está na hora do Brasil investir mais no esporte [...], promover a igualdade e a equidade raciais.
Por Ana Beatriz Silva da Rosa*
A colonização brasileira foi marcada por traços de intolerância racial, religiosa e cultural, disseminada por ideologias racistas eurocêntricas. Apesar de muitos avanços na sociedade pós-moderna, ainda se têm muito que evoluir quando se fala sobre igualdade de direitos e inclusão. Dentro do esporte não é diferente: negros, indígenas e paratletas sofrem muitas dificuldades para conseguir chegar à elite do esporte e serem reconhecidos por suas conquistas.
É comum vermos comerciais patrocinados por marcas importantes com atletas, majoritariamente, brancos, sem qualquer tipo de deficiência e que estejam em um esporte considerado de elite. Somente, nos últimos anos, atletas negros e negras começaram a ser contratados e a fazerem parte desse universo de visibilidade. Assim, já se pode ver o quanto a sociedade alimenta a reprodução da exclusão social.
Além disso, nos jogos Olímpicos de 2020, uma rede de Televisão Brasileira apresentou quase todos os jogos. No entanto, nos jogos paralímpicos do mesmo ano, a mesma emissora narrou poucos jogos dessa categoria. Assim, há uma controvérsia: ao mesmo tempo que a emissora faz inúmeras reportagens sobre discriminação durante todo o ano, ela transmite poucos jogos paraolímpicos. Não seria também uma discriminação tácita? Seria importante reconstruir alguns comportamentos sociais e econômicos.
A cultura do racismo no esporte
Na sociedade contemporânea, o Brasil apresenta a maior parte de sua população composta por pretos e pardos, e também, esse grupo étnico compõe a maior parte dos índices de pobreza, morando nas periferias, sem água, esgoto, saúde e saneamento básico. Além disso, conceitos pejorativos presentes em nosso vocabulário como “criado mudo”, “inveja branca” e “mulato” ainda são muito utilizados em nossa sociedade, dentre tantos outros vocábulos racistas.
Mas afinal, o que o racismo estrutural tem a ver com o mundo esportivo?
Daniel Alves, brasileiro, baiano, negro, e conhecido internacionalmente por ser brilhante nos jogos futebolísticos, teve sua infância humilde, acordava cedo para poder ajudar o seu pai nas plantações e dormia em uma cama feita de cimento. Apesar de sua infância difícil, ele conseguiu superar muitos obstáculos e se tornar um grande esportista. Mesmo assim, Daniel Alves foi vítima de racismo, na Espanha, durante uma partida de futebol, um torcedor do time rival jogou uma banana para o futebolista brasileiro. Essa atitude, evidencia a reprodução de ideologias do racismo comportamental, como diz Campos (2017, p.6), que por muitas vezes “ocorrem sem a pessoa sequer saber as razões ideológicas por trás de sua atitude”; isso porque, segundo Campos, “entende-se que tais atitudes são muito mais emotivas, irracionais e reativas e, por isso, nem sempre possuem uma ideologia identificável como causa”.
Outro exemplo é Lewis Hamilton, britânico, negro. Ele é um dos maiores nomes da Fórmula 1, com sete títulos mundiais e com recordes inigualáveis. Hamilton, nascido em um país com histórico de teorias raciais que serviu para o fortalecimento da supremacia branca ao longo da história da humanidade, chegou ao esporte diante a tantas dificuldades econômicas. Mesmo assim, aos 22 anos se tornou campeão mundial. O piloto da Mercedes sofre ofensas racistas, frequentemente, mas sempre promove discussões importantes nas redes sociais e em grandes eventos, como por exemplo, a utilização de uma camiseta com a frase “Vidas Negras importam” antes de um GP, e levar alguns estilistas afrodescendentes a um dos maiores eventos beneficentes em Nova Iorque. Além disso, sempre defende outras pessoas negras:
“O comportamento nojento de poucos mostra quanto trabalho ainda precisa ser feito. (...) Devemos trabalhar em prol de uma sociedade que não exija que os jogadores negros provem seu valor ou posição na sociedade apenas por meio da vitória. (...)”, afirmou o heptacampeão, após três jogadores ingleses negros serem vítimas de racismo após perderem pênaltis na final da Eurocopa.
O jogador brasileiro e o piloto inglês, apesar de serem atletas de modalidades e nacionalidades diferentes, apresentam muitas coisas em comum. Ambos têm ancestralidade negra, com infância humilde e frequentemente são vítimas de racismos. Esses atletas são exceções no mundo do esporte, mas suas histórias retratam o racismo estrutural no esporte.
Para conseguir chegar à elite do esporte é necessário romper com a reprodução da desigualdade racial. Um estudo realizado pelo sociólogo José Jairo Vieira, constatou que jogadores de futebol pretos e pardos tem maiores chances de terem salários atrasados. E os dados mostram os diferentes valores salariais entre brancos e negros: ganho de até um salário mínimo: 26,6% dos atletas brancos enquanto que 48,1% são negros. Salário maior de 20 salários mínimos: 24,8% são jogadores brancos e 14,8%, são negros. Isso mostra a discriminação racial presente no esporte.
E fazendo uma abordagem sobre os atletas paralímpicos. Essa competição surgiu devido à necessidade de reintegrar soldados amputados e debilitados devido aos traumas ocasionados pela Guerra Mundial. Na sociedade pós-moderna, mesmo que haja competições/jogos adaptados para deficientes físicos, intelectuais e outras pessoas com deficiências, a inclusão ainda não é igualitária.
Durante o ano de 2021, ocorreu, em Tóquio, dois dos maiores eventos do mundo do esporte, reunindo diversos atletas, dentre eles pessoas sem ou com deficiências, em modalidades distintas. Nesse viés, uma emissora brasileira mudou a sua grade de programas para transmitir a maioria dos jogos olímpicos. No entanto, durante as paraolimpíadas foi transmitido apenas jogos ditos como importantes, como a final do futebol de cego. Apesar dessa controvérsia, dados do Comitê Paralímpico Internacional (CPI) revelaram que deveria ser as paraolimpíadas mais assistidas, pois os números estimavam uma audiência acumulada mundialmente de 4,25 bilhões de pessoas.
A seleção brasileira paralímpica é composta por grandes atletas, tais como Petrúcio Ferreira, nascido na cidade de São José do Brejo do Cruz, na Paraíba. Ele perdeu parte do membro superior esquerdo aos 2 anos de idade em uma máquina de moer capim. Hoje, o paraibano tem várias medalhas e recorde paralímpico no atletismo. Além dele, o também paraibano, Cicero Nobre, com comprometimentos no membro inferior ganhou medalha de bronze em lançamento de dardo na paraolimpíada de 2021. Apesar de passarem por inúmeras dificuldades acerca de acessibilidade e inclusão, o fato é que são pessoas que lutam para serem reconhecidas, dia após dia, e não querem ser lembradas por suas necessidades especiais, e sim por terem feito história no esporte brasileiro.
Falando sobre o mundo do surfe, Ítalo Ferreira, nascido no nordeste brasileiro, vindo de uma origem humilde, iniciou surfando em sua cidade natal com uma tampa de isopor. Depois de muito treino, esforço, dedicação e superação, ele foi aclamado como o primeiro medalhista de ouro na história do surfe pelas olimpíadas, além de conquistar títulos importantes para o surfe.
Fazendo um paralelo entre Petrúcio, Cicero e Ítalo, é que apesar de todos terem vivenciado grandes dificuldades para conquistar as suas medalhas; somente Ítalo Ferreira teve o maior reconhecimento na sociedade, com o título de homem do ano pela revista GQ Brasil na categoria de esporte.
Sendo assim, pergunto: o esporte pode ser um processo de inclusão? Sim, o esporte pode ser um caminho para a diminuição da desigualdade. Mas, está na hora do Brasil incentivar e investir mais no esporte, nas diferentes modalidades e, sobretudo, promover a igualdade e a equidade raciais. O esporte, sem dúvida, nos proporciona a conhecer diversas culturas e nos faz pessoas mais respeitosas e melhores, pessoas antirracistas.
Para saber mais:
ALMEIDA, Silvio. O racismo estrutural. São Paulo: Editora Polen, 2019.
CAMPOS, L. A. Racismo em três dimensões: uma abordagem realista-crítica, in: Revista Brasileira em Ciências Sociais. Vol. 32, nº 95, 2017.
SANTOS, Aline. #Somostodosmacacos: o preconceito racial no futebol: discurso e memória. Maceió: UFAL/PPGLL, 2016. [Dissertação de Mestrado Profissional em Letras e Linguística].
*Graduanda em Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Santa Maria. Graduanda em Pedagogia pela UNINASSAU e apaixonada por esportes.
Edição: Heloisa de Sousa