Paraíba

RECONHECIMENTO

Penha Cirandeira é contemplada com a Lei Canhoto da Paraíba

Mutirão de coletivos culturais auxiliaram a mestra; Mestra cirandeira estava vivendo em extrema vulnerabilidade

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Ilustração - Imagem Reprodução

A mestra de coco e ciranda, Penha Cirandeira, foi contemplada, nesta quarta-feira (23), com a Lei Canhoto da Paraíba (Lei Estadual nº 7.694/2004). Após anos vivendo na mais completa vulnerabilidade social, tanto em João Pessoa como no Rio de Janeiro, a mestra foi auxiliada por grupos de cultura popular, coletivos de estudo, pessoas e artistas que se comoveram com a sua situação e resolveram pleiteá-la para concorrer a Lei Canhoto da Paraíba

O título, que garante auxílio financeiro de dois salários mínimos a mestras e mestres das artes, é destinado a pessoas da cultura popular, dança, brincadeira, música, folguedo, artes visuais e outras atividades, e que por tradição oral receberam e repassam para as novas gerações.


 

Os nomes dos candidatos são indicados pela Assembleia Legislativa da Paraíba, pelo Conselho de Proteção dos Bens Históricos Culturais (Conpec) e por entidades sem fins lucrativos sediadas no estado.

Emocionada, a Mestra comemora o resultado: “Eu estou muito feliz de ter ganhado este lindo prêmio que, para mim, foi um lindo prêmio. Em toda a minha vida, eu nunca pensei de chegar até aonde eu tô chegando agora, com a ajuda desse pessoal maravilhoso, principalmente o Zé Silva, Glaucia, o pessoal da cultura popular que me apoiaram, conheceram meu trabalho com tanto tempo de sofrimento que eu vinha sofrendo. Pra mim foi uma alegria, o coração estava batendo muito, estava muito ansiosa, mas na hora que a gente estava lá, que disseram Mestra Penha ganhou, aí eu me desesperei e me agarrei com o Zé Silva, e então se eu ganhei, ganhei a vitória a Deus e daqui pra frente é só alegria, e eu só tenho a agradecer a todos que fizeram por mim, o que fizeram por mim nessa luta”.

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Penha havia caído no ostracismo, entre idas e vindas de gestões culturais do Município de João Pessoa e do Estado da Paraíba, e foi embora tentar a vida na cidade do Rio de Janeiro. Sobreviveu precariamente catando lata, reciclando lixo, cuidando de carros, pedindo esmola, dentre outras atividades do âmbito da vulnerabilidade social. 

Perambulou no Rio de Janeiro por oito anos, até que os grupos culturais, Coletivo Jaraguá e Coco Acauã, retomaram o contato com ela, a trouxeram de volta, fizeram campanhas de ajuda financeira para compra de instrumentos e produção cultural para viabilizar a mestra retornar aos palcos em João Pessoa.


Mestra Penha Cirandeira aguardando o resultado ao lado do espaço cultural / Divulgação

Com a pandemia ficou ainda mais difícil para ela. Os grupos organizaram lives, rifas, apresentação on-line em seminários, e Penha ressurgiu com a voz plena e a batida certeira no bombo. 

A mobilização veio do Coletivo Jaraguá e Coletivo e grupo de estudos Coco Acauã, com apoio e pedido formal da Evot, além do apoio de artistas, professores, pesquisadores, ativistas culturais, fãs e admiradores de Penha. 

“Tava até querendo voltar pro Rio de Janeiro de novo, mas eu pedi força a Deus. Os pessoal sempre dizia, mestra Penha, a senhora não vai voltar pro Rio não, a gente está fazendo de tudo pra a senhora não ir pra o Rio, aí graças a Deus recebi essa vitória, fui vitoriosa, estou sendo uma mestra, conhecida pelo país, pelo Brasil. Eu não era reconhecida, mas estou sendo reconhecida por todo o país. Eu agradeço aos que fizeram isso por mim. Sozinha, eu não ia fazer”, comenta Penha.

Marcela Mucillo, presidenta do Coletivo Jaraguá, conta que tiveram dificuldade de organizar a documentação de Penha porque ela mudava muito de residência: “A gente precisou acionar pessoas, parceiros, instituições que atuam junto a cultura popular para conseguir comprovar essa trajetória de Penha, artistas e pesquisadores que atuam no campo da cultura popular e da música também foram aliados importantes para poderem confirmar e testemunhar, por declaração, a atuação de Penha, através de um dossiê que foi  escrito por várias mãos”, explica a antropóloga.


Dossiê Penha Cirandeira

O grupo para auxiliar a Mestra foi formado inicialmente por Gláucia Lima, Nara Santos , Zé Silva, Del Santos, Gabriela Sousa, Romério Zeferino e Sandra Belê.

“Ter a Cirandeira contemplada na Lei Canhoto é uma conquista para Penha no sentido de ter esse reconhecimento, e não só um reconhecimento simbólico, mas um reconhecimento que minimamente garante condições para que ela tenha dignidade na sua vida, no sentido de condições básicas de vida, de poder garantir minimamente moradia, condições básicas de alimentação. E isso viabiliza que a gente possa repatriar, digamos assim, esse patrimônio vivo que é Penha Cirandeira”, complementa Marcela.

Nas redes sociais,  Zé Silva, do Coco de Roda Acauã, prestou homenagem a Penha: “Uma longa batalha que chega ao fim com um final feliz. Lembro como se fosse hoje quando @narasantospb me perguntou em 2016, na ocupação do IPHAN-PB, se eu conhecia Penha Cirandeira e que ela estava desaparecida. O resto foi história... daquelas que me fazem sentir vivo e entender os motivos de ainda lutar tanto. Penha finalmente não vai precisar mais catar latinhas e ser humilhada nas ruas".

“Agora que ela conseguiu esse salário mínimo, vai mudar completamente o rumo, a estabilidade de se sentir firmada na terra dela. Isso é massa demais, com certeza vai mudar completamente, os próximos anos agora serão diferentes. Nossa mestra, rainha e diva e que isso só aumente o reconhecimento e o incentivo. Foi uma uma vitória mesmo. Merece demais, a mestra”, comenta o produtor musical Renato Oliveira.

O Coletivo Jaraguá se pronunciou nas redes sociais: “A diversidade cultural da Paraíba é quem ganha com isso, embora seja muito necessário que os poderes públicos percebam a necessidade de ampliar o pequeno número de beneficiados por essa legislação, para que mais mestres populares detentores de conhecimentos tradicionais possam também ser contemplados com benefícios semelhantes".

“Daqui pra frente não vou sofrer mais, não vou mais apanhar lixo, não vou mais catar lixo, não vou mais catar, entendeu? Graças ao meu bom Jesus. Eu só agradeço, somente”, celebra Penha Cirandeira.

 

 

Edição: Heloisa de Sousa