Por Surya Aaronovich Pombo de Barros*
Há alguns anos, durante o mês de outubro e, especialmente, quando se aproxima o dia 15, aparece em redes sociais, mensagens na mídia e imagens enviadas por celular, cartões com fotografias e pequenos textos sobre Antonieta de Barros, em função de ter sido ela a propor a data como dia dos professores. Nesses materiais, lemos que ela foi professora e a primeira deputada estadual eleita em Santa Catarina e primeira mulher negra eleita no Brasil, na primeira metade do século XX. Mas, afinal, quem foi Antonieta de Barros?
Além dos atributos citados, que a consagraram como personagem principal dessa data, Antonieta de Barros foi dona de escola de prestígio, professora em Escolas Normais; teve uma coluna fixa no principal jornal de Florianópolis sob o pseudônimo Maria da Ilha, e depois publicou os textos em livro - Farrapo de Ideias, título homônimo à coluna; foi uma intelectual que se manifestava publicamente sobre temas delicados como direitos da mulher, importância da educação e desigualdades.
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Antonieta de Barros nasceu em Santa Catarina no alvorecer do século XX, num período em que a escravidão tinha sido abolida muito recentemente e em que racismo e eugenia permeavam as relações sociais. Sua mãe, Catarina, tinha origem escrava e, como tantas mulheres negras no Brasil, foi cozinheira, empregada doméstica e lavadeira, e criou sozinha o filho e duas filhas, que alçaram importantes postos na sociedade local. Leonor, a caçula, também foi professora e acompanhou Antonieta durante toda a vida.
Após se formarem professoras, por falta de concurso público e “pistolão”, as irmãs não teriam conseguido lecionar no ensino público, por isso começaram a dar aulas particulares em casa. Esse curso se transformou no Colégio Antonieta de Barros, que obteve grande prestígio na sociedade local, sendo frequentado por alunos pertencentes à elite catarinense e que Leonor dirigiu após a morte da irmã. Antonieta foi, ainda, professora de português, literatura e psicologia em instituições públicas e privadas de formação de professoras, tendo reconhecimento e admiração pelas normalistas que a convidavam para paraninfa em sucessivas formaturas.
Antonieta era católica atuante e combinava a personalidade religiosa e os trabalhos filantrópicos com a defesa das mulheres, se aproximando das questões relacionadas ao feminismo daquele período. Ela defendia a importância do voto feminimo e da participação das mulheres na política, mantendo contato com feministas de diferentes regiões como Bertha Lutz e outras, que vibraram com sua eleição para deputada estadual em dois mandatos. Ela foi desbravadora em diversos assuntos como dirigir, possuir carro e telefone, viajar nas férias e defender os direitos das mulheres.
É admirável e ao mesmo tempo perturbador notar que na primeira metade do século XX Antonieta já defendia temas que são urgentes ainda hoje: necessidade de concurso público para magistério e para o cargo de direção de escolas; igualdade de salário entre professores e professoras; relevância da educação de adultos; necessidade de organização da categoria docente; importância da aproximação entre crianças pobres e livros, por exemplo.
Negra, parte de uma família negra na região sul do Brasil num período em que as coisas eram ainda mais difíceis, Antonieta ultrapassou as expectativas da sociedade para uma mulher negra. Ser moderna, ter superado a pobreza, obter prestígio e reconhecimento social, porém, não a protegeram de sofrer racismo. Um exemplo relatado por familiares eram os “trotes”, que recebia no telefone que foi pioneira em ter: “‘Antonieta sofria ameaças por telefone. Ouvia coisas horríveis. Atendia, e as pessoas mandavam perguntar à Antonieta se ela queria vender o beiço para fazer feijoada’” (ROMÃO, 2021, p. 98). Nas disputas políticas, sua origem também era usada para atacá-la, como aconteceu nas campanhas para deputada e nas tribunas. Em 1951, um adversário acusou as discussões sobre educação feitas em sua coluna na imprensa de “intrigas da senzala”. Em um emocionante e contundente texto, que merece ser lido na íntegra, Antonieta respondeu:
“Na verdade, não há intriga, porque não houve, mas as considerações em torno da situação desoladora do ensino público, foram ditadas pelo coração de uma negra brasileira, que se orgulha de sê-lo, que nunca se pintou de outra, cor, que nasceu trabalhou e vive nesta terra e que bendiz a Mãe, a santa Mãe, também negra, que a educou, ensinando-a a ter liberdade interior, para compreender e lastimar a tortura dos pobres escravos que vivem acorrentados, no mundo infinitamente pequeno das cousas infinitamente pequeninas e insignificantes…”.
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Entre os textos acadêmicos e de divulgação sobre essa importante protagonista da história brasileira, sugiro o livro Antonieta de Barros: Professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil escrito por Jeruse Romão (Florianópolis: Editora Cais, 2021). A pesquisa realizada é extensa e rigorosa; o livro traz fotografias maravilhosas de Antonieta no mundo público e também privado, textos produzidos pela própria Antonieta, relatos de familiares e uma documentação que nos aproximam da mulher, negra, professora, intelectual, política, cuja atualidade nas reflexões e reivindicações é impressionante.
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Outra aproximação com a personagem é o documentário Antonieta, de Flávia Person (2016). Para quem está na docência na educação básica, é possível apresentar Antonieta a estudantes através do programa Canal da História, que tem um programa dedicado a ela. O Museu da Universidade do Estado de Santa Catarina tem uma seção dedicada a Antonieta. Finalmente, para quem se interessa pela história de docentes negros e negras, o podcast SALA DOS PROFESSORES tem um programa chamado Grandes Educadores, que trata da temática trazendo outros/as sujeitos para o debate.
*Historiadora, professora de Política Educacional, Educação e Relações Raciais e História da Educação/UFPB. Email: [email protected]
Edição: Cida Alves