A boa nova não andou nos campos de Gramame quando 'entrou' setembro. Diferentemente da música Sol de Primavera, de Beto Guedes, a tarde do dia 1° de setembro de Rosa Bernardo da Silva e de Daiane foi de agonia. Elas estavam esperando a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) chegar com retroescavadeiras e despejá-las às 16h30. "Passaram a noite inteira sem dormir e muito angustiadas", relatou Maria do Céu Palmeira, Ouvidora Externa da Defensoria Pública do Estado da Paraíba, que acompanhou o caso.
A identificação dessa situação foi feita por Gleyson Melo, militante do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD). Ele recebeu, ainda na noite do dia 31 de agosto, o chamado das famílias que moram na Rua Jani Celi de Sousa, no bairro de Gramame, em João Pessoa, que pediam ajuda e estavam assustadas ao encontrarem na porta de suas casas uma notificação da PMJP sobre remoção de suas casas da área.
"Fiquei muito preocupada com a situação dessas famílias serem despejadas em plena pandemia e tomamos a iniciativa o mais rápido possível. Alegamos a violação aos direitos fundamentais da Constituição e pedimos a observação às recomendações do Conselho Nacional de Justiça, assim como ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e solicitamos de imediato, à PMJP, a partir do Núcleo Especial de Direitos Humanos e de Cidadania, através da defensora pública, Fernanda Peres da Silva, a imediata suspensão da remoção dessas famílias", relatou a ouvidora Maria do Céu.
Procuramos a Secretaria de Desenvolvimento Urbano de João Pessoa (Sedurb) para entender as razões para tal ação e recebemos o seguinte comunicado: "A Secretaria de Desenvolvimento Urbano de João Pessoa (Sedurb) esclarece que a ação realizada no loteamento Novo Milênio, no Valentina de Figueiredo, teve como objetivo promover a desocupação de área pública. No início do ano, a Secretaria realizou uma fiscalização e constatou o início de construções irregulares, chegando a notificar os responsáveis pelas edificações. À época, o material utilizado na construção foi retirado do local. Apesar disso, a construção foi retomada e algumas unidades chegaram a ser finalizadas. A Sedurb reforça que tais construções desrespeitam as legislações vigentes, entre elas o Código de Postura do Município, configurando invasão.
Diante da conduta, as equipes da Sedurb promoveram nova notificação, dada a reincidência, dando o prazo estabelecido pela lei para que ocorra a desocupação.
Vale ressaltar que durante a abordagem, as equipes não identificaram nenhuma pessoa no local, apesar das reiteradas tentativas e, por isso, fizeram a notificação por colagem, como prevê a lei", explicou.
MTD
Ao longo da pandemia, o MTD tem atuado prontamente para garantir o direito à moradia de diversas mulheres, homens, jovens, adolescentes, idosos e crianças da cidade de João Pessoa. No último dia 31 de agosto, foi a vez de chegar até o bairro de Gramame para amparar e assessorar as famílias de Rosa Bernardo da Silva e de Daiane.
"Eu moro aqui desde 2009 e eles disseram que iam demolir tudo e tirar todo mundo daqui e dos terrenos. Eu moro aqui há 12 anos", disse Rosa Bernardo da Silva.
A área que as famílias moram é um espaço rural dentro da cidade, lá eles além de morar, plantam também ao redor de casa. Inclusive há uma divergência quanto ao bairro onde o local está localizado, oscilando entre o bairros de Gramame (de acordo com a conta da energia elétrica) e Valentina (de acordo com os moradores e PMJP).
"A prefeitura veio aqui sem nenhuma mandado judicial. Além disso, a área, no passado, parece pertencer, segundo as contas de energia, a uma construtora, portanto, é uma ação no mínimo estranha da PMJP, vir aqui e alegar que a área é pública", explica Gleyson Melo, do MTD.
Em resposta à ação da Defensoria Pública da Paraíba, MTD e a Comissão de Combate à Violência no Campo e na Cidade, a PMJP respondeu nesta quinta (02), positivamente, ao pedido de suspensão dos despejos feito pela Defensoria. "Só a luta e a nossa organização são capazes de enfrentar as violações de nossos direitos. Por isso, seguimos juntos defendendo o direito à dignidade humana e à moradia", disse Gleyson Melo, ao comemorar o resultado da ação.
Edição: Heloisa de Sousa