A Paraíba está prestes a iniciar o 1º ano do novo ensino médio e ainda existem muitas dúvidas
Com a iminência do início do 1º ano do novo ensino médio na Paraíba, muitas dúvidas ainda pairam entre professores e estudantes sobre o que tem de realmente novo. Mas para quem já estuda ou atua nas escolas integrais da rede estadual as mudanças não trarão tantas novidades.
Aprovado de maneira apressada em 2017 pelo governo golpista de Michel Temer, através de medida provisória e ratificado posteriormente em lei, o chamado “novo ensino médio” altera a forma da oferta desta modalidade de ensino e suas finalidades. A proposta foi criada sob o argumento de possibilitar a escolha dos estudantes sobre quais áreas do conhecimento gostariam de aprofundar seus estudos. Para tanto o currículo foi dividido em duas partes: uma parte para a formação geral básica e outra parte para os chamados itinerários formativos.
A formação geral básica deve garantir que os estudantes tenham acesso a todos os objetos do conhecimento (conteúdos) descritos na Base Nacional Comum Curricular, que abrangem todas as áreas do conhecimento. Devem ser destinadas até 1800 horas, ao longo dos três anos do ensino médio, para esta formação geral. Já os itinerários formativos, tidos como a novidade no ensino médio, serão percursos curriculares de aprofundamento em determinada área do conhecimento.
A lei federal do novo ensino médio, lei nº 13.415/2017, indica cinco áreas para itinerários formativos: ciências humanas e sociais aplicadas, matemática e suas tecnologias, linguagens e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologia e formação técnica e profissional. Para cada um destes itinerários formativos devem ser dedicadas pelo menos 1200 horas ao longo dos três anos do ensino médio. Ao todo serão pelo menos 3.000 horas ao longo dos três anos de ensino médio e o estudante terá a possibilidade de cursar outro itinerário ao final do terceiro ano, se desejar. Essa possibilidade ainda será alvo de regulamentação pelo Conselho Estadual de Educação.
O estado da Paraíba aprovou, através da Resolução Normativa do CEE/PB nº 296/2020 que institui a “Proposta Curricular para o Ensino Médio”, a construção de um itinerário denominado “itinerário formativo propedêutico integrado” que contempla todas as áreas do conhecimento e suas disciplinas. Além disso, unificou os itinerários de matemática e ciências da natureza em um único itinerário de ‘exatas’.
Em todos os itinerários formativos estão presentes duas novas disciplinas: projeto de vida e disciplinas eletivas. As disciplinas eletivas serão ofertadas semestralmente e não são seriadas, ou seja, os estudantes de qualquer turma podem se matricular. Os temas das disciplinas eletivas devem ser discutidos e planejados semestralmente, por professores e estudantes. Já a disciplina projeto de vida, de acordo com o texto da proposta curricular estadual para o ensino médio, “abrange diversas perspectivas, dentre as quais três são fundamentais: psicológica, sociológica e filosófica. [...] O projeto de vida, portanto, engloba uma série de dimensões que envolve reflexão, autoconhecimento, interação, escolhas, condições socioemocionais e materiais”. Ambas as disciplinas podem ser ministradas por qualquer professor ou professora, não requerem uma formação específica.
Os itinerários formativos deverão ser construídos e organizados a partir de um ou mais eixos estruturantes, definidos pela Resolução CNE/CEB N° 3/2018. Os eixos estruturantes são: Investigação científica, Processos criativos, Mediação e intervenção sociocultural e Empreendedorismo. As escolas terão autonomia para desenvolver as trilhas formativas para os seus itinerários formativos, desde que de acordo com as normativas vigentes e submetidas ao Conselho Estadual de Educação.
Especificamente para o itinerário formativo técnico as escolas poderão firmar parcerias, ou seja, terceirizar a função docente, para a realização das disciplinas técnicas. A grande ameaça aqui consiste na possibilidade de realização de terceirização numa atividade fim do serviço público, a compra direta por parte dos governos de cursos técnicos ofertados por escolas privadas.
Graças a movimentação do SINTEP-PB esta possibilidade ainda não foi regulamentada pelo CEE e em 2022 não fará parte da prática governamental. Outro ponto polêmico e que ataca a qualidade da educação, que também precisará de regulamentação específica, é a possibilidade de contratação de professores sem formação pedagógica, apenas com o chamado “notório saber” atestado por empresa da área do curso técnico e reconhecido pela Secretaria de Educação.
Por fim, outra medida prevista no “novo ensino médio” é a possibilidade de até 20% (para turmas do diurno) e 30% (para turmas do noturno) do currículo ser concluído por atividades pedagógicas não presenciais. Não há especificação quanto à forma dessas atividades, tema que ainda será debatido no Conselho Estadual de Educação da Paraíba. É preciso garantir condições igualitárias de acesso a estas atividade pedagógicas não presenciais bem como seguir a legislação vigente quanto ao Ensino à Distância, que tem metodologia específica para funcionar.
O ESTUDANTE PODERÁ ESCOLHER O QUE QUER ESTUDAR?
A grande propaganda do MEC para a implantação do novo ensino médio é a possibilidade do estudante escolher qual itinerário o formativo irá cursar. Contudo, a resolução 410/2021 aprovada no Conselho Estadual de Educação, as escolas só serão obrigadas a ofertar 1 itinerário formativo integrado ou 2 itinerários de áreas diferentes. Na prática, se a escola só ofertar 1 itinerário o estudante não tem o direito de escolher.
Essa situação chama mais atenção nas cidades pequenas onde só há uma escola de ensino médio. De acordo com o governo do estado estas escolas ofertarão o itinerário formativo propedêutico integrado, que basicamente mantém a atual estrutura curricular do ensino médio, mas não há garantias de que ofertem os demais itinerários.
AS DISCIPLINAS TRADICIONAIS VÃO ACABAR?
Muito se falou sobre o fim das disciplinas tradicionais (biologia, história, química, etc) com a construção do currículo por áreas do conhecimento. Mas as disciplinas continuarão existindo, pelo menos por enquanto. Toda a carga horária da formação geral básica (1800 horas anuais) será dividida em horas aula por disciplinas. Há dispositivos na lei que garantem a obrigatoriedade da oferta de filosofia, sociologia, educação física e artes, além da obrigatoriedade da oferta de português e matemática nos 3 anos do ensino médio.
Porém houve mudança significativa na elaboração dos livros didáticos que passaram a ser agrupados por áreas do conhecimento e não mais por disciplina, sob o argumento de favorecer a interdisciplinaridade, adequando-se à BNCC. Os objetos do conhecimento (conteúdos) das disciplinas que compõe as grandes áreas estão distribuídos em livros de uma única coleção. Exemplo: não existe mais um livro de biologia, existe o livro de ciências da natureza que contempla os conteúdos de biologia, física e química.
QUAL CRONOGRAMA DE IMPLEMENTAÇÃO
A implementação do novo ensino médio será gradual, iniciando pelo 1º ano em 2022 e sucessivamente nos próximos anos. Até 2024 todas as escolas da rede pública e privada devem adequar 100% do seu currículo ao novo ensino médio. A proposta do governo para a rede estadual de educação, que concentra cerca de 85% das matrículas do ensino médio, é organizar a carga horária de formação geral básica e de itinerários formativos na proporção de 60% e 40%, respectivamente ao longo dos 3 anos do ensino médio. Mas essa não é a única forma possível de distribuição da carga horária, outras propostas estão contidas na resolução 410/2021 do Conselho Estadual de Educação e podem ser adotadas por escolas da rede privada.
*Por Felipe Baunilha e Luciana Walter
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.
Edição: Cida Alves