Em um tempo em que se achava absurdo teatro para negros, Santa Rosa lançou sua defesa
Por Thiago Brandão*
A participação da população afro-brasileira não se limita a história da escravidão do Brasil, sobretudo, quando observamos o momento posterior a efeméride de 13 de maio de1888 (abolição), em que é possível evidenciar em diversos âmbitos inúmeras atuações sociais protagonistas, quer seja na política, na cultura, ou no mundo das artes. E apesar do que muitos acreditam, tal evidência não anula às consequências inerentes ao processo do Brasil ter vivido mais de 300 anos sob o regime da escravidão. Em virtude de tal cenário, foram geradas consequências profundas que estruturam, no tempo presente, a sociedade brasileira, na qual a população negra é constantemente alijada de direitos mínimos como educação, saúde e segurança social. Diuturnamente, o racismo se manifesta quer seja em sua faceta individual, institucional ou estrutural.
No âmbito educacional, os silenciamentos e não-ditos sobre histórias de vidas negras são com frequência perpetuados ainda nas primeiras etapas da formação escolar. O que potencializa uma cultura escolar excludente. Em geral, são difundidas narrativas dos “grandes homens” apresentados ao público de educandos(as) enquanto personagens da história do país, e não raro são eles homens, brancos, oriundos de famílias oligárquicas. Estes que para não serem esquecidos operam na gleba da história a partir do controle da memória coletiva e individual, a exemplo da construção de esculturas e monumentos em centros urbanos, vias públicas e pontos turísticos.
Pois bem..., mas para onde foram os homens e mulheres negros(as) que protagonizaram experiências de vida, vividas após a abolição da escravidão? Que desafios enfrentaram para se integrar a nova dinâmica de cidadania? Qual a importância de suas trajetórias para uma educação antirracista?
É nesse sentido que estudos sobre trajetórias negras têm sido decisivos para dar maior nitidez e visibilidade às histórias de vidas, vividas por afro-brasileiros(as) sobretudo no pós-abolição. Assim, convido o leitor(a) para conhecer um pouco sobre o afro-paraibano Tomás Santa Rosa Jr. que infelizmente é bem mais conhecido em outras partes do mundo do que na Paraíba.
A história de vida do afro-paraibano, homem negro, migrante e multifacetado artista (pintor, cenógrafo, designer, professor e crítico de arte) Santa Rosa é dedicada à cultura e à arte. Nasceu em 09 de setembro de 1909, na Cidade da Parahyba (atual João Pessoa), onde viveu praticamente metade de sua vida. Seu falecimento ocorreu, em 20 de novembro de 1956, quando esteve enquanto convidado da comissão de cultura do Brasil, na 9º Conferência Geral da Unesco, em Nova Delhi, capital da Índia, morte cuja causa é relacionada a complicações renais.
Em dezembro de 1956, no hall do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, era velado o corpo do afro-paraibano Santa Rosa. Naquele momento fúnebre, homens e mulheres do meio artístico-cultural e político do país se despediam do amigo. Ao ocupar cargos estratégicos no Ministério da Educação e Saúde, Santa Rosa, também desempenhou ações políticas para democratizar a cultura, uma vez que defendeu a criação de escolas de arte pelo país. A notícia de seu falecimento levou dezenas de pessoas às escadarias do monumental edifício para darem o último aceno.
Na pintura, Santa Rosa se destacou ao ponto de ser premiado com medalha de prata no Salão Nacional de Arte. Suas dezenas de obras espalhadas pelo mundo (murais e quadros) expressaram linhas e cores, em cenas tanto de sua cidade natalícia quanto da boêmia carioca (onde passou a residir a partir de 1932), samba, trabalhadores, festas, pescadores, baianas, traços e motivações da cultura afro-brasileira e africana. Ao atuar enquanto crítico de arte, Santa Rosa ganha espaço para escrever nos principais jornais do país. Por ocupar por anos a função de júri do principal evento do mundo da pintura, o Salão Nacional de Arte, é escolhido para compor a comissão da Bienal Internacional de São Paulo por duas vezes.
É lembrado como o artista gráfico de uma geração, afinal, produziu a feitura gráfica de quase todos os romances escritos na década de 1930. Certamente por isso, Santa Rosa é reconhecido como o pai da arte de “vestir livros”. No ano de 1946, é possível evidenciar seu pioneirismo ao coordenar o 1º Curso de Artes Gráficas do país promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No âmbito do teatro nacional, Santa Rosa se destacou na feitura artística e técnica da cenografia. Ao produzir dezenas de cenários para as principais companhias do teatro do país. Em sua trajetória no mundo do teatro inaugurou uma outra concepção de perspectiva e função para os cenários, criando a feitura moderna da cenografia. Um bom exemplo é o cenário para a peça Vestido de Noiva (1943), escrita por Nelson Rodrigues e dirigida pelo polonês Zbigniew Marian Ziembinski.
Em um tempo em que se achava absurdo teatro para negros, Santa Rosa lançou sua defesa para implementação do Teatro Experimental do Negro (TEN), sendo um assíduo colaborador. Foi amigo de Abdias Nascimento e Ruth de Souza, situação que o fez produzir cenários e figurinos para o TEN.
Com isso então é possível entender que os estudos sobre histórias de afro-brasileiros ajudam a desnudar a visão enrijecida de que a história da população negra foi a escravidão. A dinâmica da história de afro-brasileiros(as) se manteve protagonista no palco da história mesmo quando era empurrada para a coxia.
Por fim, desconstruir uma cultura escolar que reproduz equívocos negativos como inviabilizar histórias negras é pauta de uma educação antirracista, ou seja, o estímulo para novos estudos sobre histórias de vidas negras é imprescindível para tornar nítido os(as) diversos(as) personagens negros(as) que compuseram a história do Brasil. A exemplo de Santa Rosa há tantos(as) que foram centrais na produção da vida cultural, artística e política do país.
Para saber mais
BARSANTE, Cássio Emanuel. Santa Rosa em cena. Rio de Janeiro: INACEM, 1982.
DOMINGUES, Petrônio; GOMES, Flávio. Experiências da emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição, São Paulo: Selo Negro, 2011.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos na luta por emancipações. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
SILVA. Thiago, Brandão. Fragmentos de uma história de vida: o afro-paraibano Tomás Santa Rosa Jr. (1909-1956) entre vivências, intelectualidades, ditos e feitos artísticos. 2022. 232 f. (Mestrado em História). Centro de Ciências Letras e Arte. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2021.
*Professor da rede estadual de ensino básico da Paraíba. Pesquisador/colaborador do NEABI/UFPB. E-mail:[email protected]
Edição: Heloisa de Sousa