Nesta sexta (25), a partir das 10h da manhã, uma pequena reparação começa a acontecer com as famílias atingidas pela Barragem de Acauã, na área rural do município de Itatuba, interior da Paraíba. O governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), assina a ordem de serviço para construção de 100 unidades habitacionais da Agrovila Águas de Acauã, além da ordem para a implantação dos sistema completo de abastecimento de água.
A luta das famílias atingidas pela construção da barragem de Acauã, em 2002, localizada no município de Itatuba (a 130km de João Pessoa e a 60km de Campina Grande), durante o governo de José Maranhão, já falecido, é longa. São 20 anos lutando por reparação. A ironia é que as famílias que foram expulsas de suas casas e de suas terras agricultáveis ficaram sem casa, sem atividade agrícola e até mesmo sem acesso à água potável. Mesmo estando ao lado da barragem de Acauã, a água do açude não servia e nem serve aos próprios atingidos pela construção.
A barragem de Acauã foi concluída em agosto de 2002 e fazia parte do Plano das Águas do governo Maranhão. Tinha como objetivo reforçar o suprimento de abastecimento de água da cidade de Campina Grande e municípios vizinhos, objetivo que não foi atingido. O sistema adutor construído atende os municípios de Salgado de São Félix, Itabaiana, São José dos Ramos, Mogeiro, Pilar, Itatuba, Ingá, Juripiranga e Juarez Távora não chegando a Campina Grande.
A construção da barragem desalojou, inicialmente, cerca de 1000 famílias, que foram obrigadas a saírem de suas casas e abandonarem seus sítios, base econômica das famílias camponesas, sem nenhuma reparação do estado. Famílias que tinham casas construídas e área de plantação com até 25 hectares receberam cerca de 5 mil reais de indenização, valor que deveria ter chegado, em média, a 350 mil reais.
Além disso, devido a fortes chuvas, após dois anos de construída, a barragem encheu em seu nível máximo, causando danos para os moradores que ainda se encontravam dentro da área a ser alagada e o deslocamento de cerca de mais 5 mil pessoas que viviam às margens do Rio Paraíba. Estes camponeses e ribeirinhos não tiveram a assistência após a catástrofe.
A inundação envolveu, inclusive, o cemitério da cidade. Foram seis comunidades atingidas pelas águas: Pedro Velho, Riachão, Água Paba, Cajá, Costa e Melancia. Das seis comunidades, a do Costa é a que enfrentou maior situação de vulnerabilidade social e violação de direitos humanos - a comunidade foi deslocada às pressas para um local de difícil acesso, vivendo em situação de extrema vulnerabilidade. "Essa luta já tem 20 anos. Quando o estado construiu a barragem em 1999 para 2002, a gente descobriu, através da luta que existe, o estudo de impacto ambiental, que é o EIA/Rima, e nele reza que para minimizar os impactos da construção dessa barragem para as famílias atingidas, era para o governo ter feito o reassentamento das famílias. O que é o reassentamento? Seria uma casa digna, terra para trabalhar, água e acompanhamento técnico. Isso era uma forma de minimizar os impactos negativos que a barragem trouxe seja no âmbito econômico, social, cultural, histórico, sentimental, muito grave. São 20 anos de luta", conta Osvaldo Bernardo da Silva, integrante do Movimento Atingido por Barragens (MAB).
Osvaldo, além da vida marcada pela luta contra a injustiça da barragem, teve a família impactada
Em 2009, seu irmão, Odilon Bernardo Da Silva Filho, aos 33 anos, foi assassinado com tiros pelas costas em uma emboscada na cidade de Aroeiras, na Paraíba, próximo a sua residência em Pedro Velho, um dos três reassentamentos onde estão alojadas 470 famílias atingidas pela barragem de Acauã. Odilon voltava para sua residência depois de um encontro com amigos e militantes do MAB. Antes do crime acontecer, integrantes do MAB da região já vinham denunciando sofrer ameaças de morte. Uma semana antes do assassinato, um rapaz que passava de moto, próximo a um dos reassentamentos, havia sido atingido com um tiro pelas costas. A violência e o assassinato possuem ligação com as ameaças.
Já o outro irmão de Osvaldo, José Bernardo da Silva, conhecido como Orlando Bernardo, em razão de sua família ter perdido suas terras por causa da barragem, passou a reivindicar a reforma agrária no Estado da Paraíba, participando do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nove anos após a morte de seu irmão Odilon, foi brutalmente assassinado, junto com Rodrigo Celestino, na noite do sábado (8 de dezembro de 2018) no Acampamento Dom José Maria Pires, localizado no município de Alhandra (PB).
Desde a morte de Odilon, Osvaldo entrou para o Programa de proteção aos defensores dos Direitos Humanos. Osvaldo sempre denunciou que a indenização paga as famílias foi incapaz de manter as mesmas no campo: "A indenização que foi feita foi vergonhosa. Teve quem recebesse R$ 500, outras receberam R$ 1 mil. Para nós, deveria ter sido feito o reassentamento do povo, mas fizeram uma favela rural".
Osvaldo analisa a importância do momento, ao mesmo tempo em que analisa a conjuntura brasileira. "A gente está em um momento muito difícil que o Brasil vive, que é a pauta da reforma agrária, ela não existe mais a nível nacional e, no entanto, para a gente este é um momento de muita alegria. Não vai resolver todos os problemas das famílias, a dívida social ainda continua, mas é um ganho político e histórico para a gente, para fortalecer a luta e nos motivar a continuar a luta ainda mais, porque essas 100 famílias vão ter o direito de ter uma casa digna agora, com 1 hectare e meio de terra, no seu quintal, para você criar seus animais de pequeno porte, para fazer uma horta, para você fazer um sítio, plantar a sua roça, então vai trazer dignidade humana e segurança alimentar e autonomia hídrica para as famílias, então é um momento muito importante para a gente", analisou Osvaldo.
Vinte anos de luta pelas famílias atingidas pela barragem de Acauã
O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH, atual Conselho Nacional de Direitos Humanos, reconheceu a existência das violações de direitos humanos dos atingidos de Acauã, em missão realizada em 2007, realizando uma série de recomendações como o reassentamento das famílias. Em 2013, foi realizada uma missão de monitoramento para verificar se as recomendações foram efetivadas e o Conselho constatou que muito pouco foi feito, agravando a situação das pessoas.
No entanto, foi a partir de 2015, que o Ministério Público Federal da Paraíba, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, tendo à época o procurador José Godoy à frente, que começou a cobrar do Governo do Estado da Paraíba, uma resposta concreta de reparação e de assistência às famílias desamparadas e que tiveram seus direitos violados pelo estado.
"A gente vê a prioridade que logo que ele chegou aqui, contribuiu muito porque a gente também avalia essa habilidade do procurador da República, que o Dr. Godoy tem em negociação. Então ele foi fundamental para que isso acontecesse, através do MPF, e ele foi a pessoa que, se não fosse a habilidade dele, quando ele chegou aqui, na Paraíba, em 2015, contactou conosco, foi logo conhecer a realidade das comunidades. E ele a partir disso fez um documentário "Águas para vida ou para a morte?". Provocou uma audiência pública para trazer todas as instituições do estado, do município e federal. Em cada momento passou o dia todo discutindo com esse povo. Eles se sensibilizaram. Teve outros governos anteriores que também ajudaram nesse processo para a gente ter essa legitimidade", explicou Osvaldo.
O integrante do MAB tem a compreensão, que apesar da alegria e do avanço que é a assinatura da ordem de serviço desta sexta (25), a luta tem que continuar. "Temos a compreensão, essa conquista que está acontecendo é fruto de muita organização popular, de muita resistência e muita persistência e também é composta por várias mãos, dos atingidos por barragem em nível de Brasil, internacional, pelo Movimento de Afetados por Barragens. Se não tivesse essa articulação, não conseguiríamos estar nesse momento e várias companheiras e companheiros que participaram, que nos ajudaram. Foram muitos que nem quero me arriscar a citar para não esquecer ninguém, a Consulta Popular, o MST, o Levante. Estamos muito felizes e vamos continuar a luta. No momento da assinatura da ordem de serviço, vai ser nos dado a oportunidade de falar esse resgate histórico e também falar do momento de gratidão. Sabemos que o Estado deve, mas a gente tem que ter também essa compreensão da sensibilidade do governo do estado, porque se ele não tivesse a sensibilidade, essa ação não ia sair porque a gente está em um momento difícil e vamos continuar a luta para que tenham mais conquistas para outras famílias que não foram beneficiadas com o reassentamento", avaliou Osvaldo Bernardo da Silva.
Há mais de 20 anos, o MAB vem organizando as famílias atingidas pela barragem de Acauã, denunciando a violação dos seus direitos e a reparação dos impactos sociais causados pela obra. A justiça social e econômica teria evitado as mortes dos irmãos de Osvaldo, as violações para as cerca de 1000 famílias envolvidas, que inclusive passaram fome, assim como uma política nacional que reconhecesse os direitos dos atingidos por Barragens.
Fonte: Com informações do MAB
Edição: Heloisa de Sousa