmara dos Deputados aprovou o texto base da conversão em lei da Medida Provisória 1045, de abril de 2021, avançando sobre os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, sem ampla discussão. O Congresso tenta à fórceps, reduzir a proteção social ao trabalho com a mesma tática e retórica: justificam-se medidas que retiram direitos históricos dos trabalhadores sob o mote de incentivar a geração de empregos, aumentar o consumo e incentivar a cadeia produtiva, quando o objetivo é a redução do valor do trabalho em nome da acumulação do capital e da recomposição das taxas de lucro.
A MP 1045 foi a que, dentre outros retrocessos trabalhistas renovou tanto o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda que permitiu a suspensão de contratos, redução da jornada de trabalho e de salários; quanto o Benefício Emergencial de Preservação de Emprego e da Renda, que foi insuficiente para impedir a queda da renda dos trabalhadores. Agora se disfarça como um programa de recuperação econômica.
Quando publicada, uma medida provisória entra imediatamente em vigor e o Congresso tem até 120 dias para convertê-la em lei ou as regras editadas na MP deixam de valer. Ocorre que no Congresso a MP 1045 foi transformada em mais uma reforma trabalhista, pois: 1. Cria três formas atípicas de trabalho, trazendo de volta a carteira verde e amarela, renomeada de Priore, o Requip com custeio do sistema S e o de Trabalho Voluntário aos Municípios; 2. Altera os procedimentos de fiscalização dos Auditores Fiscais do Trabalho e diminui as multas das infrações restringindo a proteção à saúde e segurança dos(a) trabalhadores(a); 3. Restringe o acesso à justiça do trabalho com aumento das hipóteses de condenação em custas processuais e redução das hipóteses de gratuidade, deixando restrita apenas aos de baixíssima renda, abrindo a possibilidade do trabalhador sair devendo da justiça do trabalho; 4. Muda verbas salariais para indenizatórias, retirando a possibilidade de acesso à previdência; 5. Dá mais poder ao acordo extrajudicial; 6. Acaba com a regra de jornada especial para pessoas que trabalham em minas de subsolo; dentre outras medidas que mudam regras processuais da CLT, do CPC e de leis específicas.
Mas, no que isso implica? Alguns pontos se evidenciam:
1. Temos um Congresso Nacional, em certa medida, alinhado ao Planalto Central. A MP originalmente não previa tal amplitude de perdas, o que não exime a Presidência, mas aponta que há uma atuação do Parlamento no processo de desconstitucionalização dos direitos sociais dos trabalhadores. O Congresso desempenha um papel fundamental no prosseguimento do projeto destrutivo e de acumulação capitalista da elite brasileira, que conta com o apoio do quarto poder, a Mídia que passou toda esta semana discutindo o voto impresso, mas não visibilizou a votação da MP 1045.
2. Esse novo ataque aos trabalhadores não se configura enquanto uma exceção ou mudança legislativa pontual, mas constitui um processo de continuidade às políticas neoliberais que se aprofundaram pós-golpe com o Governo Temer, como a Reforma Trabalhista, a PEC dos gastos que congelou os investimentos em Saúde e Educação por 20 anos e a Terceirização Irrestrita.
3. As narrativas se repetem. Na votação, os deputados trouxeram novamente a retórica da modernidade, da necessidade de flexibilizar para empregar, de que seria melhor ter trabalho do que direitos, como se ambos fossem inexoravelmente incompatíveis, que a legislação trabalhista é antiquada, dentre outras. Esses argumentos apenas tentam confundir a leitura real dos elementos fundamentais da contradição capital e trabalho, e convencer a classe trabalhadora. É puramente retórica para tirar o foco dos reais motivos de mais um rebaixamento dos direitos sociais compõem um projeto político neoliberal. Não há respaldo econômico nem técnico nem científico, antes a justificativa era o isolamento social, agora é a suposta recuperação econômica. Entretanto, o contexto é de outro pacote de medidas que aprofundam as políticas neoliberais com a tentativa de esvaziar a função pública em defesa de direitos e consolidar um Estado em prol do Capital, privatizado e com relações por meio de contratos individuais.
4. O modo de atuação antidemocrático. Na impossibilidade jurídica e dos meios comuns de atuação legislativa, tentam criar lacunas e exceções legais que possibilitem aprovar alterações já negadas ou impertinentes, sem observar os ritos e negando a discussão com a sociedade. Percebemos que o contrato de trabalho com menos direitos para os jovens já havia sido abordado na MP 905 e novamente retorna com outra cara, mas com os mesmos sentidos. Nas entrelinhas, tentam burlar os direitos sociais e promover mais uma ofensiva contra os trabalhadores, só que a miséria e a desigualdade social são inversamente proporcionais ao exercício da democracia.
5. Aproximação das condições de trabalho dos primórdios da sociedade capitalista. Há uma ampliação da exploração do trabalho sem garantias mínimas que retira a perspectiva da juventude no trabalho digno e estabelece o trabalho precário como regra. A possibilidade de trabalhadores receberem 250,00 reais mensais, como no Requip, promove a barbárie, a destruição das relações decentes de trabalho, a negação da sobrevivência da classe trabalhadora com um futuro, a naturalização do trabalho sem direitos e a destruição de carreiras e vínculos.
6. Não podemos deixar de apontar que na retirada de direitos, o aprofundamento das desigualdades sociais no contexto brasileiro tem na heterogeneidade da classe trabalhadora clivagens nas intensidades de opressões que depende dos marcadores sociais de desigualdade e coloca às mulheres negras em situação de maior vulnerabilidade social.
Observamos que os Programas de inserção precária no mercado de trabalho avançam na flexibilização do trabalho ao criar outras classes além do empregado, com categorias de subtrabalho, aqueles trabalhadores com menos ou sem direitos. A multiplicação de formas de trabalho que distancia o trabalhador da CLT e de garantias. Ao flexibilizar as relações de trabalho tentam tirar o Estado da mediação prol trabalhador, na verdade, deixam-no como regulador do trabalho em prol do empregador e do capital, garantido suas taxas de lucro. Além disso, os programas ainda trazem a figura do serviço voluntário pago, comprometendo o serviço público.
Portanto, na guerra do Estado Brasileiro aos trabalhadores e trabalhadoras avizinha-se mais uma batalha. Há um longo caminho pela frente, mas a aprovação da MP 1045 na Câmara dos Deputados sinaliza, junto à privatização dos correios e a PEC 32 da Reforma Administrativa, que na linha de frente do front estão os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros. A MP segue para o Senado com apoio de diversos agentes sociais, compondo um projeto neoliberal e nos coloca a tarefa de derrubá-la. Precisamos estar atentos e fortes para que as fumaças do bolsonarismo não deixem que este projeto sufoque o trabalhador e a trabalhadora brasileira. E, no contexto em que temos a Câmara dos Deputados alinhada à Presidência da República, o caminho que sinalizamos é o da mobilização da classe trabalhadora.
*Bárbara Ferreira de Freitas - Mestre em Estudos Interdisciplinares em Gênero, Mulheres e Feminismo; Servidora Administrativa da UFPB e militante da Consulta Popular
Edição: Cida Alves