Paraíba

Coluna

“Cidade alta, cidade baixa: em que cidade que você se encaixa?"*

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Cidade da Parahyba, 1855. - Mapa feito sobre base levantada por Alfredo de Barros e Vasconcelos, 1855.
a Cidade da Parahyba esteve por muito tempo compartimentada entre a “cidade alta” e a “cidade baixa

Por Nirvana Rafael de Sá**
 

Assim como a maioria das cidades de colonização portuguesa, a Cidade da Parahyba (denominada João Pessoa a partir de 1930) esteve por muito tempo compartimentada entre a “cidade alta” e a “cidade baixa”. Estas nomenclaturas dizem muito sobre a própria configuração da cidade, como pretendemos mostrar. 

Relacionado a momentos e contextos históricos diferentes, a cidade recebe várias denominações que se referem ao período econômico, político e ideológico vivenciado na ocasião. Até o início do século XX, Cidade da Parahyba, antes denominada Cidade de Nossa Senhora das Neves, ou ainda Frederica; e Filipéia de Nossa Senhora das Neves, era marcada pela singeleza e por uma vida urbana de pouca intensidade, bem como por uma parca expressividade urbana e pelas duas compartimentações: alta e baixa. 

“Cidade Baixa”, de mais baixo relevo, ou seja, às margens do Rio Sanhauá, marcada pelo Porto do Varadouro, o comércio e as habitações da classe mais baixa. Marcada também pela presença dos prédios da alfândega e da área portuária. (muitos deles, atualmente, desocupados ou em ruínas e outros, apropriados por uma oferta de serviços setorializada de serralherias e marcenarias).

Na cidade alta estavam os prédios administrativos, religiosos, as imponentes torres das igrejas das quatro congregações: carmelitas, beneditinos, franciscanos e jesuítas. Muitas curiosidades podem envolver estas porções, como por exemplo, o fato destas igrejas estarem distribuídas no “mapa da cidade” como que formando uma cruz: Centro Cultural de São Francisco na “cabeça da cruz”; as Igrejas de São Bento e do Carmo que seriam os seus “braços” e, na outra ponta da Cruz, os jesuítas - este espaço que teve o uso ressignificado ao longo dos anos primeiramente se tratando do antigo Lyceu Parahybano, depois (e por muitos anos), a Faculdade de Direito, além de abrigar, a partir de 1930, o túmulo de João Pessoa (posto ali até os dias de hoje).

De acordo com Jardim (Monografia da Cidade. 1910), no ano de 1865, a Cidade Alta possuía: “28 ruas, 07 travessas, 20 becos, 10 praças, 02 fontes públicas, 03 conventos, 11 igrejas, 10 edifícios públicos, 02 edifícios particulares, 01 cemitério, 01 jardim público, 984 prédios entre os quaes 44 são sobrados, 382 casas de palha; tendo mais destas 28 por detraz da Rua das Trincheiras.”

Como se pode perceber, a denominada Cidade Alta abrigava neste período, os prédios administrativos e religiosos, graças ao seu relevo, o qual lhe dá maior destaque e visibilidade. Este era, portanto, o local escolhido para o assentamento das instituições religiosas e administrativas, as quais aí deveriam se colocar a fim de demonstrar seu poder. 

Já a Cidade Baixa, ou Varadouro encontra-se situada exatamente na área da cidade às margens do Rio Sanhauá, ou melhor, na planície que se situa entre o rio e o tabuleiro, local onde foi construído o porto e a Casa de Alfândega. A Cidade Baixa era, portanto, representada pelo cais do Sanhauá e lugares adjacentes, os quais compunham um misto de área residencial e comercial, que abrigava os principais estabelecimentos comerciais e as residências de alguns comerciantes, além do porto, citado anteriormente. 

Segundo a monografia, esta parte da cidade contava com “31 ruas, 09 travessas, 13 becos, 10 praças, 02 fontes públicas, 02 igrejas, 13 edifícios públicos, 02 edifícios particulares, 01 cemitério, 1112 prédios entre os quaes 50 sobrados, 361 casas de palha, e destas mais 16 na ladeira atrás de S. Bento. Existem mais 03 ruas sem denominação, no lugar que se dá o nome de Jardim, contendo 04 prédios e 86 casas de palha”. 

Entre uma “cidade” e outra, havia as ruas de ligação - as mais conhecidas são a Rua da Areia e a Ladeira da Borborema. Ruas marcadas por seu relevo acidentado, pela subida (ou descida). Ou, como o próprio nome diz: pela ligação entre uma compartimentação e outra. 

Por muitos anos, séculos, na verdade, a cidade teve seu tecido urbano limitado a estas duas porções por causa de um impedimento natural à sua expansão: a Lagoa dos Irerês - mas sobre esta falaremos em outra oportunidade.


*Baiana System canta sobre Salvador, mas a semelhança, não é coincidência.

**Geógrafa. Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do UNIESP. Pesquisadora e integrante do Grupo de Estudos Urbanos da UFPB.

Edição: Heloisa de Sousa