Não queria começar esta coluna com mais um caso de racismo no esporte, mas infelizmente nesta semana, na terça-feira (16), durante uma partida pela semifinal da Libertadores Feminina entre Corinthians e Nacional (URU), a atleta brasileira Adriana foi chamada de “macaca” por uma jogadora da equipe uruguaia após marcar um gol. O Sport Clube Corinthians Paulista garantiu a vaga na final com uma vitória de 8 a 0 em cima do Nacional, entretanto o sentimento em campo foi de uma derrota coletiva do futebol, do esporte e do ser humano. As companheiras de equipe e toda a comissão técnica se manifestaram no fim do jogo levantando o punho cerrado para o alto, simbolizando um gesto de luta antirracista.
Em nota, o Corinthians disse repudiar veementemente o que aconteceu e que está prestando todo apoio necessário à atleta. “A delegação feminina contará com todo suporte jurídico cabível para a apuração necessária e a punição contundente desse ato inaceitável”, finalizou a nota.
Nas redes sociais, clubes e atletas deram apoio a Adriana e repudiaram o crime cometido durante o jogo.
Novembro Negro e as redes sociais
Vários clubes brasileiros vêm se manifestando nas redes sociais sobre o dia da Consciência Negra e sua importância para a luta antirracista, também estão sendo confeccionadas camisas em homenagem ao mês e sendo criadas algumas hashtags para o engajamento das campanhas, o que é um passo importante e válido, visto que vivemos no mundo das conexões digitais, virtuais, e é um espaço que precisa ser ocupado com temas que gerem reflexão e debates, mas eu pergunto: quando vamos ultrapassar essas barreiras digitais e apresentarmos intervenções mais práticas e diretas?
Acredito que, para além do post na internet, os posicionamentos e as falas de atletas e clubes são outro passo importante. Um exemplo é do jogador e capitão do Internacional, Taison Freda, que quando jogava pelo Dínamo de Kiev, na Ucrânia, sofreu atos racistas em uma partida e como protesto chutou a bola contra a torcida, porém o juiz acabou suspendendo Taisson ao invés de parar e exigir que as manifestações racistas fossem cessadas. O jogador revelou que sofreu muito naquele momento e até hoje não deixa de se expressar e se posicionar frente a essas injúrias. Em entrevista ao Observatório Racial do Futebol, Taisson falou da importância de todo atleta se posicionar: "quando as pessoas nos assistem elas querem ser uma de nós, e nos escondemos muito. Não é para ser assim. Minha palavra pode ajudar muitas pessoas. Eu digo para os meninos e meninas negras que querem jogar futebol que não desistam. Que não vai ser uma vez, nem duas vezes, a gente vai ter de lutar por isso muitas vezes”, afirmou o jogador.
O Esporte Clube Bahia também foi além e vem realizando uma série de medidas práticas na luta antirracista desde 2018 quando sediou o lançamento do Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, em parceria com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Também foi o primeiro clube a realizar treinamentos com palestras e mesas redondas para gestores, diretores e colaboradores de algumas empresas e órgãos governamentais sobre racismo estrutural e igualdade racial.
Racismo estrutural e os números
Em 2020, segundo o Observatório Racial do Futebol, os casos de racismo no futebol aumentaram em 52%. O Brasil, infelizmente, é um país estruturado em bases racistas e as ofensas e apelidos são só uma parte do problema, a ponta do iceberg. Ainda de acordo com o observatório, das mais de 40 denúncias que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) em 2020, 19 foram absolvidas, ou seja, quase 50% dos casos saíram impunes. Dos mais de 40 técnicos do Brasileirão das séries A e B, apenas três são negros, assim como dirigentes e presidentes de clubes tem quase 1% ou nenhum negro.
Identificar e punir os torcedores que cometerem atos racistas, incluir movimentos e representatividades nos clubes, debater e promover ações afirmativas sobre raça e etnia com as bases, apoiar atletas e comissão técnica e inseri-los em seus quadros de funcionários, buscar realizar campanhas e debates com sócios torcedores, são práticas afirmativas mínimas que ainda precisam ser faladas para que sejam executadas. A Fifa e as federações nacionais precisam apertar ainda mais o cumprimento integral das leis, porque o futebol ainda é um dos esportes mais comentados do mundo, sendo um espelho social, político e cultural e tendo assim sua reponsabilidade em tornar o mundo um lugar mais justo, igual e fraterno.
Para além das redes sociais, existem pessoas que sofrem com a desigualdade racial, existe o genocídio da população negra; o futebol precisa ultrapassar as quatro linhas, o gol precisa chegar a todos e não só através de uma hashtag, mas com firmeza, debate, justiça e responsabilidade pelas vidas negras.
Edição: Carolina Ferreira