Quero começar este texto citando o economista paraibano Celso Furtado, para ressaltar a importância da participação popular e das diversas organizações da sociedade civil no controle do Estado e nas definições das políticas públicas:
“...o Estado nacional evoluiu para assumir o papel de intérprete dos interesses coletivos e assegurador da efetivação dos frutos de suas vitórias; esse processo deu-se mediante a crescente participação da população organizada no controle dos centros de poder, ou seja, a democratização do poder; ora, por trás desse processo esteve a progressiva capacidade de organização das massas trabalhadoras” (cf. O Capitalismo Global)
Mas o que é o Plano Diretor?
O plano diretor é uma lei que garante o planejamento de longo prazo dos municípios. Elaborada pelo poder executivo com ampla participação cidadã, é aprovada pela Câmara de Vereadores, a qual estabelece regras, parâmetros, incentivos e instrumentos para o desenvolvimento da cidade. Após a Lei Orgânica (espécie de constituição municipal) o PD é a lei mais importante do município.
Participação
A constituição de 1988 afirma no seu capítulo I, Parágrafo único, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição[...]” (BRASIL, 1988).
É clara a participação da população no que se refere à nossa democracia!
Exercida de forma cada vez mais direta, representativa e participativa, se dá através dos parlamentos e governos eleitos pelo voto direto, bem como através das consultas, plebiscitos, referendos, mobilizações, conselhos temáticos na área das políticas públicas, conferências, audiências públicas, orçamentos participativos, instrumentos de governança democrática e novas formas de participação proporcionadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação.
É válido destacar, nesse sentido, as inúmeras maneiras de articulação da sociedade civil, através das Entidades de classe, Associações empresariais, Sindicatos, ONGs, Movimentos Sociais e Populares, os Movimentos comunitários, culturais, estudantis, o Movimento Negro, de Mulheres, LGBTQIA+, de Moradia, Movimentos Ambientais e tantos outros. Vemos sob esse prisma, uma sociedade plural, que se tem se organizado sob a diversidade das suas pautas e interesses.
Vale aqui lembrar, que a nossa Lei Orgânica assegura os instrumentos participativos e o debate plural dos rumos do município. Importante avultar ainda outra importante lei que é o Estatuto da Cidade de 2001.
Observamos através dos fatos aqui elencados que contamos, sim, com uma legislação que garante o planejamento urbano com ampla participação cidadã.
Pensar a cidade de forma democrática não é fácil; tampouco simples. Requer capacidade de reconhecer e promover vozes plurais, bem como a garantia da legítima participação e acolhimento de suas pautas. É entender e promover o espaço público em sua atuação como o ambiente do dissenso, das divergências e dos projetos diferentes, mirando a construção do consenso, do que é possível ir a voto.
Ressalto a necessidade de uma cultura democrática, e isso vai além de termos uma legislação que garanta a participação plural.
É deveras importante que cada cidadão/ã, agente público das várias esferas de poder, cultivem o espírito democrático e republicano; nessa vereda, o diálogo é peça chave.
Um diálogo que escuta, reconhece, retrocede em posições já definidas, busca entender o lugar da/o outra/o; um diálogo fortemente comprometido com o avanço da democracia, da justiça social e ambiental.
Planejando Campina Grande
O Plano Diretor [PD] de Campina Grande data de 1996; a sua segunda revisão deveria ter ocorrido em 2016, constando, portanto, seis anos de atraso.
Não é um mero atraso; é uma opção política pela não participação, dado que, tivemos a primeira revisão em 2006, durante o Governo de Veneziano Vital.
Fica o questionamento, se o próprio governo Veneziano, nas suas políticas e orçamentos, procurava aplicar o PD. Lembro, nesse momento, o quanto que era difícil o diálogo das forças sociais com o governo à época, especialmente o segundo mandato de Veneziano, que em diversas áreas foi catastrófico. Era clara a preterição à participação cidadã.
Esse apagão da participação se seguiu e se agudizou durante os governos de Romero Rodrigues.
Destaco, contudo, a contribuição positiva de técnicos e alguns secretários de ambos os governos dos mandatários citados, que à despeito do cenário em curso, se empenharam em promover a participação e a revisão do PD, ainda que de maneira geral, estes governos tenham contribuído significativamente para o apagão da participação cidadã em Campina Grande.
No período compreendido entre 2013 e 2020, tivemos alguns planos setoriais elaborados, a exemplo do Plano de Mobilidade - PlanMob, do Saneamento Básico, o Campina 2030 entre outros. O próprio Campina 2030 deveria ter sido pensado como parte do Plano Diretor, o que não ocorreu. Tendo sido aprovado, foi praticamente desconsiderado em seguida. São planos que não saem do papel…
Os conselhos têm sofrido com a falta de reconhecimento e apoio para o seu pleno funcionamento. No período supracitado, o Orçamento Participativo - OP, só não chegou à extinção graças à resistência das lideranças comunitárias que, até hoje, se mobilizam torno dele, ainda que essa mobilização não tenha implicado numa concreta incidência política nos rumos orçamentários da gestão.
Nesse período, ano de 2016, competia ao prefeito Romero Rodrigues liderar o processo de revisão do PD. Comissões foram criadas, reuniões realizadas, pressão de organizações da Sociedade Civil e da Academia pela revisão e, ainda assim o governo Romero preferiu postergar e terminou o seu governo sem a realização da revisão do PD mostrando, mais uma vez, o seu total descompromisso com uma agenda urbana que priorize o planejamento da cidade com a ampla participação cidadã.
Quando observamos os (raros) momentos de escuta e participação promovidos pela Prefeitura, principalmente na fase da elaboração de alguns Planos Setoriais, constatamos o diálogo com um setor da cidade, e não com o conjunto da população e tampouco com suas várias organizações e movimentos existentes.
O saldo dos planos elaborados pelas últimas gestões é irrisório. De maneira geral e de prática comum, estes planos não são aplicados e tampouco considerados devidamente na elaboração e execução das leis orçamentárias.
Nos encontramos numa conjuntura onde não se planeja à médio e longo prazo, na qual sempre se tem optado por ações e projetos pontuais.
Vivemos um verdadeiro apagão do Planejamento Urbano e da participação cidadã, ainda que, no discurso e na publicidade, a cidade seja exaltada como “cidade da inovação”, a “smart city”, a “cidade para as pessoas”.
Temos, na realidade, uma gestão pública com pouco diálogo interno, muitos projetos isolados, ineficiente, que tem demonstrado pouca valorização do serviço público, além da baixíssima participação cidadã, que se acomoda à uma enorme desigualdade espacial e socioeconômica, sem alternativas à médio e longo prazo para superá-las.
O governo Bruno Cunha Lima inicia o ano de 2021. Uma nova gestão, com novas expectativas para a retomada do planejamento urbano, garantindo a revisão do Plano Diretor.
Novamente, uma comissão de revisão do PD é criada, retoma-se o Conselho das Cidades - CONCIDADE, faz-se até uma proposta de calendário e lançamento da revisão. Entretanto, apesar do “muito discurso”, o Governo Bruno tem abraçado o compromisso do seu antecessor e padrinho político pelo apagão da participação cidadã, mais uma vez postergando para o futuro, sem data, a revisão do PD, ao mesmo tempo em que temos a paralisação do CONCIDADE.
Novamente se observa a prioridade por alguns projetos e planos setoriais que não dialogam com a revisão do PD e sequer com as leis orçamentárias.
Valeria a pena, em outro texto, analisar como tem dado a elaboração das leis orçamentárias de Campina Grande nos últimos 30 anos ou mais.
Nada mudou: muita burocracia, baixa participação e pouca noção da realidade dos desafios da cidade no orçamento público.
O Governo Bruno tem sido um governo de muito discurso e pouca entrega para o presente e para o futuro da cidade. Continuará assim?
A nossa percepção é de que a secretaria de planejamento - SEPLAN optou por abandonar o planejamento da cidade para se contentar com alguns menores projetos e ver o tempo passar. Até quando?
Registramos aqui a abertura para o diálogo que o atual secretário Félix Araújo e sua equipe demonstraram, bem como a competência dos seus quadros; mas nos parece há ainda falta de autonomia político-administrativa, o que impede qualquer avanço.
Uma cidade para a justiça social e ambiental
Somos uma cidade do semiárido do Nordeste brasileiro, com um histórico de crise hídrica.
A questão ambiental, para nós, deve ser um eixo estruturante do nosso desenvolvimento: a de criação de políticas que apoiem e promovam a produção descentralizada de energias renováveis; correta captação da água das chuvas; prioridade ao saneamento; reflorestamento, cuidado e revitalização das nossas nascentes, rios e canais; o necessário cuidado com as áreas de risco. Passa aqui, também, a política habitacional, a reurbanização e tantas outras iniciativas tão necessárias nestes tempos de mudanças climáticas.
Retomar a revisão do PD é URGENTE, e se faz necessária, para um amplo diagnóstico da realidade do município, a escuta ativa da população e a construção coletiva dos processos de participação.
A “Frente pelo Direito à Cidade”, articulada desde 2018, que reúne organizações sociais, grupos de pesquisa das universidades, observatórios, sindicatos e ONGs, vêm discutindo e mobilizando uma Agenda Urbana que tem como centro a redução das desigualdades, a participação plural nos rumos da cidade e o fortalecimento da sociedade civil organizada pelo direito à cidade.
Outra importante iniciativa da Frente é a Articulação Popular pela Revisão do Plano Diretor.
São muitos os desafios para construirmos uma Campina Grande social e economicamente justa, ecologicamente sustentável, politicamente democrática e participativa, além de culturalmente plural.
No enfrentamento a estes e tantos outros desafios, a retomada da revisão do PD é extremamente importante para que a cidade enfrente as suas próprias contradições e aponte saídas à médio e longo prazo, permitindo um planejamento exequível expresso na síntese das prioridades apontadas pela população para o presente e o futuro da cidade.
Uma Cidade de direitos; uma Cidade da igualdade de oportunidades; uma Cidade que retome a sua liderança no Semiárido e Nordeste brasileiro.
Caminhemos!
*Formado em Filosofia. Membro da Coordenação da Frente pelo Direito à Cidade e Coordenador do Fórum Pró Campina.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Heloisa de Sousa