Paraíba

Coluna

Parteiras Indígenas

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Parteiras potiguaras Dona Nancy, Dona Pempa e Cida Potiguara, na formação de parteiras da Casa Lua Cheia. - Arquivo Pessoal
as parteiras indígenas formam um grupo uniforme: são mais de 300 etnias presentes no Brasil

*Por Casa Lua Cheia

 

Na última semana, estivemos envolvidas com a realização do primeiro módulo da formação de parteiras da Casa Lua Cheia. E o lugar que escolhemos para o mesmo foi a Costa Potiguara, na aldeia Coqueirinho do Norte, por ser um refúgio natural e berço de parteiras e mestras como Mãe Grossa, Dona Nancy, Pempa, Nevinha, Penha e suas herdeiras que atuam e também já ensinam, como Cida Potiguara, que além do partejar, assume o cuidado com as mais velhas e o diálogo entre seus saberes ancestrais e o mundo contemporâneo.

Não é de causar surpresa que a manhã que passamos juntas foi, na avaliação da turma de aprendizes, momento único de grande emoção e alegria na formação. Ouvir suas histórias de entrega, desafios e missão em acompanhar as mulheres e garantir a chegada feliz das crianças no nascimento é sempre fonte de inspiração e oportunidade de reverenciar essas mulheres, que não estão em missão somente nos partos, mas são mães, madrinhas, comadres, rezadeiras, benzedeiras, caciques, lideranças políticas e referências buscadas em suas comunidades em muitas situações de necessidade. São conciliadoras e por isso ouvidas nas resoluções de conflito. São corajosas e criativas, não fugindo da luta nem desistindo de acreditar que haverá soluções e tempos melhores.

Estima-se que no Brasil haja em torno de 60 mil parteiras tradicionais, estando 45 mil delas nas regiões Norte e Nordeste, e são elas, predominantemente, parteiras quilombolas, ribeirinhas e indígenas. Tampouco as parteiras indígenas formam um grupo uniforme: são mais de 300 etnias presentes no Brasil, com sua cultura e saberes/fazeres singulares no que tange ao parto e seus entornos.

Quando tive a oportunidade de conhecer as mulheres Sanumá, em território Yanomami, percebi que não era em todas as etnias que as parteiras tinham esse nome. Entre essas mulheres, não há a função de parteira, a mulher vai ter seu bebê à beira do rio, sozinha, e se precisar, manda chamar a mãe dela, que se precisar manda chamar a avó e assim por diante. São parteiras todas as mulheres, sendo as mais experientes as mais sábias e aptas a resolver alguma complicação.

Já entre as Macuxi, Shanenawa, Pankararu, Potiguara e tantas outras, já é antiga e (re)conhecida a tradição das parteiras e seu ofício em suas comunidades. São mulheres que normalmente começam a aprender a parteria muito jovens, carregando a bolsa de suas avós, mães e madrinhas parteiras nos partos. No decorrer dos anos começam a assumir a posição de assistentes da parteira junto de suas mestras e, então mais velhas, passam a ensinar as mais jovens. Dificilmente param de acompanhar as mulheres e sempre se dispõem quando chamadas até já bem idosas. São verdadeiro patrimônio imaterial da humanidade.

Entretanto, não têm ainda seu trabalho reconhecido enquanto profissão, nem condições mínimas, nem remuneração justa ou aposentadoria garantidas. É extensa a luta pelo reconhecimento de seu ofício junto ao Estado, e em se tratando do atual governo, houve um enorme retrocesso no processo de demarcação de terras e desrespeito à causa indígena.   

Felizmente, as parteiras potiguaras estão se organizando para abrir sua associação. Assim, coletivamente, vamos nos fortalecendo e avançando na gestação de dias melhores.

*Coluna coletiva assinada pela Casa Lua Cheia.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

Edição: Heloisa de Sousa